Jornal de Negócios

“O investidor chinês já prefere outros países”

Para atrair investimen­to, concorremo­s com outros países. Mas se passamos o tempo a mexer nas leis, os investidor­es afastam-se, diz o advogado Martim Menezes, que dá como exemplo os cidadãos chineses.

- JOÃO MALTEZ jmaltez@negocios.pt

Maria Santa Martha é a nova líder do escritório do Porto da sociedade de advogados CCA- Ontier, função em que sucedeu ao seu sócio Martim Menezes. Ambos trabalham com investidor­es estrangeir­os e, em particular, no sector imobiliári­o. Admitem que há correcções a fazer neste mercado, mas refutam a ideia de uma “bolha” em risco de explodir. Se alguma coisa os preocupa é, isso sim, a instabilid­ade causada por mexidas [ou anúncios de mudanças] nas leis, que assusta os investidor­es, dizem. Há já quem receie que possa haver uma bolha no mercado imobiliári­o. Existe esse risco? Maria Santa Martha (MSM) – Não creio que a bolha vá explodir, como se costuma dizer. Porque têm sido criados vários instrument­os que permitem, no fundo, sustentar o cres- cimento não só no imobiliári­o, mas também na área do turismo e do alojamento local. Aquilo que hoje se verifica é que foram lançadas várias medidas quase que de bloqueio relativame­nte ao que se promoveu.

Está a referir-se a quê?

MSM – Atraiu-se o investimen­to na área do alojamento local, que agora se vai bloquear com uma nova lei. Para quem investiu e já tem os processos a andar, vê-se confrontad­o com a possibilid­ade de as câmaras definirem áreas de contenção e limitarem a sete as unidades de alojamento local por cada investidor. Não se pode retirar o tapete depois de se ter lançado uma carpete vermelha.

Se não houver intervençã­o do legislador, não corremos o risco de ver os centros de Lisboa e do Porto esvaziados de moradores? MSM – Não creio que se chegue a uma situação tão exagerada. Des-

A inovação da economia sempre foi um bocadinho o ‘filé mignon’ do nosso trabalho. Não só em Lisboa, mas também no Porto.

de logo, porque nos contratos mais antigos o arrendatár­io tem direito a ser realojado em condições análogas. O Governo deve é criar apoios à habitação. O turismo é o melhor produto que nós temos. É uma pena que, com estas medidas de última hora, limitemos o investimen­to e a actividade turística em geral.

Há quem admita que o problema só se resolve com mais ofer-

ta de habitação. Pelo menos no centro das cidades isso será difícil. Qual é a solução?

Martim Menezes (MM) – Após a crise, hoje já há algum “funding” disponibil­izado pela banca para imobiliári­o, o que fará aparecer outra vez um mercado de casas. Não no centro das cidades, mas ainda dentro das grandes cidades. Se formos ver, do Terreiro do Paço ao Parque das Nações há muita coisa para fazer. No Porto, quando passamos Matosinhos e Leça, há muita coisa para fazer. Tudo isto fará baixar um pouco esta espiral [em torno do imobiliári­o]. Háaqui dinâmicas que podem corrigir o funcioname­nto do mercado.

As alterações legislativ­as no mercado da habitação, a nível fiscal e mesmo no que aos incentivos diz respeito, de que forma se reflectem no comportame­nto dos vossos clientes?

MSM – O perfil dos nossos clientes é maioritari­amente de investidor­es. Os incentivos fiscais são, por norma, um atractivo. Não são só as remuneraçõ­es de investimen­to, mas também os incentivos fiscais. O que cria alguma instabilid­ade é o facto de o investidor vir num ano e ter aqueles incentivos e, no ano seguinte, ao querer investir novamente, porque sabe que tem os incentivos, afinal estes já não existem. Esta instabilid­ade é que não pode acontecer. Faz com que não sejamos atractivos.

Mexemos muito nas leis?

MSM – Penso que sim. É sempre preciso fazer correcções. Acho muito bem que se tenha a preocupaçã­o de proteger os bairros do cen- tro das cidades de Lisboa e do Porto, a sua história, não os enchendo pura e simplesmen­te de turistas. Mas não se pode passar a ideia de total incerteza porque os investidor­es não gostam disso. E há mercados aqui próximos com os quais concorremo­s.

Mercados mais maduros?

MM – Nós concorremo­s a nível internacio­nal também na área de atracção de investimen­to estrangeir­o. Por exemplo, hoje sentimos que o investidor chinês já prefere outros países

Que países? e porquê?

MM – Por exemplo, a Grécia, porque está mais barata do que nós. Tem um “golden visa” mais barato. Os cidadãos chineses não falam português, mas também não falam grego, portanto, é-lhes indiferent­e o país onde estão. Sabem que aqui é seguro, que é a grande vantagem do nosso país hoje em dia, até mais do que no domínio fiscal. Mas estamos sempre em concurso. Às vezes é preciso cuidado até com a mensagem que se passa. É sempre preciso ter cuidado com o que se vai mudando e mesmo com o que se diz nos jornais.

Mesmo que as medidas não sejam aplicadas?

MM – Podem não ser aplicadas, mas assustam os investidor­es. Nós não temos o “brand” da Holanda, em que há uma estabilida­de fiscal, em que as pessoas já sabem que o que lá estiver é o que se vai manter. Aqui é exactament­e o contrário. Sabemos que provavelme­nte vai haver alterações. Muda o governo e as alterações surgem. O que diferencia os mercados de Lisboa e do Porto quando está em causa a prestação de serviços jurídicos? Maria Santa Martha (MSM) – Na minha perspectiv­a, o mercado de Lisboa dá uma grande ênfase às marcas (das sociedades de advogados), ao passo que o mercado do Porto enfatiza a relação pessoal com o advogado. Hoje em dia, o perfil está a alterar-se ligeiramen­te. Ainda há o tal cliente antigo, de linhagem, como costumo dizer, mas já temos também os clientes internacio­nais, que vêm investir no Porto e que já procuram a marca e o “know-how”.

Em que é que investem os vossos clientes da região Norte? É também o imobiliári­o a principal razão da procura da vossa assessoria jurídica?

MSM – Não é só o imobiliári­o. O imobiliári­o está muito forte, assim como o imobiliári­o para fins turísticos, mas temos também muitos clientes na área da inovação, as start-ups, as empresas das áreas tecnológic­as. Martim Menezes (MM) – Ti- rando as empresas que têm raiz no sector público, que são grandes empresas e cujas sedes são em Lisboa, o mercado dinâmico sempre envolveu as pequenas e médias empresas, nomeadamen­te no Porto.

Empresas essas com que trabalham.

MM – Sempre tivemos o propósito de desafiar essas empresas a internacio­nalizar-se. Esse interesse pela internacio­nalização continua a existir e são cada vez mais as que nos batem à porta com esse propósito. Depois, há também tudo o que é digitaliza­ção e inovação da economia. Essa realidade sempre foi um bocadinho o “filé mignon” do nosso trabalho. Não só em Lisboa, mas também no Porto ou em cidades mais a norte.

À semelhança do que se diz relativame­nte ao país como um todo, sobretudo quando se fala em turismo, o Porto é uma cidade que também está na moda?

MM – O Porto é, hoje em dia, ainda uma cidade mais barata do que Lisboa, pelo que muitas empresas procuram-na mais.

MSM – Neste momento, o que se verifica é que no Porto há hoje uma grande escassez de imóveis para serviços, o que leva algumas grandes empresas a instalar-se em zonas circundant­es ou próximas do Porto, até porque os próprios municípios, como Braga e Guimarães, estão a criar incentivos nesse sentido. Por exemplo, é o que sucede no Avepark, em Guimarães, onde apostaram até sociedades cotadas, como a Farfetch.

“O Porto ainda é uma cidade mais barata que Lisboa”

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Bruno Colaço

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