“O mais importante é o diagnóstico correto”
A frase acima pode parecer óbvia, mas batalhar para que ela seja praticada é uma das missões de seu autor, o neurologista e neurocirurgião Fernando Gomes Pinto, neurocientista consultor do programa
Encontro com Fátima Bernardes, da TV Globo, professor livre docente de neurocirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, chefe do grupo de hidrodinâmica cerebral da divisão de neurocirurgia funcional do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo e coordenador do Centro de Atenção à Hidrocefalia de Pressão Normal do Hospital Samaritano, em São Paulo. Na entrevista a seguir ele explica o por quê.
Estamos perto da cura da doença de Parkinson?
É difícil dizer que ‘sim’ porque se trata de uma doença degenerativa. Porém, como há outros fatores envolvidos, o que posso afirmar é que, se pensar que já sabemos fazer o diagnóstico e o tratamento corretos, estamos em um bom caminho.
Por que o senhor alerta tanto para a realização do diagnóstico correto?
Lidero um grupo de pesquisa de hidrocefalia de pressão normal no Hospital das Clínicas, em São Paulo, que é especializado em tratar essa doença e também em fazer a diferenciação entre ela, o Parkinson e o Alzheimer. Isso porque as três têm sintomas muito parecidos, como a alteração da marcha ao caminhar, prejuízos na memória e incontinência urinária, o que pode gerar confusão e fazer com que o paciente receba o diagnóstico e tratamento para uma doença quando na verdade tem outra. A diferença entre o trio é que a hidrocefalia é facilmente constatada e tem cura a partir de uma cirurgia.
Qual a maneira correta de identificar a doença que o paciente tem? O primeiro passo é fazer um exame de imagem, que pode ser a tomografia ou a ressonância magnética, para verificar as dimensões do cérebro, se há lesões na região, já que um tumor cerebral também pode causar os mesmos sintomas do Parkinson, e também para observar se há acúmulo de líquido dentro da caixa craniana. Se o teste der positivo para esse último, é diagnosticada a hidrocefalia de pressão normal.
A partir daí, o que é feito?
Se constatada a hidrocefalia de pressão normal, ao invés de iniciar o tratamento habitual do Parkinson, com a medicação levadopa, será feita uma punção para retirar cerca de 40 mililitros de líquido da coluna e, três horas depois, avaliar se o paciente teve uma melhora significativa, ou seja, se ele voltou a andar e deixou de ficar confuso.
Se a pessoa voltar à normalidade, ela já está curada?
Se isso acontecer, para evitar que ela tenha que ser furada constantemente, já que o líquido volta a ser produzido no cérebro, circular no organismo e se acumular na coluna e no cérebro, levando novamente à piora do quadro, a indicação é fazer uma cirurgia chamada TAP-Test. Nela, o neurocirurgião coloca uma válvula dentro da cabeça do paciente, e que lá ficará para sempre, para drenar o líquido acumulado no cérebro e jogá-lo no abdômen, aonde será absorvido e depois expelido, permitindo, assim, que a pessoa volte a ter uma vida normal. Essa prótese nunca mais é retirada e não aparece.
Muitas pessoas apresentam hidrocefalia de pressão normal quando se achava que o que elas tinham era a doença de Parkinson? Para ter uma ideia, por semana, recebemos no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas em torno de 40 pacientes com sintomas de Parkinson. Em cerca de três deles fazemos a cirurgia para a colocação da válvula no cérebro. Ou seja, são mais de 150 pessoas por ano que voltam a ter uma vida normal por terem sido diagnosticadas corretamente. No Brasil, estima-se que haja mais de 60 mil pessoas com hidrocefalia de pressão normal, porém, a maioria não sabe do diagnóstico.
Quem recebe o diagnóstico tardio de hidrocefalia de pressão normal e até então tinha sido tratado como parkinsoniano pode fazer a cirurgia para a colocação da válvula do cérebro e voltar a ter uma vida normal?
O Parkinson foi descrito no século 19, o Alzheimer no início do século 20 e a hidrocefalia de pressão normal há menos de 50 anos, então, isso é supernovo. Portanto, se a pessoa for como o exemplo citado e tiver hidrocefalia de pressão normal em vez de Parkinson, é possível, sim, colocar a válvula no cérebro dela para que melhore muito. Porém, é importante deixar claro que os melhores resultados da cirurgia, com recuperação da saúde e da qualidade de vida, acontecem quando a hidrocefalia de pressão normal é diagnosticada e tratada, pois depois desse período pode ser que o líquido acumulado no cérebro cause lesões e deixem sequelas. De qualquer maneira, é válido fazer a operação.