Minha mãe começou a apresentar sintomas de Alzheimer com 75 anos.
Até então sempre havia sido uma pessoa ativa, mesmo aposentada da área de educação. Inteligente e culta, adorava ler livros de suspense e o que mais lhe caísse nas mãos. Alguns anos antes da doença, porém, parecia uma pessoa mais triste, principalmente depois que se divorciou de meu pai, que ela nunca mais quis ver por ter se sentido profundamente magoada por ele quando ambos já estavam na casa dos 60 anos... Nunca se arrependeu da separação, imposta por ela (até quando ele morreu não quis ir ao enterro), mas com certeza se sentia mais sozinha, apesar de ainda morar com minha irmã. Além disso, os netos, seu amor maior, estavam crescidos e menos dependentes dela, que tanto cuidara deles. A mágoa sentida foi marcante e parece ter se estendido nos anos seguintes, embora ela sempre tentasse disfarçar. Tenho comigo que minha mãe se tornou deprimida, solitária, vivendo longe das irmãs amadas, que moravam em outra cidade, sem amigos próximos, sem atividades prazerosas com outras pessoas. A exceção eram os almoços de domingo em família, quando ela cozinhava para as filhas e netos e parecia feliz. Ela cozinhava muito bem, desde jovem, fazia pratos salgados e doces maravilhosos. Foi esse o primeiro indício, percebido pela minha irmã, de que havia um problema. Num dia de semana, enquanto preparava o almoço, minha mãe perguntou se era melhor servir o estrogonofe com arroz ou com macarrão, não se lembrava... Como era muito inteligente, disfarçou logo em seguida dizendo “ah, essa cabeça, desculpe, estava distraída”. Nesse tempo, éramos vizinhas, e no final do dia, ao voltar da editora onde trabalhava, eu me encontrava com ela e conversávamos, vez em quando tomando uma dose de uísque com guaraná, como ela pedia e gostava. Tinha parado de fumar havia muito tempo e se alimentava bem, saudavelmente. Mas eu estranhava o olhar distante e triste quando ela dizia e repetia nessas noites coisas que nunca havia nos contado, lembrando de sua infância e adolescência, de seus pais e avós... Até que um dia ela me chamou de mãe, ficando brava quando eu disse que ela era a mãe, e eu, a filha. Não percebi, não admiti, não acreditei que aquela mulher antes tão independente e forte, estivesse doente. Até que a realidade se mostrou inteira e foi necessário encará-la. Minha irmã e eu a acolhemos enquanto pudemos. Depois de alguns anos foi preciso interná-la numa clínica especializada em pacientes com Alzheimer. Morreu aos 86 anos, sem nos conhecer. Nunca deixou de reconhecer, porém, nossos beijos e abraços carinhosos, que a faziam sorrir.
Como confrontar os desafios
Cada problema deve ser abordado de acordo com variantes: identifique em que nível os sintomas já estão afetando o paciente e se ainda podem avaliar em bom juízo, corretamente, uma situação. Sua própria avaliação é válida porque não existe uma regra que se aplica a todos. Mas a experiência de outros e o bom senso podem ser bons indicativos para saber como agir. Então vejamos exemplos de boa condução de conflitos no que se refere aos exemplos acima.
DIRIGIR CARROS
Muitas pessoas, por dirigirem anos a fio, acabam incorporando a atividade como algo automático. Assim, pode parecer que não tiveram sua capacidade de condução afetada. Desconfie disso. Conduzir um automóvel é um ato complexo que depende de reflexos e tomada de decisões rápidas. Portanto, deve ser restringida. Tente convencer a pessoa, de preferência na presença de outro familiar ou com a ajuda do próprio médico, dos perigos de continuar
dirigindo. Nem sempre é necessário referir-se diretamente à deterioração cognitiva, mas reforçar que é uma questão de saúde e que coloca em risco não somente o/a motorista como outros. Se possível, venda o carro ou mantenha a pessoa afastada dele e prefira evitar confrontos.
AUTONOMIA FINANCEIRA
A questão de autonomia sobre as finanças é também muito delicada. Familiares muitas vezes discordam em como agir e podem tirar toda a autonomia do doente quando a pessoa ainda tem condições de avaliar o que está acontecendo. Preferivelmente, uma decisão desse porte deve sempre ser tomada enquanto a capacidade cognitiva e de julgamento do paciente ainda esteja presente. Evite brigas familiares na presença da pessoa, em qualquer caso. Gradualmente, controle o acesso a cartões de crédito, cheques e grandes quantias de dinheiro. Uma boa transição é permitir que a pessoa mantenha cédulas de pouco valor e impedir que ela faça compras desacompanhada.
ESPAÇO EM TORNO
Quanto ao espaço em torno da pessoa com Alzheimer há duas medidas importantes a serem observadas: se por um lado é urgente transformar o ambiente em um lugar seguro, que não exponha o paciente a riscos, por outro isso tudo deve ser feito da forma mais sutil e menos dramática possível. Instale equipamentos de apoio e segurança aos poucos e sem grande alarde para não assustar e confundir a pessoa. Uma mudança drástica que torne o lugar irreconhecível num primeiro momento pode ameaçar a estabilidade dos sintomas e causar piora.
RELAÇÃO COM O TRABALHO
Por fim, quanto à relação com o trabalho, as medidas também diferem de acordo com o nível de comprometimento intelectual e com a ocupação de cada pessoa. Para os que ainda se encontravam ativos no mercado de trabalho, a transição tende a ser mais difícil. Se a aposentadoria compulsória é complicada mesmo nos casos em que não há comprometimento cognitivo, imagine quando a pessoa não tem mais toda a habilidade mental para decidir e compreender a necessidade de parar de trabalhar? Quan
do possível, o ideal é criar uma situação em que a pessoa ainda possa realizar pequenas tarefas em casa. Isso fica totalmente inviabilizado quando o trabalho envolve atividades perigosas ou com instrumentos que possam causar acidentes.
Em qualquer caso, o ideal é oferecer atividades laborativas alternativas que o paciente possa cumprir e que não ofereça riscos à integridade física. Terapeutas ocupacionais poderão auxiliar na escolha dessas atividades e na forma como podem ser introduzidas como tarefas relevantes aos pacientes.
O nível de intervenção dos cuidadores aumenta à medida que um/a paciente perde a independência. Assim, num primeiro momento as principais tarefas geralmente se resumem a:
• organizar a rotina da pessoa doente;
• garantir que os horários e as doses dos medicamentos sejam cumpridos à risca;
• favorecer os tratamentos e ajudar efetivamente para que haja adesão por parte do doente;
• monitorar as alterações e o agravamento de qualquer sintoma;
• preservar a higiene e a segurança do doente, equipando da melhor forma sua casa ou espaço;
• garantir autonomia ao paciente, permitindo que ainda faça escolhas sempre que possível;
• tomar decisões de ordem financeira e jurídica quando a pessoa afetada já não tiver mais capacidade crítica e de julgamento;
• manter e estimualar os laços afetivos , de modo que o doente se sinta acolhido e amado.