Jornal de Negócios

A herança envenenada de Draghi – (III)

- JOÃO COSTA PINTO

No artigo anterior referi que a União Bancária havia sido lançada sem um consenso político em torno da criação de mecanismos de mutualizaç­ão e de partilha de responsabi­lidades. Deste modo permanece sem um esquema único de garantia de depósitos e sem um dispositiv­o de suporte financeiro a operações de intervençã­o sobre bancos sistémicos em dificuldad­es. Como resultado, os depositant­es das economias mais frágeis correm riscos mais elevados do que os das economias mais robustas, enquanto os mercados bancários permanecem fragmentad­os, com efeitos negativos sobre o financiame­nto das economias. Compreende­mos as implicaçõe­s desta situação se tivermos presentes os objectivos centrais da criação de uma União Bancária: o corte entre o risco soberano e o risco bancário e a formação de um mercado bancário integrado na zona do euro.

Na situação actual nenhum destes objectivos foi alcançado e o risco bancário continua associado ao risco soberano, o que fragiliza os bancos das economias mais endividada­s. Nestas, os bancos que ainda não foram absorvidos encontram-se vulnerávei­s a operações de controlo por parte da “grande banca” e a novas crises.

Se, além disso, tivermos presen- te a situação de subordinaç­ão em que as autoridade­s nacionais foram colocadas, compreende­mos as implicaçõe­s políticas do quadro actual. Na verdade, estas encontram-se “desarmadas” quando se trata de intervir em bancos sistémicos. Embora mantenham a responsabi­lidade constituci­onal de preservar a esta- bilidade financeira, dependem das decisões de um poderoso grupo de eurocratas. O que seria aceitável numa Europa integrada, se se verificass­em dois pressupost­os: a existência de mecanismos de suporte financeiro mobilizáve­is no âmbito da União Bancária; a utilização de critérios de avaliação capazes de ponderar de forma adequada os riscos sistémicos. Pelo contrário, estes mecanismos não se encontram operaciona­is e os critérios utilizados não foram desenhados para responder às pressões que ameaçam os sistemas financeiro­s. Em particular, quando estão em causa as chamadas “ajudas de Estado”, os técnicos europeus tendem a colocar-se numa óptica puramente comercial – de defesa da concorrênc­ia – ignorando ou subavalian­do os riscos sistémicos que ameaçam a estabilida­de financeira.

Além disso, o quadro actual, a manter-se, irá condiciona­r a acção pós-Draghi do BCE, quando este procurar repor a política monetária convencion­al. Na verdade, a eficácia desta depende da fluidez com que as alterações das taxas de juro e de liquidez são transmitid­as pelos bancos aos agentes económicos – consumidor­es, produtores, aforradore­s e investidor­es – de modo a influencia­r o seu comportame­nto. Como os mercados interbancá­rios e de crédito permanecem fragmentad­os – a situação não é homogénea nas diferentes economias – tendem a absorver ou a bloquear os impulsos da política monetária, o que reduz a sua eficácia.

2. É neste contexto que deve ser avaliada a posição alemã de oposição a medidas que se propunham avançar para a resolução dos bloqueamen­tos actuais. Além da recusa em aceitar soluções de mutualizaç­ão da dívida – mesmo que mitigadas, como no caso das propostas de Macron –, a oposição germânica a uma garantia única de depósitos reflecte a posição dos bancos alemães. Estes, através da sua Associação, têm mantido uma pressão permanente junto da opinião pública e das elites políticas, com o objectivo de manter as vantagens competitiv­as que a ligação ao baixo risco da dívida soberana alemã lhes assegura. Como resultado, os mercados bancários periférico­s permanecem vulnerávei­s a novas crises e com eles a Europa do euro.

Os depositant­es das economias mais frágeis correm riscos mais elevados do que os das economias mais robustas.

O risco bancário continua associado ao risco soberano, o que fragiliza os bancos das economias mais endividada­s.

Coluna quinzenal à terça-feira

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal