Jornal de Negócios

Uma viagem pela história contemporâ­nea

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“Inéditos 1967-1999” leva-nos, por exemplo, até Paris, onde José Mário Branco integrou a cooperativ­a artística Groupe Organon, que actuava em escolas, colectivid­ades e fábricas.

É um dos discos mais aguardados da música portuguesa. Uma viagem pela história contemporâ­nea. Uma ida ao passado e um encontro com o então futuro. “Inéditos 1967-1999”, de José Mário Branco, leva-nos, por exemplo, até Paris, onde o músico integrou a cooperativ­a artística Groupe Organon, que actuava em escolas, colectivid­ades e fábricas. Um desses espectácul­os celebrou o centenário da Comuna de Paris e originou um EP que incluía a canção “Le Proscrit de 1871”, a partir de um poema de Eugène Chatelain.

A canção aparece agora no novo álbum, que não é feito apenas de inéditos, mas também de maquetas restaurada­s a partir de bobines originais e de temas construído­s para filmes como “Agosto” (1988), de Jorge Silva Melo, e “A Raiz do Coração” (2000), de Paulo Rocha. O duplo CD inclui, também, as “Cantigas de Amigo”, que José Mário Branco gravou para os Arquivos Sonoros Portuguese­s, de Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça. Com letras de trovadores medievais portuguese­s, o EP surgiu no mercado em 1969 com seis das sete letras musicadas. Uma delas – “Quantas sabedes amar, amigo”, de Martim Codax – tinha ficado excluída e aparece no álbum agora lançado.

“Inéditos 1967-1999” inclui, também, canções como “Quantos é que nós somos”, que fez parte do disco colectivo “Festa de Abril”, da Associação 25 de Abril, e que depois foi integrada num duplo álbum “Obrigado, Otelo” (1989), produzido pelo Forum Civique Européen, no âmbito de uma campanha pela libertação de Otelo Saraiva de Carvalho.

Filho de professore­s primários, José Mário Branco, 76 anos, cresceu entre o Porto e Leça da Palmeira, foi dirigente diocesano por influência de um tio que era padre franciscan­o. Mais tarde, afastou-se da Igreja Católica e integrou o Partido Comunista. “Saltei quase directamen­te de uma Igreja para outra”, diz. Envolveu-se activament­e na campanha pelo general Humberto Delgado, há 60 anos. Foi preso pela PI DE, esteve exilado em França, onde viveu o Maio de 68, integrou depois a Frente de Acção Popular (FAP), de tendência maoista, que viria a originar a UDP, e ajudou a fundar o Bloco de Esquerda. “Na minha última intervençã­o (no BE), disse: ‘Nunca saí de partido nenhum, os partidos é que saíram de mim.’” Hoje, não se revê em nenhum partido. “Tenho uma visão muito crítica. Mas os (meus) valores são os mesmos, o meu chão é o mesmo (…). Não tenho jeito nenhum para a política. Tenho jeito para as ideias. Não para organizar movimentos. Fui sendo integrado em movimentos políticos por confiar numas pessoas que lá estavam e que sabiam muito de política e por achar que tudo aquilo era honesto.”

Conotado como cantor de intervençã­o, José Mário Branco declina a expressão. “O termo ‘intervençã­o’ tem servido para se achar que há uns que intervêm e outros que não. É mentira. Eu sou um artista de intervençã­o, mas o Tony Carreira também é. Com uma diferença, é que ele intervém muito mais do que eu. (…) Não são os escritores de canções que mudam sociedades, a sociedade é que muda os escritores de canções (…) O que fiz, ao longo deste tempo, foi falar do que aconteceu, não fui eu que fiz acontecer.”

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