Jornal de Negócios

O défice mais baixo da democracia. E agora?

Como se explica que em quarenta anos só por duas vezes Portugal tenha registado um défice orçamental inferior a 3%? O Negócios falou com economista­s e antigos responsáve­is governativ­os para avaliar o que significa um défice de 2,1% para o futuro das conta

- NUNO AGUIAR naguiar@negocios.pt ROSA CASTELO

Oministro das Finanças, Mário Centeno, anunciou que o défice orçamental português não ultrapassa­rá os 2,1% do PIB. A confirmars­e, será o valor mais baixo desde a Revolução de 1974. Resta saber se, a partir de agora, Portugal estará mais capaz de controlar as suas contas. Ahistória das contas públicas nas últimas quatro décadas é escrita a caneta vermelha. Desde 1974, Portugal teve em todos os anos um défice superior a 3%, excepto em 1989, ano de transição de regime fiscal, que ajudou o saldo a ficar em -2,13% (Centeno diz que 2016 não supera 2,1%). Este historial significa que Portugal tem um problema crónico de controlo das suas contas públicas? “Houve problemas de gestão das contas? Sim”, reconhece Ricardo Paes Mamede, professor do ISCTE. “A política orçamental foi pró-cíclica em momentos-chave, como a segunda metade dos anos 80, entre 97 e 2000 e nos últimos anos”. Mas um problema crónico? “É um exagero”. Pedro Lains concorda. “Houve períodos em que o défice cresceu anormalmen­te, por motivos relacionad­os comcrises internacio­nais, questões eleitorali­stas e umaparte por má gestão. Temos de estar atentos ao que os políticos fazem, mas daí adizer que os défices vêm daí…”, notao professor do Instituto de Ciências Sociais. “Portugal não tem nada de especial a não ser que é um país mais atrasado, com um Estado mais atrasado e uma economia mais periférica.” António Nogueira Leite não está totalmente de acordo com esta visão. “É verdade que muitos países da Europa têm problemas de finanças públicas como Portugal, mas também há muitos que conseguira­m resolvêlos”, refere. Ricardo Arroja não tem dúvidas: Portugal tem “claramente” um problema em controlar as suas contas. “O país vive em permanente défice público há 40 anos e a dívida pública encontra-se a nível recorde”, sublinha o economista, apontando para os 130% do PIB de dívida do Es- tado, uma das mais altas do mundo. O problema está do lado da despesa, diz Miguel Beleza. Ministro das Finanças na década de 90, admite ter sentido pressão para a aumentar. Como se reage? “Com enorme dificuldad­e”, assume. Esse é um dos motivos que leva Nogueira Leite, que já deteve a pasta do Tesouro, a elogiar António Costapelo défice de 2016. “É um óptimo resultado e só é possível comcobertu­rado primeiro-ministro.”

Futuro mais equilibrad­o?

Um ponto que reúne relativo consenso entre os economista­s ou-

Houve problemas de gestão das contas? Sim. A política orçamental foi pró-cíclica em momentos-chave. RICARDO PAES MAMEDE Professor do ISCTE Tenho muitíssima­s reservas quanto à sustentabi­lidade da consolidaç­ão orçamental operada em 2016. RICARDO ARROJA Economista Acho que não mudou nada e as coisas não estavam assim tão más. PEDRO LAINS Professor do ICS

vidos pelo Negócios é que o défice de 2,1% é um bom resultado para país, nem que seja pelos efeitos na imagem externa. O valor bate todas as previsões e deixa Portugal mais próximo de sair do procedimen­to dos défices excessivos. No entanto, alguns questionam a sustentabi­lidade deste resultado já em 2017, apontam para o perigo da dívida e para a necessidad­e de continuar a consolidar nos próximos anos, se o Governo pretender continuar a cumprir as regras europeias. “Tenho muitíssima­s reservas quanto à sustentabi­lidade da consolidaç­ão orçamental operada em 2016, porque o apertão na despesa pública foi em parte uma forma de compensar um menor cresciment­o das receitas”, avisa Ricardo Arroja. “O exercício orçamental de 2016 foi marcado pela opacidade de informação quanto às áreas sobre as quais incidiram os cortes na despesa corrente.” Pedro Lains está mais optimista. Não propriamen­te com a capacidade de Portugal em cumprir as metas, mas porque identifica que “Bruxelas está a desistir informalme­nte das regras”, o que se observa nas sucessivas flexibiliz­ações. Mais do que olhar para 2017 e anos seguintes, importa talvez ava- liar se, depois de todos estes anos de esforço orçamental, Portugal está mais capaz de aguentar choques sem gerar graves desequilíb­rios nas contas. “Acho que não mudou nada e as coisas não estavam assim tão más”, refere Lains. Paes Mamede reconhece que o programa de ajustament­o trouxe maior transparên­cia ao processo orçamental, deu mais instrument­os ao ministro das Finanças e mais visibilida­de ao problema da dívida pública. Mas foram resolvidos os problemas de raiz? Isto é, Portugal tem agora um nível de impostos adequado aos seus compromiss­os? “Vai depender de como evoluir a economia”, responde. “Se perspectiv­amos que nos próximos 16 anos o cresciment­o seja igual ao dos últimos 16, então é provável que um choque nos coloque novamente problemas.” Para já, Paes Mamede defende que devemos esperar para ver. Mas, caso se confirme, que não crescemos o suficiente para suportar o nosso Estado, argumenta que devemos repensar a nossa participaç­ão na Zona Euro nos moldes actuais. O défice de 2,1% é um passo importante no equilíbrio das contas, mas é apenas um capítulo numa história longa de definição do modelo económico de Portugal.

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