Volkswagen Brasilia: projeto genuinamente brasileiro
Projetado e desenvolvido no Brasil, o Brasilia pode ser considerado um Fusca modernizado, tendo conquistado admiradores além de nossas fronteiras
Ao convocar a equipe de desenhistas para uma reunião no início de setembro de 1970, Rudolf Leiding, então presidente da Volkswagen do Brasil, já tinha uma ideia do que desejava. Antes de falar ao grupo, Leiding pegou lápis e papel e desenhou a inconfundível silhueta arredondada de um Fusca. Em seguida, com uma caneta vermelha, traçou outro carro por cima do primeiro desenho. Era todo reto, com uma traseira alta que descia na vertical.
Em seguida, ordenou: “Eu quero que vocês façam um carro assim, um pequeno grande carro. Ele deve ter o maior espaço possível dentro dessas dimensões. E mais uma coisa: tem que ser bem largo, para que as pessoas
possam se sentir lá dentro como estivessem dentro de um Ford Galaxie”. Mais claro, impossível. Naquela folha de papel começava a ser concebido o primeiro derivado do Fusca exclusivamente brasileiro, que menos de três anos depois chegaria às concessionárias batizado de Brasilia.
DIVERSOS OBSTÁCULOS
Em janeiro de 1971, após mais de quarenta desenhos, estilistas e engenharia chegavam a um desenho bem próximo do que acabaria saindo às ruas mais tarde. O presidente Leiding ainda examinou as duas maquetes em escala 1:4 e aprovou a proposta. Esse foi um dos últimos atos de sua gestão no Brasil. Logo em seguida ele foi chamado de volta à Alemanha, onde posteriormente assumiria o comando mundial da empresa.
Mas desenhar um automóvel é uma coisa. Construí-lo é outra bem diferente. E logo começaram a surgir problemas. A primeira dificuldade foi adaptar o formato sugerido pelo “chefe” à plataforma do Fusca. Logo se deram conta de que ela era muito estreita para conter o carro espaçoso que se pretendia. E mais comprida. A solução foi tentar outras plataformas, como a do Karmann-ghia, até escolherem a do VW 1600, o sedã de quatro portas popularmente apelidado de “Zé do Caixão”, lançado em 1968, mas que não conseguiu se firmar no mercado. Com isso, conseguiram chegar a um modelo com 4.015 mm de comprimento e 1.605 mm de largura – 15 mm mais curto e 65 mm mais largo que o Fusca. Outro obstáculo foi com relação ao escapamento, que havia ficado sem espaço uma vez que o motor terminava rente à carroceria. A solução foi cortar a aba debaixo do para-choque e colocar lá uma gradinha para esconder o escapamento.
Resolvido o estilo da traseira, as atenções voltaram-se para o frontal. A intenção era fixar o estepe em cima do tanque de gasolina. Só que desta forma ele tomava
boa parte do espaço no porta-malas. A solução foi colocá-lo de pé, o causou outro problema: enquanto a traseira estava resolvida, equilibrada e bem curtinha, a dianteira ficou enorme, monstruosa. A opção dos estilistas, então, foi fazer a frente chanfrada, em cunha, o que se tornaria uma marca registrada do Brasilia.
SUCESSO IMEDIATO
Com os detalhes finais resolvidos, o modelo finalmente ficou pronto e chegou ao mercado nacional em junho de 1973. As primeiras unidades entregues às concessionárias foram insuficientes para atender à grande procura. Assim, enquanto os revendedores organizavam filas de compradores, o mercado paralelo aquecia o ágio de até 20% sobre o preço inicial de Cr$ 20.830
– equivalente a cerca de R$ 37 mil atualmente.
Nos primeiros testes realizados por uma publicação especializada, as medições de desempenho indicavam aceleração de zero a 100 km/h em 24,4 segundos e a retomada de 40 a 80 km/h em 24,7s. A velocidade máxima alcançava 128 km/h. E a melhor média de consumo havia sido obtida a 40 km/h, em quarta marcha, quando o Brasilia fazia 17,4 km/l. A 100 km/h, porém, o consumo aumentava para 11,5 km/l. Eram marcas razoáveis para um motor refrigerado a ar, de quatro cilindros, com 1.584 cm³ de cilindrada e 50 cv de
Naquela folha de papel começava a ser concebido o primeiro derivado do Fusca exclusivamente brasileiro, que menos de três anos depois chegaria às concessionárias batizado de Brasilia
potência líquida com apenas um carburador.
A carburação dupla, que acabaria elevando a potência para 54 cv, só foi lançada na linha 1974, mas como opcional. Somente em 1976 acabaria virando item de série. Com carburação dupla, o Brasília ganhou em economia, com a média geral de consumo na cidade saltando de 9,3 para 10,4 km/l. A velocidade máxima aumentou para 135 km/h.
Em 1976, o Brasília passou a vir com acabamento de plástico imitando madeira no painel. Dois anos depois, em 1978, foi feito um ligeiro retoque no visual. Na dianteira, os dois frisos que ladeavam o emblema da Volkswagen foram retirados e a tampa do porta-malas passou a ter dois ressaltos. Os para-choques ganharam ponteiras de plástico pretas nas laterais. Na traseira, se destacavam novas lanternas “frisadas”, que teoricamente tinham função auto-limpante, não deixando acumular poeira – o que acabou não funcionando. A ideia havia sido baseada nos modelos Mercedes-benz da época. Na Europa este detalhe servia para manter as lanternas visíveis sob neve forte.
Naquele mesmo ano, a Volkswagen
tentou emplacar aqui uma variação que já era fabricada desde 1974, mas apenas para exportação. Era a versão 4-portas. No continente africano, em países como Nigéria, África do Sul e Argélia, ou na Ásia, especialmen
te nas Filipinas, a versão 4-portas era a preferida. No México, onde era montada a partir de kits CKD brasileiros, também. No Brasil, porém, vivia-se a cultura das duas portas, e a tentativa não deu certo.
O SURPREENDENTE FIM
Aquele ano e o seguinte, 1979, marcaram os recordes de venda do Brasilia. Porém, com a chegada do Gol, em 1980, começou a rápida descida da ladeira nas vendas. Para segurar os compradores, foi lançada então a versão LS, com várias mudanças, principalmente no interior. O painel foi redesenhado, com base no do Passat. Era de plástico, com uma caixa retangular englobando instrumentos e as luzes-espia, três saídas de ar e comando de ventilação. Os bancos perderam o encosto alto, incorporado, e ganharam
Em 24 meses, as vendas despencaram de 160 mil exemplares/ano para pouco mais de 8 mil exemplares/ano, decretando o fim do Brasilia. Ainda assim, o modelo vendeu mais de 1 milhão de unidades em menos de uma década
apoio de cabeça removível e regulável. Também foi lançada a versão com motor 1,3 litro a álcool, com dois carburadores.
As novidades, porém, não foram suficientes para reverter a situação. As vendas caíram para pouco mais de 100 mil em 1980 e, no ano seguinte, despencaram para apenas 8 mil. A essa altura, já ficava claro que não era apenas o desinteresse dos compradores que estava matando o Brasília. A Volkswagen também já não tinha interesse em manter um carro único, que não dava possibilidade para gerar mais versões, e preferia apostar suas fichas na família do Gol, que também já estava crescendo com o desenvolvimento dos derivados Voyage, Parati e picape Saveiro – a VW chegou, inclusive, a desenvolver quatro protótipos do Brasilia equipados com o motor 1,6 de refrigeração líquida do Passat, que foi montado na dianteira, mas logo essa proposta foi abandonada
A decisão da fábrica em retirar bruscamente o modelo da linha de produção causou estranheza no mercado e não foram poucas as vozes que se levantaram em pro- testo contra o fim do Brasilia, que deixou de ser fabricado no início de março de 1982. O carrinho quadradão imaginado pelo alemão Rudolf Leiding, porém, deixou muitas saudades. Basta uma volta pela periferia das grandes cidades brasileiras, por esburacados caminhos do interior ou – mais recentemente – pelas garagens de colecionadores para verificar que ese derivado do Fusca se recusa a morrer. ❖