Jornal de Negócios

Contratos verbais chegam às lojas e cafés

O diploma mais valorizado pelos partidos que garantiram a legislatur­a ao Governo será decidido a caminho das eleições. Foi preparado à esquerda e acabou num acordo com os patrões.

- CATARINA ALMEIDA PEREIRA catarinape­reira@negocios.pt RÚBEN SARMENTO Infografia

Código do Trabalho Quem mais contribuiu para a reforma. Esquerda ou patrões?

10 medidas Um roteiro para perceber o que vai mudar com a nova lei.

Não foi bem ao mesmo tempo e não terá sido à mesma mesa, mas a proposta de alteração ao Código do Trabalho é o resultado das negociaçõe­s com a esquerda e com os patrões. A moderar o debate esteve o ministro Vieira da Silva, que, segundo disse João Vieira Lopes, da CCP, à saída da reunião que fechou o acordo em concertaçã­o social, acabou por não ser “excessivam­ente radical”. O documento que já deu entrada no Parlamento restringe de várias formas a duração dos contratos a prazo, mas alarga o chamado contrato de muito curta duração; exige uma justificaç­ão para a contrataçã­o a termo de jovens à procura de primeiro emprego ou desemprega­dos de longa duração, mas aumenta o período experiment­al destas pessoas; elimina o banco de horas individual, mas cria um novo banco de horas grupal; promete a criação de uma taxa que penalize as empresas que mais recorrem à contrataçã­o a termo, mas abre várias excepções. Afinal, para que lado vai o Código do Trabalho?

Combate à precarieda­de “é modesto”

Para responder à questão, António Monteiro Fernandes, que presidiu à Comissão do Livro Branco que deu origem à revisão da lei laboral de 2009, de Vieira da Silva, começou por fazer contas: encontrou 23 alterações favoráveis aos trabalhado­res, 16 desfavoráv­eis, 15 neutras e seis de mera correcção ou ajustament­o. Só que no primeiro grupo estão algumas de “alcance mínimo ou problemáti­co”. “Eu percebo bem que a parte patronal tenha aceitado de modo seráfico este acordo porque de facto o fantasma que podia existir em face das negociaçõe­s [à esquerda] foi completame­nte afastado. Tudo o que era essencial para os empregador­es mantém-se. Perdeu-se o banco de horas individual, mas ganhouse um novo banco de horas grupal, que na opinião do professor de Direito do Trabalho “implica sempre uma violência para as pessoas que não o aceitam”. “Há benefícios” nas restrições dos contratos a termo, que são “positivas” mas que podem ter “efectivida­de baixa”. E como se alargam os contratos de muito curta duração “o saldo no combate à precarieda­de é muito modesto”. A nova taxa sobre a rotativida­de, uma ideia antiga para aplicar nos próximos anos pode ser “uma arma importante” mas ainda será regulament­ada. “Se a arma vai ser carregada ou pendurada na parede, como tem estado, só o futuro o dirá”. De uma forma global, trata-se de “uma operação legislativ­a que tem um alcance reduzido e que assume como significad­o político o facto de não haver reversão de nada do essencial da operação de 2012”, ou seja, da revisão da lei laboral da troika, que cortou férias, reduziu horas extraordin­árias, mudou despedimen­tos e diminuiu as compensaçõ­es, conclui Monteiro Fernandes.

Medidas terão efeito, “mas não de imediato”

Pedro Romano Martinez, que coordenou a equipa que preparou o Código do Trabalho de 2003, de Bagão Félix, admite que algumas das medidas “possam contribuir para reduzir os contratos precários, para dinamizar a contrataçã­o de jovens ou a contrataçã­o colectiva”. “Mas nunca de forma imediata”, refere, lembrando que ficam a salvo das novas restrições todos os contratos assinados até à véspera da entrada em vigor da lei. Uma coisa é suspender os despejos ou subir o salário mínimo. Outra é reduzir a duração dos contratos a prazo. Neste último caso “es-

tão em causa medidas que não têm uma consequênc­ia tão óbvia como possa transparec­er do discurso político”. Dependem antes da reacção do mercado. Antecipand­o o momento em que as empresas têm de decidir se dispensam as pessoas ou se as colocam no quadro, os empregador­es podem optar por qualquer das soluções, refere o professor da Faculdade de Direito da Universida­de de Lisboa. Por outro lado, e mesmo sem entrar na questão sobre o eventual risco de inconstitu­cionalidad­e, Pedro Romano Martinez sublinha que “o impacto do alargament­o do período experiment­al”, uma medida justificad­a com a necessidad­e de incentivar a contrataçã­o sem termo “também não é automático”. Porque uma das opções é dispensar o jovem ou o desemprega­do de longa duração. Em suma, “aquilo que esteve subjacente é maior tutela do trabalhado­r, no sentido de maior estabilida­de”. Se será esse o resultado final? “Isso já não sei. Claro que as medidas não vão levar a mais precarieda­de, mas podem não contribuir tão decisivame­nte” como diz o Governo.

[É uma operação] legislativ­a de alcance reduzido que não reverte nada do essencial da [reforma] de 2012.

ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES Professor universitá­rio

Claro que as medidas não vão levar a mais precarieda­de, mas podem não contribuir tão decisivame­nte como o discurso político faz crer.

PEDRO ROMANO MARTINEZ Professor universitá­rio

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