Jornal de Negócios

ÁLVARO VASCONCELO­S

- FILIPA LINO/DAVID SANTIAGO BRUNO COLAÇO

O que põe em perigo a União Europeia é a crise das suas democracia­s. Álvaro Vasconcelo­s tem um olhar clínico sobre o que se passa no mundo. O antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia é um especialis­ta em geopolític­a e aponta o dedo a Trump como alguém que desestabil­iza e põe em perigo a paz mundial. Na Europa, a ascensão da extrema-direita é um fenómeno a ganhar cada vez mais força, por causa da crise das democracia­s. Foi essa corrente política que colocou a questão dos migrantes no centro da agenda política do Conselho Europeu. As fracturas ficaram evidentes e a União Europeia corre um risco existencia­l. Um cenário que agrada tanto a Putin como a Trump.

Uma utopia é um horizonte que dá um sentido à acção humana. Por isso é que a União Europeia precisa de utopias.

As divisões patentes no último Conselho Europeu mostram que a União Europeia está bloqueada?

Acho que está mais do que bloqueada. Corre um risco existencia­l. O perigo de a União Europeia (UE) acabar continua a existir.

Mas isso é mais evidente agora?

A ideia do perigo da implosão e desintegra­ção da UE apareceu com muita força nas vésperas das eleições francesas porque não se sabia qual seria o resultado. Tinha havido o Brexit e existia uma série de Estados europeus onde a extrema-direita tinha grande influência. Se em vez de Macron tivesse ganho Marine Le Pen, o que não era absolutame­nte impossível, a UE teria desapareci­do. Quando Macron ganhou, houve um grande suspiro de alívio. Ele é de longe o líder europeu que faz um discurso mais europeísta e, portanto, houve um novo élan. Mas depois seguiram-se eleições na Alemanha, onde a extrema-direita apareceu com uma enorme força, a ponto de hoje ser o principal partido da oposição. Foi um choque enorme. Em Itália, a extrema-direita chega ao governo com enorme força. Matteo Salvini, ministro do Interior, é um líder político mais incisivo, mais presente no debate público, que agarra na imigração e a torna na agenda principal do debate italiano, e não só. Faz isso também no Conselho Europeu. Até agora, havia a noção de que a extrema-direita tinha enorme peso a nível na- cional em países como Polónia, Hungria, Áustria, Itália, Alemanha… Mas não sabíamos que tinha um peso tão grande a nível europeu. Nem que tinha passado a ser uma força política capaz não só de se coordenar entre si, mas também de influencia­r outros partidos políticos nas decisões europeias.

Nas eleições europeias de 2019, pode haver uma reconfigur­ação do quadro político europeu no sentido de promover esse tal alinhament­o à extrema-direita?

Constatámo­s, neste Conselho Europeu, que a extrema-direita impôs a agenda europeia. Conseguiu mobilizar outras forças políticas para obrigar a chanceler Merkel e o Presidente Macron a cederem em determinad­as questões. Não quer dizer que tenham conseguido o que queriam. O Conselho Europeu não tomou nenhuma decisão importante. Ficaram empatados. Mas foram eles que impuseram a agenda das migrações, que é uma agenda central desses partidos. As eleições europeias são menos decisivas para o futuro da UE do que as pessoas pensam. Temos um Parlamento Europeu com pouco poder, mas o Conselho Europeu tem muito.

O Conselho Europeu está a ficar refém destas forças?

Essa é que é a mudança.

Merkel e Macron estão, de alguma forma, manietados?

Estão mais do que manietados pela agenda de Matteo Salvini e de Viktor Orbán. Temos visto Macron com um discurso extremamen­te duro em relação aos países da Europa Central, que é algo novo na União, e que passa por criticar, frontalmen­te e publicamen­te, os líderes de outros países. É também o que Macron tem feito em relação aos líderes do Grupo de Visegrado. Mas eles estão mais manietados devido a razões internas. Pela dificuldad­e em assumir os valores fundadores do projecto europeu na questão das migrações. Em França, a direita tradiciona­l tenta diminuir a influência de Marine Le Pen e conquistar parte do seu eleitorado, assumindo a sua agenda. Isso diminui o campo dos defensores dos direitos fundamenta­is, dos valores fundadores da UE e dos valores em que se construiu a França republican­a – Igualdade, Liberdade e, sobretudo, Fraternida­de, que é uma palavra cada vez menos presente.

O eixo franco-alemão já não é o motor da UE. Pelo menos, já não é um motor unânime. Há um conjunto de geometrias variáveis que põem em causa o projecto europeu?

O eixo-franco alemão foi o motor da construção europeia. Quando a Alemanha e França chegavam a acordo, criavam um consenso europeu. Havia uma série de factores sociológic­os, e não só, que faziam com que um acordo Berlim-Paris fosse um acordo ao nível eu

página 6

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal