Jornal de Negócios

O logro das reformas antecipada­s

- ADOLFO MESQUITA NUNES Advogado

OBloco de Esquerda andou durante meses a falar de facilitar o acesso à reforma antecipada às pessoas que, com 60 anos ou mais, tivessem já trabalhado 40 anos.

A lógica era clara: quem, com 60 anos ou mais, tiver trabalhado 40 anos ou mais é porque tem uma carreira contributi­va tão longa que é de justiça facilitar-lhe o acesso à reforma antecipada, eliminando ou reduzindo as penalizaçõ­es ou pagamentos associados a esse acesso.

Uma ideia assim é fácil de perceber. Então como justificar o número de artigos e intervençõ­es de dirigentes do Bloco explicando o que vai mudar nas reformas antecipada­s à conta da proposta que negociaram com o Governo? Como é evidente, tanta explicação serve para disfarçar o quão ilusória, discrimina­tória, e sem sentido aparente é a medida por estes apresentad­a e negociada. No fundo, tanta explicação serve para montar uma encenação, uma historieta.

Então uma pessoa com 61 anos e 40 anos de carreira não vê facilitado o acesso à reforma antecipada? Não, porque fez os 40 de carreira aos 61 anos, e a proposta do Bloco apenas abrange as pessoas que fizeram tais anos de carreira aos 60. Então uma pessoa com 62 anos e 40 anos de carreira está excluída? Está excluída, sim senhor, porque esta pessoa deveria ter feito os 40 anos de carreira aos 60 e não aos 62. Se tivesse feito os 40 anos de carreira tudo bem, mas como foi aos 62 anos, azar.

Qual é a lógica desta discrimina­ção? O que diferencia uma pessoa que fez 40 anos de carreira aos 61 ou 62 anos de uma que fez 40 anos de carreira aos 60? Não sabemos, porque o Bloco não explica enquanto finge que a proposta é espetacula­r.

E percebe-se que não explique, porque não há qualquer fundamento: uma pessoa de 62 anos com 40 anos de carreira tem uma carreira tão longa, e uma idade ainda mais avançada, quanto uma pessoa de 60 anos e 40 anos de carreira.

Mas se assim é, não podendo ser para todos, qual é a lógica de fazer isto com os 60 anos e os 40 anos de carreira, e não fazer com as pessoas de idade mais avançada, com 62 ou 63? Porque se aponta para os 40 anos de carreira aos 60 anos, deixando de fora os que os fazem aos 62 ou 63 – que têm até mais idade? Porque não começaram então por esses?

Pois aí é que está o requinte da encenação: ao utilizar os números 60 e 40, o Bloco cria a ilusão de que a sua proposta correspond­e ao seu discurso inicial, levando ao engano, fingindo que não cedeu em nada. Eu não digo que o Bloco mente, digo que o Bloco leva ao engano com esta encenação.

Quando confrontad­o, o Bloco diz que tentou mais, mas que o Governo lhe disse que não há dinheiro para mais, explicação que o Bloco aceitou e que não lhe faz votar contra o orçamento.

Interessan­tes tempos estes: sem troika, sem desemprego galopante, sem défice e sem recessão, o Bloco aceita placidamen­te que não há dinheiro para mais. Já nos anos de chumbo da troika, em que PSD e CDS tiveram de governar com desemprego galopante e uma recessão, a falta de dinheiro nunca servia de explicação, era tudo uma invenção da malvada direita. Quando há dinheiro e cresciment­o, o Bloco baixa a voz e aceita o que lhe dita o PS. Quando não há dinheiro, o Bloco vai para a rua e vota contra os orçamentos. As sondagens devem estar fracas, ali para os lados do Bloco, para terem medo de chumbar o orçamento quando veem a sua proposta reduzida a um quase-nada sem sentido.

Mas o pior nem é isso, que já é muito. O pior é que à conta de dar uma migalha ao Bloco, porque é de uma migalha que se trata, o Governo anunciou, à boleia, que em troca restringir­ia o regime de acesso à reforma antecipada. Com alguma malícia, convenhamo­s, o Governo deu a entender ao mundo que a proposta do Bloco tinha o seu reverso, e o reverso não é bom. O Bloco já veio protestar, mas tal protesto não passa por ameaçar votar contra o orçamento. Aguardemos.

Sem troika, sem desemprego galopante, sem défice e sem recessão, o Bloco aceita placidamen­te que não há dinheiro para mais.

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