Jornal de Negócios

O choque da Supreme

Os artigos de uma marca de “streetwear”, a Supreme, foram a leilão e estão a provocar um choque mundial. Foram leiloadas T-shirts por cinco mil euros e pranchas de skate por dois mil euros. É uma revolução em marcha.

- JOSÉ VEGAR

Oleilão realizado pela Artcurial no passado dia 16 de Maio, acessível em https://www.artcurial.com/en/sale-3810-cream, continua a lançar ondas de choque. A venda pública facturou apenas 849 mil euros, e a maior parte dos bens negociados atingiu, em média, valores entre os mil e os cinco mil euros. Assim, à primeira vista, nada de especial, a começar por um mercado como o português, e uma insignific­ância para mercados cimeiros como o norte-americano, o inglês e o francês. No entanto, o perfil do leilão, e o seu valor, muda totalmente quando descobrimo­s que bens foram negociados. Sob o nome C.R.E.A.M. (Cash Rules Everything Around Me), o leilão assentou, na sua maior parte, em bens da mítica marca norte-americana de “streetwear” Supreme. Assim, o que estava para licitação eram bens “core” da Supreme, como T-shirts e pranchas de skate, como também bens de projectos colaterais de comunicaçã­o da marca, de capacetes de motociclis­mo a guitarras eléctricas, passando por colaboraçõ­es de arte, sacos de boxe, bastões de basebol, bolas de futebol, e muitos outros, dado o poder de ubiquidade da marca. Deste modo, os licitadore­s pagaram mil a cinco mil euros por uma T-shirt, dois mil euros por uma bola de futebol, ou treze mil euros por um saco de viagem feito em colaboraçã­o entre a Supreme e a Louis Vuitton. As ondas de choque e o debate provocados pelo leilão continuam a existir, por vezes de forma intensa e ruidosa. Um grupo enorme dos envolvidos no debate, de especialis­tas do mundo dos bens culturais a académicos, defende que o mundo enlouquece­u, o que é uma tese extremamen­te defensável. Estes intervenie­ntes invocam que só um mercado formado por investidor­es sem qualquer noção do que é um objecto cultural, e sem qualquer noção de tempo e de percurso histórico, é capaz de oferecer cinco mil euros por uma T-shirt, dando-lhe, com a compra, um estatuto de bem cultural e artístico. O outro grupo de participan­tes no debate tem uma perspectiv­a completame­nte diferente, consideran­do, para começar, que o sucesso do leilão mostra que há uma mudança total na percepção do que é um bem cultural de valor. Para eles, fica provado novamente que bens massificad­os, como T-shirts, podem ganhar estatuto de valor. Para eles, fica também provado que os produtores de bens culturais deixaram de ser os tradiciona­is, como os artistas, os artesãos ou os designers, para incluírem também origens de empresas comerciais, como é o caso da Supreme. No meio de todo o debate, o que é preciso ter em conta, acima de tudo, é que o leilão se realizou e teve sucesso. Irão certamente existir outros no futuro próximo e, se tiverem igualmente êxito, estamos perante uma pequena mudança de paradigma, em termos históricos e de mercado, mas que não deixa de ser chocante.

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