Contratos verbais chegam às lojas e cafés
O diploma mais valorizado pelos partidos que garantiram a legislatura ao Governo será decidido a caminho das eleições. Foi preparado à esquerda e acabou num acordo com os patrões.
Código do Trabalho Quem mais contribuiu para a reforma. Esquerda ou patrões?
10 medidas Um roteiro para perceber o que vai mudar com a nova lei.
Não foi bem ao mesmo tempo e não terá sido à mesma mesa, mas a proposta de alteração ao Código do Trabalho é o resultado das negociações com a esquerda e com os patrões. A moderar o debate esteve o ministro Vieira da Silva, que, segundo disse João Vieira Lopes, da CCP, à saída da reunião que fechou o acordo em concertação social, acabou por não ser “excessivamente radical”. O documento que já deu entrada no Parlamento restringe de várias formas a duração dos contratos a prazo, mas alarga o chamado contrato de muito curta duração; exige uma justificação para a contratação a termo de jovens à procura de primeiro emprego ou desempregados de longa duração, mas aumenta o período experimental destas pessoas; elimina o banco de horas individual, mas cria um novo banco de horas grupal; promete a criação de uma taxa que penalize as empresas que mais recorrem à contratação a termo, mas abre várias excepções. Afinal, para que lado vai o Código do Trabalho?
Combate à precariedade “é modesto”
Para responder à questão, António Monteiro Fernandes, que presidiu à Comissão do Livro Branco que deu origem à revisão da lei laboral de 2009, de Vieira da Silva, começou por fazer contas: encontrou 23 alterações favoráveis aos trabalhadores, 16 desfavoráveis, 15 neutras e seis de mera correcção ou ajustamento. Só que no primeiro grupo estão algumas de “alcance mínimo ou problemático”. “Eu percebo bem que a parte patronal tenha aceitado de modo seráfico este acordo porque de facto o fantasma que podia existir em face das negociações [à esquerda] foi completamente afastado. Tudo o que era essencial para os empregadores mantém-se. Perdeu-se o banco de horas individual, mas ganhouse um novo banco de horas grupal, que na opinião do professor de Direito do Trabalho “implica sempre uma violência para as pessoas que não o aceitam”. “Há benefícios” nas restrições dos contratos a termo, que são “positivas” mas que podem ter “efectividade baixa”. E como se alargam os contratos de muito curta duração “o saldo no combate à precariedade é muito modesto”. A nova taxa sobre a rotatividade, uma ideia antiga para aplicar nos próximos anos pode ser “uma arma importante” mas ainda será regulamentada. “Se a arma vai ser carregada ou pendurada na parede, como tem estado, só o futuro o dirá”. De uma forma global, trata-se de “uma operação legislativa que tem um alcance reduzido e que assume como significado político o facto de não haver reversão de nada do essencial da operação de 2012”, ou seja, da revisão da lei laboral da troika, que cortou férias, reduziu horas extraordinárias, mudou despedimentos e diminuiu as compensações, conclui Monteiro Fernandes.
Medidas terão efeito, “mas não de imediato”
Pedro Romano Martinez, que coordenou a equipa que preparou o Código do Trabalho de 2003, de Bagão Félix, admite que algumas das medidas “possam contribuir para reduzir os contratos precários, para dinamizar a contratação de jovens ou a contratação colectiva”. “Mas nunca de forma imediata”, refere, lembrando que ficam a salvo das novas restrições todos os contratos assinados até à véspera da entrada em vigor da lei. Uma coisa é suspender os despejos ou subir o salário mínimo. Outra é reduzir a duração dos contratos a prazo. Neste último caso “es-
tão em causa medidas que não têm uma consequência tão óbvia como possa transparecer do discurso político”. Dependem antes da reacção do mercado. Antecipando o momento em que as empresas têm de decidir se dispensam as pessoas ou se as colocam no quadro, os empregadores podem optar por qualquer das soluções, refere o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Por outro lado, e mesmo sem entrar na questão sobre o eventual risco de inconstitucionalidade, Pedro Romano Martinez sublinha que “o impacto do alargamento do período experimental”, uma medida justificada com a necessidade de incentivar a contratação sem termo “também não é automático”. Porque uma das opções é dispensar o jovem ou o desempregado de longa duração. Em suma, “aquilo que esteve subjacente é maior tutela do trabalhador, no sentido de maior estabilidade”. Se será esse o resultado final? “Isso já não sei. Claro que as medidas não vão levar a mais precariedade, mas podem não contribuir tão decisivamente” como diz o Governo.
[É uma operação] legislativa de alcance reduzido que não reverte nada do essencial da [reforma] de 2012.
ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES Professor universitário
Claro que as medidas não vão levar a mais precariedade, mas podem não contribuir tão decisivamente como o discurso político faz crer.
PEDRO ROMANO MARTINEZ Professor universitário