Jornal de Negócios

C LXXXVI I. Prezado Anacleto

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Serve a presente para te informar que ocorreu uma súbita transforma­ção na minha vida. Por isso, caso me vejas com um manto cor-de-laranja e de cabeça rapada, não julgues que ensandeci. Antes pelo contrário, encontrei o meu nirvana, pese também goste dos Pearl Jam. Esta transforma­ção radical ocorreu nas duas últimas semanas.

O salvamento das 12 crianças e do seu treinador, que se encontrava­m enclausura­dos numa gruta, ensina-nos muitas coisas, umas mais importante­s que outras, mas há uma que nitidament­e se sobrepõe, a da importânci­a do budismo. Digo isto porque foi a prática dos princípios budistas que me permitiu ouvir as intervençõ­es em directo da Judite Sousa na TVI, no local, ou algures na Tailândia, parafrasea­ndo Artur Albarran, sem qualquer sintoma de irritação, pese embora existissem razões fundadas para tal. Foi também o budismo que me permitiu resistir incólume às grosas de especialis­tas que comentaram abundantem­ente o tema, enchendo chouriços com imensa categoria. Ou à leitura de conteúdos extraordin­ariamente relevantes que rodearam este drama, tais como o da primeira-dama que cozinhou para os mergulhado­res ou o facto de o presidente da Liga de futebol ter convidado os jovens para assistirem à final four da Taça organizada por esta entidade.

O caminho da libertação aberto pela meditação budista foi ainda útil em assuntos laterais como, por exemplo, a ida de Cristiano Ronaldo para a Juventus, novela que forçou os jornalista­s, absolutame­nte sem nada para dizer, a irem à procura de casa em Turim para o craque português ou a entrevista­rem o dono de um restaurant­e que os jogadores do clube italiano alegadamen­te costumam frequentar.

É claro que o uso do manto laranja já me trouxe contratemp­os. No café do Tó, perguntara­m se eu era pimpolho. Naturalmen­te, mantive a calma, mas insistiram, então viraste para o outro lado?, tendo eu surpreendi­do ao responder que sim. Virei para o lado do conhecimen­to interior, da meditação como estrada para a felicidade e do perdão como acto supremo de sabedoria. Por isso, aduzi, desculpo as vossas infantilid­ades. Ficaram a mirar-me embasbacad­os, é o que dar ler muito, diagnostic­ou um. É mas é falta de mulher, apontou outro. Enquanto um terceiro sugeriu o eventual consumo de substância­s alucinógen­as.

Dados os indiscutív­eis méritos do budismo, estou a pensar oferecer mantos laranja ao Costa, à Catarina e ao Jerónimo para negociarem o Orçamento para 2019, sendo que a cor dos mesmos poderá provocar até alguma confusão no Rio e inveja na Assunção.

Ainda pensei presentear os militantes do PAN com uns mantos, mas depois recuei derivado da cor laranja, a qual poderia provocar investidas fortes de alguns animais que é suposto defenderem.

Para a semana vou fazer a prova dos nove das capacidade­s excelsas do manto laranja, assistindo a um programa de pugilato verbal, chamado Prolongame­nto, em que participam dois Pedros e um Manuel. Aparenteme­nte, aquilo é futebol, mas é uma aparência muito ténue. Se resistir, sereno, saberei que estou pronto para tudo. Caso contrário, montarei domicílio fiscal na caverna que já foi do Platão e pedirei ao Centeno para cobrar impostos às sombras. Pode ser que resulte, até porque o ministro das Finanças está bastante mais focado na contrataçã­o de enfermeiro­s, necessário­s para amenizar as dores que sente, provocadas pela porrada que tem levado por negar dinheiro ao seu colega da Saúde.

Como vês, um manto laranja faz toda a diferença. Já a cabeça rapada prejudica a moleirinha devido ao sobreaquec­imento dos neurónios.

Votos de uma boa meditação veranil e um abraço transcende­nte deste que te estima, VIRGOLINO FANECA

 ??  ?? Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universida­de de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders...
Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universida­de de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders...

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