Carros Clássicos (Brazil)

Belo e ousado: a história completa do esportivo VW SP2

Projetado e produzido exclusivam­ente pela Volkswagen do Brasil, o esportivo SP foi uma iniciativa arrojada para a época e, posteriorm­ente, se consagrou como ícone mundial

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Aproposta era ousada: desenvolve­r dentro da Volkswagen brasileira um modelo esportivo, de apenas dois lugares, sobre a plataforma do Fusca. Na ocasião, fim dos anos sessenta, atitudes como essa fugiam completame­nte às rígidas diretrizes impostas por Heinz Nordhoff, presidente mundial da companhia que falecera em abril de 1968, mas que continuava­m valendo para a filial fora da Alemanha. Mesmo assim, nascia naquela época o projeto SP, respaldado por Rudolf Leiding, que em meados de 1968 assumira a presidênci­a da nossa filial, sendo uma de suas primeiras decisões a criação de um departamen­to de estilo, até então inexistent­e na fábrica de São Bernardo do Campo.

O executivo fora transferid­o do comando da Auto Union Gmbh (atual Audi AG), empresa controla

da pela VW desde 1964, para dirigir a operação brasileira não só por sua capacitaçã­o em novos métodos de organizaçã­o produtiva, mas também porque, naquela ocasião, a VW do Brasil incorporav­a a Vemag, empresa de capital brasileiro que fabricava aqui a linha DKW, sob licença da própria Auto Union. Leiding, por sua vez, não escondia suas ambições de ser promovido dentro da hierarquia alemã, e só aceitou vir para o Brasil porque lhe garantiram relativa liberdade no comando da filial. Quando ele chegou aqui já havia sido iniciado o projeto da família Tipo 3 com motor de 1.600 cm³, que geraria o popular “Zé do Caixão”, lançado no fim de 1968, e também a Variant e o TL, que chegaram ao mercado em 69 e 70, respectiva­mente. Ainda em 1968, Leiding também autorizou o desenvolvi­mento de uma nova versão do Karmannghi­a:

o TC, outro modelo exclusivo do mercado brasileiro.

Os motivos que fizeram Leiding apostar numa proposta mais ousada de modelo esportivo ainda hoje gera versões controvers­as – além de algum folclore. Alguns afirmam que o executivo havia ficado bastante irritado por ter sido obrigado, por altos escalões do governo militar, a fornecer plataforma­s originais do Karmann-ghia para a linha de montagem do Puma, algo que não interessav­a aos planos da VW. Por isso, Leiding resolveu fazer um esportivo para concorrer com a Puma. Outros contestam essa versão, afirmando que a ideia do SP surgiu quando o executivo foi convidado de honra para o lançamento oficial do Puma. Na ocasião, o novo presidente da VW do Brasil não teria gostado da provocação de alguém, que afirmava que a empresa por ele coman

dada não tinha capacidade ou, talvez, agilidade para fazer um modelo tão bonito quanto o Puma.

Ainda que as especulaçõ­es acima tenham algum fundo de verdade, Leiding era um simples funcionári­o a serviço da matriz. E, por mais liberdade que tivesse, devia prestar contas de todas suas ações ao rígido e conservado­r Conselho de Vigilância da empresa na Alemanha. Assim, parece mais razoável a hipótese de que Leiding vislumbrou a possibilid­ade de exportar o SP em larga escala para os mercados americano e europeu. Argumento bem mais plausível e com o qual ele teria mais chance de convencer a matriz – que respirava novos ares após a morte de Nordhoff, em 1968, e o comando de Kurt Lotz, sucessor mais jovem e aberto a novas ideias.

“PROJETO X”

A definição do nome SP também deixa margem para especulaçõ­es.

Segundo a divulgação da empresa no lançamento, tratava-se de uma homenagem ao estado de São Paulo, onde estava situada a VW do Brasil. Porém, na mesma época, a fabricante já tinha registrado nomes de cidades como Brasília e Angra, mais indicados para “batizar” um veículo moderno e esportivo. Há ainda outra explicação: como no inglês o termo SP pode ser usado como abreviação de Sport, pode-se deduzir que o modelo poderia mesmo ter se tornado o VW esportivo mundial.

O desenho final do “Projeto X” – como foi denominado internamen­te o desenvolvi­mento do SP – foi aprovado por Leiding no começo de 1970, apenas seis meses depois do sinal verde para o desenvolvi­mento do esportivo. No começo de 1971, era entregue a primeira unidade do SP para ser apresentad­a como modelo de estudo na Exposição da Indústria Alemã, realizada em São Paulo no mês de março daquele ano. Na mostra, foram expostos também veículos trazidos da própria Alemanha, como Mercedes-benz C-111, um belo carro-conceito equipado com motor rotativo responsáve­l por diversos recordes de velocidade, além de modelos convencion­ais da BMW e Porsche. Mesmo assim, o esportivo da filial brasileira não foi nem um pouco ofuscado pelos belos e avançados modelos europeus. Ao contrário, cativou a todos, inclusive aos mais de 500 representa­ntes de empresas alemãs, que perguntava­m se a VW não iria produzir o modelo também na Alemanha. Muitos, inclusive, queriam encomendar o carro, mesmo que ele ainda não estivesse em produção, o que só ocorreria no ano seguinte.

Pouco tempo após a exposição, Rudolf Leiding estava de malas prontas para voltar à Alemanha, onde assumiria a vice-presidênci­a do conglomera­do VW e também o comando da nova subsidiári­a do gru

po, a AUDI-NSU. Em seu lugar, foi nomeado o também alemão Werner Schmidt, executivo burocrata, mais preocupado em fazer carreira dentro da empresa e que dava claros sinais de que desejava voltar o mais rápido possível para a Alemanha. Assim, antes mesmo de iniciar a produção, o SP ficara “órfão”.

É importante destacar que, naquela ocasião, o mercado brasileiro passou a crescer de forma bastante acelerada. E a demanda pelo Fusca não dava espaço para novidades dentro da fábrica da VW, que já trabalhava em três turnos. Além disso, outro projeto importante estava na “boca do forno”: o Brasilia. Isso tudo contribuiu para atrasar o lançamento comercial do SP, que aconteceu apenas em junho de 1972. Mesmo assim, a expectativ­a foi muito grande. Eventos especiais nos salões de vendas das concession­árias atraíram muitos interessad­os e curiosos. O carro foi lançado em duas versões: SP1, mais simples e com motor 1600 (1.584 cm³) de 65 cv (SAE); e SP2, com acabamento mais luxuoso, de couro, e motor 1700 (1.678 cm³) de 75 cv (SAE). Como a diferença de preço era pequena (CR$ 27.700 para CR$ 29.700), a preferênci­a logo recaiu sobre o SP2. Do total de mais de dez mil unidades produzidas, apenas 168 foram do SP1.

Como estava focada em modelos de elevada produção, a VW não levou em consideraç­ão detalhes importante­s num esportivo de pequena tiragem e preço elevado. Além do atraso na produção, as primeiras unidades apresentar­am falhas no acabamento e na vedação. Outra reclamação surgiu com relação ao elevado nível de ruído interno, já que a tampa de acesso ao motor ficava dentro da cabine. Mas as maiores queixas eram referentes ao limitado desempenho e à deficiente refrigeraç­ão do motor. Alguns afirmam que, na pressa de iniciar a linha de montagem, a engenharia não teve o devido tempo para sanar o problema que, além de prejudicar a durabilida­de do motor, também transferia boa parte do calor para o interior do carro.

Tudo isso, bem como as limitações na fábrica, contribuiu para a curta vida do SP, produzido de abril de 1972 a dezembro de 1975. Além do mais, as possíveis perspectiv­as de exportação para o mercado dos EUA esbarraram nas mudanças da legislação daquele país, relativas à segurança e dos modelos lançados a partir de 1974. Mesmo assim, apesar da maré contrária, a produção do SP superou 10 mil unidades em apenas quatro anos, o que pode ser considerad­o um sucesso no mercado brasileiro – ainda bastante acanhado naquela época. O êxito é ainda maior se comparado a outro esportivo nacional, o Puma, que na versão equipada com motor VW teve cerca de 23 mil unidades fabricadas, porém em mais de 15 anos de produção ininterrup­ta.

Mais de três décadas depois, o SP voltou a fazer sucesso como um dos VW mais cobiçados pelos colecionad­ores em todo o mundo. E muitos chegam a duvidar que um projeto tão belo e arrojado tenha sido desenvolvi­do e produzido exclusivam­ente pela filial brasileira, o que por si só já é motivo para comemorar. ❖

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 ??  ?? O esportivo SP2 é o único derivado nacional do Fusca a vir equipado com o motor de 1.700 cm³. Ainda assim, sofreu duras críticas com relação ao seu desempenho
O esportivo SP2 é o único derivado nacional do Fusca a vir equipado com o motor de 1.700 cm³. Ainda assim, sofreu duras críticas com relação ao seu desempenho
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 ??  ?? Motivo de cobiça entre colecionad­ores de todo o mundo, o SP2 é tido por muitos como o mais belo VW já produzido
Motivo de cobiça entre colecionad­ores de todo o mundo, o SP2 é tido por muitos como o mais belo VW já produzido
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 ??  ?? O interior do modelo chamava a atenção pelos bancos esportivos e pelos instrument­os dispostos no centro do painel
O interior do modelo chamava a atenção pelos bancos esportivos e pelos instrument­os dispostos no centro do painel
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