ÁLVARO VASCONCELOS
O que põe em perigo a União Europeia é a crise das suas democracias. Álvaro Vasconcelos tem um olhar clínico sobre o que se passa no mundo. O antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia é um especialista em geopolítica e aponta o dedo a Trump como alguém que desestabiliza e põe em perigo a paz mundial. Na Europa, a ascensão da extrema-direita é um fenómeno a ganhar cada vez mais força, por causa da crise das democracias. Foi essa corrente política que colocou a questão dos migrantes no centro da agenda política do Conselho Europeu. As fracturas ficaram evidentes e a União Europeia corre um risco existencial. Um cenário que agrada tanto a Putin como a Trump.
Uma utopia é um horizonte que dá um sentido à acção humana. Por isso é que a União Europeia precisa de utopias.
As divisões patentes no último Conselho Europeu mostram que a União Europeia está bloqueada?
Acho que está mais do que bloqueada. Corre um risco existencial. O perigo de a União Europeia (UE) acabar continua a existir.
Mas isso é mais evidente agora?
A ideia do perigo da implosão e desintegração da UE apareceu com muita força nas vésperas das eleições francesas porque não se sabia qual seria o resultado. Tinha havido o Brexit e existia uma série de Estados europeus onde a extrema-direita tinha grande influência. Se em vez de Macron tivesse ganho Marine Le Pen, o que não era absolutamente impossível, a UE teria desaparecido. Quando Macron ganhou, houve um grande suspiro de alívio. Ele é de longe o líder europeu que faz um discurso mais europeísta e, portanto, houve um novo élan. Mas depois seguiram-se eleições na Alemanha, onde a extrema-direita apareceu com uma enorme força, a ponto de hoje ser o principal partido da oposição. Foi um choque enorme. Em Itália, a extrema-direita chega ao governo com enorme força. Matteo Salvini, ministro do Interior, é um líder político mais incisivo, mais presente no debate público, que agarra na imigração e a torna na agenda principal do debate italiano, e não só. Faz isso também no Conselho Europeu. Até agora, havia a noção de que a extrema-direita tinha enorme peso a nível na- cional em países como Polónia, Hungria, Áustria, Itália, Alemanha… Mas não sabíamos que tinha um peso tão grande a nível europeu. Nem que tinha passado a ser uma força política capaz não só de se coordenar entre si, mas também de influenciar outros partidos políticos nas decisões europeias.
Nas eleições europeias de 2019, pode haver uma reconfiguração do quadro político europeu no sentido de promover esse tal alinhamento à extrema-direita?
Constatámos, neste Conselho Europeu, que a extrema-direita impôs a agenda europeia. Conseguiu mobilizar outras forças políticas para obrigar a chanceler Merkel e o Presidente Macron a cederem em determinadas questões. Não quer dizer que tenham conseguido o que queriam. O Conselho Europeu não tomou nenhuma decisão importante. Ficaram empatados. Mas foram eles que impuseram a agenda das migrações, que é uma agenda central desses partidos. As eleições europeias são menos decisivas para o futuro da UE do que as pessoas pensam. Temos um Parlamento Europeu com pouco poder, mas o Conselho Europeu tem muito.
O Conselho Europeu está a ficar refém destas forças?
Essa é que é a mudança.
Merkel e Macron estão, de alguma forma, manietados?
Estão mais do que manietados pela agenda de Matteo Salvini e de Viktor Orbán. Temos visto Macron com um discurso extremamente duro em relação aos países da Europa Central, que é algo novo na União, e que passa por criticar, frontalmente e publicamente, os líderes de outros países. É também o que Macron tem feito em relação aos líderes do Grupo de Visegrado. Mas eles estão mais manietados devido a razões internas. Pela dificuldade em assumir os valores fundadores do projecto europeu na questão das migrações. Em França, a direita tradicional tenta diminuir a influência de Marine Le Pen e conquistar parte do seu eleitorado, assumindo a sua agenda. Isso diminui o campo dos defensores dos direitos fundamentais, dos valores fundadores da UE e dos valores em que se construiu a França republicana – Igualdade, Liberdade e, sobretudo, Fraternidade, que é uma palavra cada vez menos presente.
O eixo franco-alemão já não é o motor da UE. Pelo menos, já não é um motor unânime. Há um conjunto de geometrias variáveis que põem em causa o projecto europeu?
O eixo-franco alemão foi o motor da construção europeia. Quando a Alemanha e França chegavam a acordo, criavam um consenso europeu. Havia uma série de factores sociológicos, e não só, que faziam com que um acordo Berlim-Paris fosse um acordo ao nível eu
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