Anos de Ouro: o crescimento da Volkswagen na década de 1960
Com a consolidação do negócio, a VW chegou à década de 1960 devidamente preparada para ampliar suas atividades em grande escala
Aabertura do capital acionário e a solução da longa pendência com os antigos poupadores do “consórcio” KDF, fatos que ocorreram no início da década de 1960, também marcaram uma nova fase na história da fábrica de Wolfsburg, o que acabou contribuindo, ainda mais, para aumentar a popularização do Fusca pelo mundo. O acordo com os primeiros compradores finalmente livrou o modelo, bem como a empresa, do que restava do pesado estigma da herança hitlerista, enquanto a rápida e forte valorização das ações aumentou significativamente a capacidade da VW captar dinheiro no mercado para ampliar suas atividades. Os bancos estavam de “cofres abertos” a qualquer pedido de Nordhoff e ele soube como aproveitar isso.
Assim, o primeiro objetivo foi ampliar a produção, já que o sucesso do Fusca havia extrapolado a capacidade das linhas de montagem de Wolfsburg. Este crescimento fazia com que, no começo dos anos sessenta, o comprador alemão tivesse de ficar cerca de um ano na fila de espera para retirar seu Fusca na concessionária. Além disso, a popularidade do besouro no mercado americano também superava a capacidade da marca em atender aos pedidos o que, inclusive, colaborou para fomentar
o “mercado negro” de Fuscas nos Estados Unidos. O sistema era abastecido pelo próprio mercado alemão, de onde saíam modelos usados, seminovos e até novos de maneira clandestina, sem que a VW nada pudesse fazer.
Era uma intrincada rede que envolvia não só comerciantes independentes como também os tradicionais “picaretas” especializados em “garibar” carros usados – alguns em péssimo estado de conservação –, além de aliciar pessoas comuns, até mesmo funcionários da própria VW, que vendiam seus modelos seminovos ou mesmo zero-km com boa margem de lucro para o mercado americano,
O principal objetivo em meados da década de sessenta era buscar soluções para ampliar a produção, já que o sucesso do Fusca havia extrapolado a capacidade das linhas de montagem de Wolfsburg
contando para isso com a ajuda das tripulações das empresas de aviação. A solução para evitar esse tipo de “mercado negro” era ampliar drasticamente a produção da fábrica de Kassel, que teve sua construção iniciada ainda no fim dos anos cinquenta com a finalidade de produzir besouros exclusivamente para o mercado americano. Essa fábrica estava estrategicamente próxima ao porto de Hamburgo visando facilitar toda a operação de exportação.
AMPLIANDO A PRODUÇÃO
Quando esta nova linha de montagem ficou pronta, a VW conseguiu reduzir bastante o “estrago” provocado pelos exportadores “clandestinos”, que ainda assim continuaram a atuar por alguns anos, já que em pouco tempo a capacidade de produção da nova fábrica também foi atingida.
Em meados dos anos sessenta, mais de trezentos mil Fuscas, além de seus derivados, eram vendidos no mercado americano a cada ano, o que fazia com que cerca de mil veículos VW tivessem que atravessar o Atlântico diariamente. Essa forte procura provocava outro problema: a falta de navios suficientes para atender à demanda. Para resolver isso, Nordhoff costurou acordos com os armadores e a VW chegou até a investir na construção de navios especiais – roll on/roll off, nos quais os carros embarcam e desembarcam rodando – e assim poder cumprir os prazos de entregas no exigente mercado americano.
Contudo, enquanto o gráfico de vendas da VW não parava de subir, a limitação da produção continuava sendo o maior problema de Nordhoff. Mesmo com crédito à vontade, a VW não conseguia aumentar sua capacidade produti
va na mesma velocidade com que a popularidade do Fusca se espalhava mundo afora. Uma nova solução para isso surgiu em 1964, quando a Daimler-benz decidiu abrir mão do controle acionário da Auto Union, a fábrica do popular DKW, mas que nada tinha a ver com o poderoso conglomerado criado em 1932. A nova Auto Union havia resurgido em 1949, criada por dois ex-diretores da antiga empresa: Richard Bruhn e Carl Hahn Sr. Este, por sinal, fora um dos maiores críticos do Fusca antes da guerra e também era o pai daquele que se tornria um dos principais responsáveis pelo sucesso da VW no mercado americano.
ENGOLINDO CONCORRENTES
Como toda a indústria alemã do pós-guerra, a nova Auto Union foi montada em condições precárias nas arruinadas instalações de Ingolstadt. A princípio, a empresa produzia apenas motocicletas, mas pouco tempo depois lançou o sedã DKW com motor de dois tempos e 890 cm³ de cilindrada, o mesmo modelo que havia sido apresentado no Salão do Automóvel de Berlim, em 1939, e que devido à guerra não fora colocado em produção. Apesar de relativo sucesso comercial alcançado com o modelo, que chegou a ser um dos concorrentes diretos do Fusca no mercado alemão nos anos cinquenta, a nova Auto Union nunca conseguiu alcançar uma estabilidade financeira que possibilitasse a ampliação de suas atividades industriais e, consequentemente, de seu mercado. Assim, em 1956, enquanto os dois fundadores se retiravam do negócio, o controle acionário da empresa caiu nas mãos de Friedrich Flick, um dos maiores “tubarões” do capitalismo alemão pós-guerra e que também era um dos principais acionista da Daimler-benz.
Interessado apenas em lucro nos seus investimentos, Flick aproveitou seus bons relacionamentos para conseguir ampliar sua participação na Daimler-benz, repassando para esta, em 1958, cerca de 88% do pacote acionário da Auto Union. Segundo consta, Flick convenceu o comando do gigante alemão que, com os modelos populares DKW, a Daimler-benz poderia ampliar sua fatia não só no mercado interno, que crescia aceleradamente, mas no resto do mundo. A falta de sinergia entre as duas empresas nunca permitiu que isso se concretizasse e, apesar de investir no desenvolvimento de uma nova linha de modelos com motores de quatro tempos, a Daimler-benz nunca conseguiu fazer a subsidiária gerar lucros. Por isso, já no começo da década de 1960, decidiu se desfazer da Auto Union, chegando, inclusive, a estudar o fechamento da fábrica.
Com um acordo na Alemanha, a Volkswagen passava a controlar a Auto Union, o que levou a VW do Brasil a absorver a fábrica da Vemag, fundamental para o desenvolvimento da família Tipo 3 nacional
A MÃO DO GOVERNO
Preocupado com a repercussão negativa que um possível fechamento poderia gerar na opinião pública em pleno auge do “milagre econômico alemão”, o governo federal da Alemanha Ocidental resolveu intervir e, como era o principal acionista da VW, juntamente com o governo da Baixa Saxônia, decidiu que a Auto Union se associaria com o já então gigante de Wolfsburg. Nordhoff, a princípio, gostou da ideia, pois assim poderia ampliar imediata e rapidamente a capacidade de produção para o Fusca, mas logo ficou contrariado, já que outros interesses estavam em jogo e a VW não poderia fazer o que desejasse com a Auto Union, pois no acordo do qual também participou o IG Metal (o poderoso sindicato dos metalúrgicos alemães) ficou estabelecido que toda força de trabalho da Auto Union deveria ser mantida e só poderiam ser feitas demissões por “justíssima” causa.
Para comandar a nova subsidiária, Nordhoff indicou Rudolf Leiding, um fiel colaborador que desde 1945 trabalhava na VW. Leiding era uma espécie de “sargentão”
linha dura da típica escola prussiana e foi nomeado presidente da Audi com a missão de implantar em Ingolstadt a mesma filosofia de trabalho de Wolfsburg.
Assim que assumiu o comando da subsidiária, ele iniciou um rígido plano para aumentar a eficiência da linha de produção e, como não podia demitir ninguém sem causa comprovada, mandou muitos dos que considerava ineficientes para a “rua”, no bom sentido, com a missão de ajudar a desovar o estoque de quase 40 mil carros que havia encontrado nos pátios. Mesmo quem não tivesse nenhuma habilidade em vendas tinha de ir atrás de compradores para os modelos DKW F102 e Audi F103. Assim, em pouco tempo, a nova subsidiária praticamente duplicou a eficiência da linha de produção de Ingolstadt.
RECOMENDAÇÃO IGNORADA
Mas teve uma recomendação explícita de Nordhoff que Leiding não conseguiu cumprir, ou não quis obedecer: a de não investir no desenvolvimento de novos modelos com a “grife” Audi. A fábrica de Ingolstadt havia “herdado” da Daimler-benz uma jovem e dinâmica equipe de engenheiros, que também não podia ser demitida devido ao acordo com o sindicato. Sem ter uma atividade específica definida, já que a fábrica passou basicamente a montar Fuscas com componentes que vinham prontos de Wolfsburg, essa equipe técni
ca passava os dias se dedicando àquilo que os engenheiros automobilísticos mais gostam: divagar sobre como poderia ser o automóvel perfeito. Destes estudos surgiu o Audi 100, modelo que relançaria a marca das quatro argolas no mercado mundial e que se tornaria um dos mais bem sucedidos projetos da história da empresa. Porém, somente quando o projeto A100 estava pronto Leiding comunicou a Nordhoff que, muito a contragosto, deu o sinal verde para sua produção.
Apesar de concordar, Nordhoff achava a estratégia equivocada, pois dividiria esforços sem gerar os devidos dividendos. Focado na ampliação do mercado do Fusca e seus derivados, ele achava que duas linhas tão diferentes de veículos acabariam sendo concorrentes internos e dificultariam as estratégias de marketing do grupo. Por isso mesmo, bem como para provar sua confiança inconteste na mecânica do Fusca, imediatamente após assumir o controle da Auto Union ele autorizou o desenvolvimento de uma nova família de modelos VW, no segmento de automóveis médios, a fim de suceder os modelos DKW e Audi, porém mantendo ainda algumas características básicas do besouro. No entanto, em vez do tradicional chassi com carroceria aparafusada, a nova família Tipo 4 foi desenvolvida com estrutura monobloco, assim como já era a da Kombi.
Essa nova família chegou ao mercado em 1968, justamente no ano em que Nordhoff faleceu, aos 69 anos de idade, e pode-se afirmar que esta foi sua última “cartada” em defesa do projeto de Ferdinand Porsche que antes da guerra, quando trabalhava para a Opel, ele tanto desdenhara. Ao que parece, Nordhoff morreu con
victo de que o sucesso do Fusca e seus derivados deveriam ser eternos – naquela ocasião, os números lhe davam razão. Afinal, apesar da VW já haver superado a marca de 1 milhão de unidades anuais em meados da década de 1960, o pico de produção só seria alcançado em 1971, quando foram produzidos mais de 1 milhão e 300 mil besouros. No ano seguinte, o Fusca superou a fenomenal marca de 15.458.781 unidades totalizada pelo Ford Modelo T, o carro que pôs o mundo sobre rodas.
REFLEXOS NO BRASIL
A associação da Auto Union com a VW também teve reflexos imediatos aqui no Brasil. Como a fábrica alemã do DKW tinha participação acionária na brasileira Vemag (Veículos e Máquinas Agrícolas S.A.), a VW assumiu essa participação. O outro sócio era o grupo Novo Mundo, que enfrentava dificuldades financeiras. Com isso, logo foi feito um acordo no qual a empresa alemã assumiu o controle total do negócio por meio da sua filial brasileira que, desta forma, transformou as instalações da Vemag, localizadas no bairro paulistano da Vila Carioca, em sua Fábrica II. Assim, a VW do Brasil também pôde aumentar rapidamente sua capacidade de produção e iniciar o desenvolvimento da nova família Tipo 3, que geraria o VW 1600, popular “Zé do Caixão”, a Variant e o TL, além de agregar uma moderna e eficiente seção de ferramentaria, que ainda não possuía na ocasião. ❖