“O investidor chinês já prefere outros países”
Para atrair investimento, concorremos com outros países. Mas se passamos o tempo a mexer nas leis, os investidores afastam-se, diz o advogado Martim Menezes, que dá como exemplo os cidadãos chineses.
Maria Santa Martha é a nova líder do escritório do Porto da sociedade de advogados CCA- Ontier, função em que sucedeu ao seu sócio Martim Menezes. Ambos trabalham com investidores estrangeiros e, em particular, no sector imobiliário. Admitem que há correcções a fazer neste mercado, mas refutam a ideia de uma “bolha” em risco de explodir. Se alguma coisa os preocupa é, isso sim, a instabilidade causada por mexidas [ou anúncios de mudanças] nas leis, que assusta os investidores, dizem. Há já quem receie que possa haver uma bolha no mercado imobiliário. Existe esse risco? Maria Santa Martha (MSM) – Não creio que a bolha vá explodir, como se costuma dizer. Porque têm sido criados vários instrumentos que permitem, no fundo, sustentar o cres- cimento não só no imobiliário, mas também na área do turismo e do alojamento local. Aquilo que hoje se verifica é que foram lançadas várias medidas quase que de bloqueio relativamente ao que se promoveu.
Está a referir-se a quê?
MSM – Atraiu-se o investimento na área do alojamento local, que agora se vai bloquear com uma nova lei. Para quem investiu e já tem os processos a andar, vê-se confrontado com a possibilidade de as câmaras definirem áreas de contenção e limitarem a sete as unidades de alojamento local por cada investidor. Não se pode retirar o tapete depois de se ter lançado uma carpete vermelha.
Se não houver intervenção do legislador, não corremos o risco de ver os centros de Lisboa e do Porto esvaziados de moradores? MSM – Não creio que se chegue a uma situação tão exagerada. Des-
A inovação da economia sempre foi um bocadinho o ‘filé mignon’ do nosso trabalho. Não só em Lisboa, mas também no Porto.
de logo, porque nos contratos mais antigos o arrendatário tem direito a ser realojado em condições análogas. O Governo deve é criar apoios à habitação. O turismo é o melhor produto que nós temos. É uma pena que, com estas medidas de última hora, limitemos o investimento e a actividade turística em geral.
Há quem admita que o problema só se resolve com mais ofer-
ta de habitação. Pelo menos no centro das cidades isso será difícil. Qual é a solução?
Martim Menezes (MM) – Após a crise, hoje já há algum “funding” disponibilizado pela banca para imobiliário, o que fará aparecer outra vez um mercado de casas. Não no centro das cidades, mas ainda dentro das grandes cidades. Se formos ver, do Terreiro do Paço ao Parque das Nações há muita coisa para fazer. No Porto, quando passamos Matosinhos e Leça, há muita coisa para fazer. Tudo isto fará baixar um pouco esta espiral [em torno do imobiliário]. Háaqui dinâmicas que podem corrigir o funcionamento do mercado.
As alterações legislativas no mercado da habitação, a nível fiscal e mesmo no que aos incentivos diz respeito, de que forma se reflectem no comportamento dos vossos clientes?
MSM – O perfil dos nossos clientes é maioritariamente de investidores. Os incentivos fiscais são, por norma, um atractivo. Não são só as remunerações de investimento, mas também os incentivos fiscais. O que cria alguma instabilidade é o facto de o investidor vir num ano e ter aqueles incentivos e, no ano seguinte, ao querer investir novamente, porque sabe que tem os incentivos, afinal estes já não existem. Esta instabilidade é que não pode acontecer. Faz com que não sejamos atractivos.
Mexemos muito nas leis?
MSM – Penso que sim. É sempre preciso fazer correcções. Acho muito bem que se tenha a preocupação de proteger os bairros do cen- tro das cidades de Lisboa e do Porto, a sua história, não os enchendo pura e simplesmente de turistas. Mas não se pode passar a ideia de total incerteza porque os investidores não gostam disso. E há mercados aqui próximos com os quais concorremos.
Mercados mais maduros?
MM – Nós concorremos a nível internacional também na área de atracção de investimento estrangeiro. Por exemplo, hoje sentimos que o investidor chinês já prefere outros países
Que países? e porquê?
MM – Por exemplo, a Grécia, porque está mais barata do que nós. Tem um “golden visa” mais barato. Os cidadãos chineses não falam português, mas também não falam grego, portanto, é-lhes indiferente o país onde estão. Sabem que aqui é seguro, que é a grande vantagem do nosso país hoje em dia, até mais do que no domínio fiscal. Mas estamos sempre em concurso. Às vezes é preciso cuidado até com a mensagem que se passa. É sempre preciso ter cuidado com o que se vai mudando e mesmo com o que se diz nos jornais.
Mesmo que as medidas não sejam aplicadas?
MM – Podem não ser aplicadas, mas assustam os investidores. Nós não temos o “brand” da Holanda, em que há uma estabilidade fiscal, em que as pessoas já sabem que o que lá estiver é o que se vai manter. Aqui é exactamente o contrário. Sabemos que provavelmente vai haver alterações. Muda o governo e as alterações surgem. O que diferencia os mercados de Lisboa e do Porto quando está em causa a prestação de serviços jurídicos? Maria Santa Martha (MSM) – Na minha perspectiva, o mercado de Lisboa dá uma grande ênfase às marcas (das sociedades de advogados), ao passo que o mercado do Porto enfatiza a relação pessoal com o advogado. Hoje em dia, o perfil está a alterar-se ligeiramente. Ainda há o tal cliente antigo, de linhagem, como costumo dizer, mas já temos também os clientes internacionais, que vêm investir no Porto e que já procuram a marca e o “know-how”.
Em que é que investem os vossos clientes da região Norte? É também o imobiliário a principal razão da procura da vossa assessoria jurídica?
MSM – Não é só o imobiliário. O imobiliário está muito forte, assim como o imobiliário para fins turísticos, mas temos também muitos clientes na área da inovação, as start-ups, as empresas das áreas tecnológicas. Martim Menezes (MM) – Ti- rando as empresas que têm raiz no sector público, que são grandes empresas e cujas sedes são em Lisboa, o mercado dinâmico sempre envolveu as pequenas e médias empresas, nomeadamente no Porto.
Empresas essas com que trabalham.
MM – Sempre tivemos o propósito de desafiar essas empresas a internacionalizar-se. Esse interesse pela internacionalização continua a existir e são cada vez mais as que nos batem à porta com esse propósito. Depois, há também tudo o que é digitalização e inovação da economia. Essa realidade sempre foi um bocadinho o “filé mignon” do nosso trabalho. Não só em Lisboa, mas também no Porto ou em cidades mais a norte.
À semelhança do que se diz relativamente ao país como um todo, sobretudo quando se fala em turismo, o Porto é uma cidade que também está na moda?
MM – O Porto é, hoje em dia, ainda uma cidade mais barata do que Lisboa, pelo que muitas empresas procuram-na mais.
MSM – Neste momento, o que se verifica é que no Porto há hoje uma grande escassez de imóveis para serviços, o que leva algumas grandes empresas a instalar-se em zonas circundantes ou próximas do Porto, até porque os próprios municípios, como Braga e Guimarães, estão a criar incentivos nesse sentido. Por exemplo, é o que sucede no Avepark, em Guimarães, onde apostaram até sociedades cotadas, como a Farfetch.
“O Porto ainda é uma cidade mais barata que Lisboa”