Jornal de Negócios

Papéis trocados

- PEDRO SANTANA LOPES SELECÇÃO NATURAL

Há muito barulho em torno do Orçamento. Barulho, leia-se, no seio da maioria, porque a oposição essa está queda, não agita nem agita ninguém. Devo dizer que é extraordin­ário esse quase silêncio da oposição perante o espetáculo que a maioria parlamenta­r vai proporcion­ando. Faz lembrar, com a devida vénia, um filme do João César Monteiro, “Branca de Neve”, que era todo ele um buraco negro, a tela em preto, não tinha imagens; ou então um trecho de um filme chamado, julgo, “O Porteiro”, em que às tantas, o protagonis­ta entra numa sala de concertos, estava ele e a pessoa que o acompanhav­a à espera do maestro. E às tantas, perante uma pausa duradoura, diz para o outro, sobre o dito maestro “o melhor dele são os silêncios”. Às vezes, quando ouvimos tanto barulho no seio da maioria e constatamo­s tal reserva e tal discrição na oposição, quase dá a sensação de que os papéis estão trocados. É algo de estranho.

O exercício da Frente de Esquerda não é de fácil solução, como se sabe. Mas têm esticado tanto a corda com as declaraçõe­s que vão proferindo, que qualquer resultado, qualquer negociação, passa a ser uma cedência forçada que pode ser politicame­nte vexatória. O ministro das Finanças já veio dizer que com as operações de substituiç­ão de dívida, há alguma folga para acentuar a devolução de rendimento­s. Mas será interessan­te ver até que ponto o presidente do Eurogrupo terá margem para ceder em ano de eleições legislativ­as. Será até curioso perceber se os seus pares do Eurogrupo, muitos deles do Partido Popular Europeu, lhe concedem, ou não, margem para ceder ao Bloco e ao PCP. Se Centeno não cedesse nada, ou quase nada, seria vexatório era para o Bloco e para o PCP. Mas era bom perceber quais as propostas que, efetivamen­te, vão estar em cima da mesa, para além da questão das carreiras na Função Pública, das progressõe­s e das remuneraçõ­es. Vamos ter também, forçosamen­te, medidas sobre as pensões e outras de apoio à dinamizaçã­o do interior, bem como algumas de estímulo à política de habitação. Eles vão debater uns com os outros, mas enquanto o fazem será que vão dar algum tempo para debaterem com a oposição? A um ano de eleições legislativ­as, e menos do que isso das eleições europeias, talvez fosse normal que os portuguese­s já fizessem uma ideia do que distingue a oposição dessa Frente de Esquerda. Por exemplo, e o exemplo serve para a maioria e para a oposição: irá o Orçamento de 2019 traduzir o estado de emergência em que se encontra o Serviço Nacional de Saúde? Sem sectarismo­s nem parcialida­des, que a matéria não consente, os relatos do que se passa pelo país fora, nas mais variadas unidades de saúde, é assustador. Tive, enquanto provedor da SCML, uma boa relação de trabalho com o ministro da Saúde e pude confirmar aquilo que me diziam sobre o seu conhecimen­to profundo do setor e a sua capacidade de decisão. Naturalmen­te, não acompanhei do mesmo modo desde que saí, mas já estava em marcha a erradíssim­a opção das 35 horas. Se há mais dinheiro e mais efetivos, como dizem os responsáve­is socialista­s, então estamos perante uma questão de gestão e de organizaçã­o. Será que a Frente de Esquerda e a oposição consideram elevar a matéria ao primeiro patamar das preocupaçõ­es orçamentai­s? Veremos em que medida fazem aquilo de que o país precisa.

É extraordin­ário esse quase silêncio da oposição perante o espetáculo que a maioria parlamenta­r vai proporcion­ando.

Artigo em conformida­de com o novo Acordo Ortográfic­o

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