A herança envenenada de Draghi – (III)
No artigo anterior referi que a União Bancária havia sido lançada sem um consenso político em torno da criação de mecanismos de mutualização e de partilha de responsabilidades. Deste modo permanece sem um esquema único de garantia de depósitos e sem um dispositivo de suporte financeiro a operações de intervenção sobre bancos sistémicos em dificuldades. Como resultado, os depositantes das economias mais frágeis correm riscos mais elevados do que os das economias mais robustas, enquanto os mercados bancários permanecem fragmentados, com efeitos negativos sobre o financiamento das economias. Compreendemos as implicações desta situação se tivermos presentes os objectivos centrais da criação de uma União Bancária: o corte entre o risco soberano e o risco bancário e a formação de um mercado bancário integrado na zona do euro.
Na situação actual nenhum destes objectivos foi alcançado e o risco bancário continua associado ao risco soberano, o que fragiliza os bancos das economias mais endividadas. Nestas, os bancos que ainda não foram absorvidos encontram-se vulneráveis a operações de controlo por parte da “grande banca” e a novas crises.
Se, além disso, tivermos presen- te a situação de subordinação em que as autoridades nacionais foram colocadas, compreendemos as implicações políticas do quadro actual. Na verdade, estas encontram-se “desarmadas” quando se trata de intervir em bancos sistémicos. Embora mantenham a responsabilidade constitucional de preservar a esta- bilidade financeira, dependem das decisões de um poderoso grupo de eurocratas. O que seria aceitável numa Europa integrada, se se verificassem dois pressupostos: a existência de mecanismos de suporte financeiro mobilizáveis no âmbito da União Bancária; a utilização de critérios de avaliação capazes de ponderar de forma adequada os riscos sistémicos. Pelo contrário, estes mecanismos não se encontram operacionais e os critérios utilizados não foram desenhados para responder às pressões que ameaçam os sistemas financeiros. Em particular, quando estão em causa as chamadas “ajudas de Estado”, os técnicos europeus tendem a colocar-se numa óptica puramente comercial – de defesa da concorrência – ignorando ou subavaliando os riscos sistémicos que ameaçam a estabilidade financeira.
Além disso, o quadro actual, a manter-se, irá condicionar a acção pós-Draghi do BCE, quando este procurar repor a política monetária convencional. Na verdade, a eficácia desta depende da fluidez com que as alterações das taxas de juro e de liquidez são transmitidas pelos bancos aos agentes económicos – consumidores, produtores, aforradores e investidores – de modo a influenciar o seu comportamento. Como os mercados interbancários e de crédito permanecem fragmentados – a situação não é homogénea nas diferentes economias – tendem a absorver ou a bloquear os impulsos da política monetária, o que reduz a sua eficácia.
2. É neste contexto que deve ser avaliada a posição alemã de oposição a medidas que se propunham avançar para a resolução dos bloqueamentos actuais. Além da recusa em aceitar soluções de mutualização da dívida – mesmo que mitigadas, como no caso das propostas de Macron –, a oposição germânica a uma garantia única de depósitos reflecte a posição dos bancos alemães. Estes, através da sua Associação, têm mantido uma pressão permanente junto da opinião pública e das elites políticas, com o objectivo de manter as vantagens competitivas que a ligação ao baixo risco da dívida soberana alemã lhes assegura. Como resultado, os mercados bancários periféricos permanecem vulneráveis a novas crises e com eles a Europa do euro.
Os depositantes das economias mais frágeis correm riscos mais elevados do que os das economias mais robustas.
O risco bancário continua associado ao risco soberano, o que fragiliza os bancos das economias mais endividadas.
Coluna quinzenal à terça-feira