Corrida de obstáculos
Os mercados financeiros têm estado sujeitos a sucessivos choques. Esquecendo alterações do enquadramento regulatório do sistema financeiro e concentrando somente na esfera dos mercados financeiros, deparamo-nos com mudanças em catadupa. No início de 2018, foi introduzida a nova Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros II. Em agosto deste ano, deverá ser anunciada a recomendação relativa à identificação da taxa de juro sem risco europeia, a qual irá substituir a Euribor. A transição deverá ocorrer até 2020, na medida em que as taxas IBOR não poderão ser utilizadas além de 2020 por não cumprimento das regras sobre taxas de referência. A candidata à sucessão é a ESTER (Euro Short TErm Rate), indexante desenvolvido pelo BCE para o efeito. Finalmente, o Brexit acontece em março de 2019.
Com a adoção da DMIF II, as implicações relativamente à liquidez dos mercados poderão não ter sido significativas e, aparentemente, constata-se um aumento das transação em plata- formas eletrónicas e um relativo declínio das transações por voz, dominadas por operações de maior montante – um resultado desejado. Se as obrigações de reporte de informação antes e após a transação não terão produzido, por ora, impacto impressivo no funcionamento do mercado (pelo menos na dívida pública), noutros âmbitos, a nova regulamentação terá originado consequências inesperadas: regras associadas à proteção do investidor terão afastado os investidores particulares de produtos mais arriscados, entrincheirando-se em produtos mais tradicionais, concretamente depósitos. Na economia europeia, em que o financiamento bancário é largamente dominante e quando as autoridades europeias redobram esforços no sentido da concretização do Mercado Único de Capitais, este desenvolvimento é contraproducente.
O fim da Euribor terá consequências relevantes determinadas pela sua posição hegemónica. É, decerto, verdade que se evoluirá para um indexante mais seguro e confiável; contudo, no entretanto, ter-se-á de lidar com elementos de incerteza. Entre estes, destaca-se: a definição da taxa de juro sem risco para algumas moedas; a aprovação de nova regulamentação; reconhecimento do diferencial entre taxas IBOR (Euribor e Libor) e a nova referência; coexistência de novas e antigas referências; o calendário de transição,… Como se traduzem estes aspetos em temas a exigir acompanhamento próximo? À cabeça, surgem as questões contratuais. Muito embora existam (ou possam existir) cláusulas de posição de recurso, normalmente estão associadas a mecanismos de emergência, proliferando a heterogeneidade de soluções. Se as alterações globais serão ditadas por standards de mercado definidos por instituições europeias e mundiais, os contratos bilaterais podem impor mudanças individuais. Mais, a documentação poderá apenas ser alterada quando um novo padrão de mercado estiver definido, com fortes implicações para o período de transição – aspeto sensível para análises de jurisdição. A estas questões somam-se outras de índole operacional e de mercado: implicações ao nível de valorização e contabilização (questões de assimetria entre antigos e novos “benchmarks”, diferenças de contabilização entre novos contratos e carteira legado); desafios para a alimentação de bases de dados; impacto na determinação de preços em operações de cobertura e transferência de fundos;…
Se os acontecimentos anteriormente descritos suscitam incerteza e preocupação, a saída do Reino Unido da União Europeia pela ausência, até ao momento, de um modelo claro, e pelo apertado cronograma de execução, entre outros, encerra elevado risco para o funcionamento dos mercados. Perante esta empresa, entre os participantes de mercado domina o lema: “Preparar para o pior e esperar o melhor.”
O fim da Euribor terá consequências relevantes determinadas pela sua posição hegemónica.