Geringonça não mudou os partidos, só a relação entre si
Os partidos políticos discutem hoje, no Parlamento, o estado da Nação já com os olhos postos nas eleições do próximo ano. Os partidos serão os mesmos de sempre, mas a forma como se relacionam mudou muito.
À esquerda todos vão esticar a corda ao máximo mas sem a rebentar. Todos querem os louros da legislatura mas distinguindo-se dos outros dois partidos da geringonça.
NUNO GAROUPA
Professor na Texas A&M University
O que foi uma impossibilidade durante 40 anos funcionou. O que ainda está por explicar é como estes três partidos conseguiram que funcionasse.
ANTÓNIO COSTA PINTO
Investigador do Instituto de Ciências Sociais
Quando, pela primeira vez em 40 anos de democracia, a esquerda se pôs de acordo para viabilizar um Governo PS e, assim, impedir que a direita continuasse no poder, vaticinou-se que a política portuguesa nunca mais voltaria a ser a mesma. Sendo certo que muita coisa mudou, não é menos verdade que os partidos que hoje discutem o estado da Nação pouco mudaram. O que é diferente, agora, é a forma como interagem entre si.
A grande mudança está relacionada com o facto de PCP e Bloco de Esquerda terem assumido responsabilidades governativas, mesmo que de forma indirecta. “Com a geringonça o que mudou foi o antigo relacionamento dos partidos. PCP e BE estavam fora do acordo da governação e agora estão dentro, embora não na mesma posição dos outros (PS, PSD e CDS) porque não integram o Governo”, explica Nuno Garoupa, professor na Texas A&M University.
No entanto, a geringonça não provocou qualquer alteração ideológica ou programática nas forças com assento parlamentar, nem à esquerda nem à direita. A vocação de bloquistas e comunistas continua a ser reivindicativa. Continuam a ser contra esta Europa e as suas regras orçamentais e querem um papel mais interventivo do Estado. Com muito jogo de anca, “o PS não mudou um miligrama”, lembra António Costa Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais, e o pragmático António Costa espera pelos resultados eleitorais para tomar decisões sobre políticas de alianças. Quanto ao PSD, foi o partido que mais mudou. Rui Rio fez uma mudança de 180 graus na estratégia política, procurando enfraquecer a geringonça não pelo ataque mas pelo namoro ao PS. Mas o partido, em si, é o mesmo de sempre. O CDS vê a aproximação do PSD como uma oportunidade, embora as sondagens não lhe sorriam.
E agora? Nesta fase pré-eleitoral, nota Nuno Garoupa, “Bloco e PCP apostam em distinguirem-se do PS procurando substituir a lógica do chamado voto útil pela do voto estratégico”. Mas este economista prefere falar em “voto estratégico”. Garoupa antecipa que os partidos mais à esquerda da geringonça “vão apelar ao voto estratégico para evitar uma maioria absoluta dos socialistas, dizendo que é preciso evitar o regresso do PS dos negócios”.
À direita, teremos um PSD a procurar consolidar a sua liderança e a tentar um resultado sólido nas eleições, mas sem acreditar na vitória. Finalmente, o CDS aposta numa corrida de fundo pela primazia à direita enquanto espera por erros de Rui Rio.