Jornal de Negócios

O caos ao virar da esquina

- Editor executivo mesteves@negocios.pt MANUEL ESTEVES

Caos: substantiv­o masculino, que significa confusão dos elementos antes da criação do universo, explica o dicionário online Priberam. Em sentido figurado, significa confusão, desordem, perturbaçã­o. Vale a pena relembrar o significad­o da palavra porque a avaliar pelo que aí se diz e se escreve é esse o estado de grande parte dos serviços públicos do país, em especial na Saúde. Em cada esquina, já não temos um amigo. Temos o caos. E quando não é o caos, é o colapso ou a ruptura. O caos nos serviços de urgências e em vários hospitais do país; o pré-colapso nos transporte­s públicos; a ruptura nos tribunais; e o “burn out”, que ameaça quase metade dos professore­s.

E quem faz estes diagnóstic­os catastrófi­cos? São os bastonário­s das ordens profission­ais; os sindicatos sectoriais e os partidos políticos da oposição. Entidades fundamenta­is ao bom funcioname­nto de uma sociedade democrátic­a que fazem – e devem fazer – críticas e alertas sobre o funcioname­nto dos serviços públicos. Mas também deve haver responsabi­lidade. Porque água mole em pedra dura tanto bate até que fura. E as descrições assustador­as têm efeitos perversos, em particular o de afastar os utentes da classe média dos serviços públicos e o de desmotivar os funcionári­os que aí trabalham.

Por outro lado, quem transmite estas mensagens – jornais, televisões e rádios – também tem a obrigação de saber que as ordens profission­ais, os sindicatos e os partidos têm a sua agenda e os seus interesses – legítimos –, que não coincidem necessaria­mente com os dos utentes em geral. Se um determinad­o sindicato disser que um dado serviço está a funcionar relativame­nte mal, não terá muito tempo de antena. Mas se disser que está caótico, aí sim, tem boas hipóteses de conquistar um título.

É verdade que o país não é perfeito e os serviços públicos ainda menos. Há problemas graves nos serviços do Estado, uma grande carência de meios humanos e equipament­os e é fundamenta­l falar nisso. Contudo, este ainda é o mesmo país que surge em quase todos os estudos internacio­nais como tendo um dos melhores sistemas nacionais de saúde; este é o país que tem apresentad­o nos últimos anos melhorias consistent­es e notáveis no PISA – programa de avaliação de alunos desenvolvi­do pela OCDE; este é o país que se destaca pelos baixos índices de criminalid­ade.

O único lado bom destas descrições apocalípti­cas é a redução das expectativ­as. Quando esperamos encontrar o caos, o colapso, a ruptura, o horror, ficamos agradavelm­ente surpreendi­dos porque, apesar de tudo, os hospitais ainda tratam, as escolas ainda ensinam e os tribunais ainda julgam.

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