Jornal de Negócios

“Investidor­es já não vêm só à procura do barato”

O responsáve­l pela área de consultori­a financeira da EY atesta que Portugal voltou a ter muitos investidor­es internacio­nais a “olhar para activos”. Conheça os sectores e as origens com mais interesse no mercado português de fusões e aquisições.

- ANTÓNIO LARGUESA

O“estigma” de que o preço dos activos em Portugal era barato já está ultrapassa­do, segundo Miguel Farinha, que vê agora as empresas nacionais a serem “mais vendidas pelo que conseguem oferecer de valor aos investidor­es”. Em entrevista ao Negócios, o sócio da EY, que lidera a área de “transactio­n advisory services”, antevê um ano forte neste mercado, até porque “muitos fundos de capital de risco estão a chegar ao seu período de maturidade no investimen­to e têm de começar a gerir as saídas”.

Como avalia o actual no mercado de fusões e aquisições empresaria­is em Portugal, que em 2017 bateu recordes em número e volume de transacçõe­s?

Fazendo uma rápida retrospect­iva histórica, depois da fase de crise financeira entre 2011 e 2013 em que o mercado viveu muito de fundos a comprarem activos em dificuldad­es, principalm­ente dos bancos, começou a sentir-se uma recuperaçã­o e houve as privatizaç­ões em que muitos investidor­es olharam para nós, sobretudo os chineses que compraram empresas como a REN, EDP ou Fidelidade. Actualment­e continua a haver interesse dos asiáticos, mas também de outras nacionalid­ades. Voltamos a ter em Portugal muitos fundos internacio­nais a olhar para activos, não só em dificuldad­es mas outro tipo de empresas.

Quais as perspectiv­as para 2018, atendendo ao início deste ano e contactos com clientes?

Muito semelhante­s às de 2017. No primeiro trimestre continuou a haver um interesse grande e vimos muitas transacçõe­s e projectos, de investidor­es nacionais e internacio­nais. E este ano há outro factor que vai aumentar o número de transacçõe­s no mercado português: muitos fundos de capital de risco estão a chegar ao seu período de maturidade no investimen­to e têm de começar a gerir as saídas.

Tinham arrancado mais ou menos na mesma altura?

Exactament­e. Houve fundos de capital de risco que investiram em empresas em reestrutur­ação, entre 10 a 15 anos, mas nesta fase em que o mercado está mais quente olham para as oportunida­des. E depois os outros fundos de ‘private equity’ normais, com prazo mais curto, estão a chegar ao final da vida útil e aí é mesmo obrigatóri­o fazer a saída.

E os bancos vão continuar a vender portefólio­s de crédito mal- parado.

Continua a haver esse efeito. Os maiores bancos, principalm­ente, olham de forma muito mais premente para essa saída de alguns dos programas. Se há uns anos quem estava mais nesse sector eram os bancos pequenos e o crédito ao consumo, hoje qualquer um dos grandes bancos tem projectos a decorrer de venda dos seus créditos mal parados.

Esta era de cresciment­o económico no país, que impacto tem?

Ajuda porque a mensagem que está a passar sobre Portugal é agora um pouco diferente. Em vez de ser aquela até um pouco depressiva e de que se conseguiam comprar activos a um preço relativame­nte baixo, hoje consegue-se demonstrar que há um mercado em cresciment­o e empresas inovadoras com projectos interessan­tes. Isto atrai um mercado diferente. Não vêm só à procura do que tem dificuldad­es e pode ser barato. Há uns anos havia esse estigma de que o preço dos activos em Portugal era barato, face à situação de crise que existia. Já conseguimo­s ultrapassa­r isso e as empresas já são mais vendidas pelo que conseguem oferecer de valor aos investidor­es.

E isso muda também o perfil do investidor?

Sim. É difícil tipificar, mas temos muitos fundos de capital de risco estrangeir­o que olham finalmente para Portugal, que no capital de risco sempre foi percebido como apetecível [só] para investidor­es nacionais. Os fundos internacio­nais só cá vinham para grandes transacçõe­s, por norma envolvendo infra-estruturas, como auto-estradas. Neste momento já olham para as indústrias e empresas com alguma dimensão. Depois também há grandes empresas a procurar negócios mais pequenos que tragam factores diferencia­dores, como inovação, e que lhes permitem entrar em novos mercados com produtos diferentes.

Em termos de sectores, o imobiliári­o vai continuar a ser uma alavanca?

Claramente. O imobiliári­o é o motor para muitas transacçõe­s, desde edifícios de escritório­s, ‘shoppings’, hotéis e parte habitacion­al, mas também há procura acrescida noutras áreas. A energia continua a ser um sector interessan­te, muito focada no tema das renováveis – tivemos os projectos eólicos com sucesso, hoje o solar está a gerar muito interesse e há a biomassa, que ainda é uma incógnita sobre como avançará. Depois as telecomuni­cações, na área de média vai haver alterações e oportunida­des, o sector financeiro também é sempre apetecível e continuamo­s a ver transacçõe­s, tanto na área bancária como na seguradora. E, finalmente, tudo o que é indústria de cariz exportador, que pense fora do mercado português e que consiga sair do nosso cantinho.

E em relação à origem dos investidor­es, os asiáticos mantêm por cá a actividade intensa dos últimos anos?

Continuam a ser um investidor importante e a estarem muito atentos ao mercado português, até porque perceberam que são bem recebidos. O investimen­to chinês sempre foi tratado aqui de uma forma justa. Mas também vemos cada vez mais investidor­es americanos e ingleses – ou pelo menos que estão ou estavam sediados no Reino Unido e que com o Brexit estão a olhar para outros mercados.

O que é que Portugal pode ter nesse caso como argumento?

Há vários temas. Um em que Portugal tem uma vantagem tremenda face a outros países é a mudança recente para Lisboa da sede mundial da comunidade Imamat Is-

“Muitos investidor­es sediados no Reino Unido olham para Portugal depois do Brexit.”

“Os chineses perceberam que aqui são bem recebidos.”

maili. São investidor­es importante­s no mercado inglês e com esta mudança começam logo a olhar para Portugal. E depois o país tem condições fantástica­s, desde uma força de trabalho e pessoas muito competente­s, com formação universitá­ria e grande facilidade nas línguas.

O investimen­to brasileiro também começa a pesar.

Cada vez mais. Começou numa perspectiv­a mais imobiliári­a e agora contacta-nos à procura de oportunida­des em Portugal de empresas, sobretudo de prestação de serviços, que lhes permitam expandir o seu negócio, que já existe no Brasil, para outros continente­s. Procuram um refúgio seguro para continuar a desenvolve­r os negócios no seu país de origem, mas a partir de um local que não tem nada a ver em termos de segurança e de estabilida­de económica. E vêm à procura de uma qualidade de vida que não conseguem, de todo, encontrar no Brasil.

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Inês Gomes Lourenço Miguel Farinha acredita que o imobiliári­o vai continuar a ser “o motor” para muitas transacçõe­s em Portugal.

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