O que foi dito no Web Summit sobre “fake news”
Sempre houve notícias falsas. Com as redes sociais tomaram esteróides.
Na cimeira da tecnologia, que este ano coincidiu com as eleições intercalares americanas, discute-se o futuro da democracia à luz de um termo que Trump vulgarizou: as “fake news”. As redes sociais são chamadas à responsabilidade e levam uma grande reprimenda.
“Éimportante perceber que (as ‘fake news’) estiveram sempre cá. A diferença é a escala”, observa o CEO da empresa de marketing Fleishman Hillard, John Saunders. Estudos académicos consultados pela Comissão Europeia indicam que nos EUA, por cada artigo de conteúdo verdadeiro existe outro falseado. Na Europa, a estatística é ligeiramente melhor – por cada artigo duvidoso há quatro ou cinco factuais. Para Ann Mettler, responsável pelo centro de estratégia da Comissão Europeia, “as redes sociais são os esteróides da desinformação” e que “tiveram o benefício da dúvida, mas desperdiçaram-no”.
Da parte dos media, David Pemsel, CEO do The Guardian, considera que este assunto está a ser alvo de preocupação “demasiado tarde”. Assume que os incentivos estão desalinhados, pois “existem maneiras muito eficientes de monetizar a viralidade, mas não a qualidade”, contudo aponta também o dedo às grandes plataformas. Tendo em conta o modelo de negócio de sucesso, as redes sociais têm insistido que “o problema não é seu, mas é a democracia que está em jogo”, insiste.
Ben Rattray, CEO da plataforma de “fundraising ” solidária change.org, concede que as redes sociais “não são antidemocráticas, mas não foram desenhadas com este propósito”. Contudo, particulariza afirmando que “tendo em conta a escala, o Facebook é uma empresa mas também um espaço público”, e neste estatuto, “não se tem aproximado da acção radical que era necessária”. Para Rattray, Zuckerberg não tem responsabilidade sobre a natureza humana, que também tem um papel na disseminação da informação errada, mas reconhece à empresa a responsabilidade de explorar o que de melhor há nos utilizadores e não o contrário. “É uma grande responsabilidade, mas também uma oportunidade”, afirma Rattray. Outra voz do mundo empresarial, o CEO da Fleishman, corrobora: “A erosão da democracia também não é benéfica para os negócios.”
Fora do mundo das grandes plataformas, Adam Hadley, o director da Tech Against Terrorism, deixa o aviso de que os terroristas – grupos cuja actividade tem beneficiado também das “fake news” – estão a migrar para plataformas mais pequenas, “o que cria dificuldades”.
E agora?
David Pemsel acredita na parcimónia: “Francamente, acredito que não é assim tão difícil encontrar uma solução para separar o que é bom do que é mau (na informação).” Aproveitando o palco desta conferência que também é de empreendedorismo, apelou: “Criam-se negócios a todo o minuto. Só temos de direccionar alguma dessa energia para resolver estes problemas.” No entretanto, “penso que o julgamento daquilo que é factual e o que não é tem de ser feito.”
A sugestão de Margot James, ministra de Estado para as Indústrias criativas e digitais no Reino Unido, é que se aumente a transparência em relação aos efeitos dos algoritmos utilizados para a disseminação de notícias.
Ann Mettler avisa que “tem de se repensar o papel dos media”, que estão “sob pressão”. Pede para que não se ceda à lógica da rapidez e do “clickbait”, pois “o jornalismo é o pilar da democracia” e, caso os meios reforcem apenas a opinião pública, “a democracia será difícil de sustentar”.
A Comissão Europeia tem tentado responder também através da regulação. Mettler defende que o regulamento para a protecção de dados veio ajudar, pois os utilizadores já podem fazer uma selecção da informação de que são alvo e reduzir assim a polarização. Também está em desenvolvimento um código de conduta para as redes sociais, avança. Aprimeira-ministra sérvia alerta que “há que ser cauteloso. Demasiada regulação geralmente não é bom para a democracia”, e sugeriu antes o investimento na educação, de modo que os cidadãos aprendam a questionar a autoridade e as fontes de informação. Independentemente disto, “não podemos deixar de supervisionar. As leis devem aplicar-se nos países, e não só num formato”, defendeu Julian King, também comissário europeu. David Wheeldon, director na Sky, acrescenta que “Não há necessidade de criar uma solução global” – seria demasiado difícil, e podia levar ao exaspero.
Apesar de estes conselhos visarem sobretudo as plataformas, Mettler alerta para a responsabilidade da população: “Nem tudo pode ser feito pelos governos e pelas empresas. As pessoas têm de estar conscientes.”
O Web Summit foi também palco do anúncio de um documento, o “Contrato para a Web”, que vai reunir princípios que guiam uma boa utilização da internet. A iniciativa foi de Tim Berners-Lee, o “pai da web”, e já conta com a assinatura de Google, Facebook, e até do Governo francês. Berners-Lee deixou a mensagem: “O que quer que seja que construas, tenta imaginar as consequências, e depois planeá-las.” Diz que espera “ver um lugar melhor do que aquele que muitas vezes encontra” na sua própria criação.
Existem maneiras muito eficientes de monetizar a viralidade, mas não a qualidade.
Francamente, acredito que não é assim tão difícil encontrar uma solução para separar o que é bom daquilo que é mau [na informação]. DAVID PEMSEL CEO do The Guardian
Tem de se repensar o papel dos media que estão sob pressão. ANN METTLER Directora-geral do Centro de Estratégia Política da Comissão Europeia
As leis devem aplicar-se nos países, e não num só formato. JULIAN KING Comissário europeu
É importante saber que as “fake news” estiveram sempre cá. A diferença é a escala. JOHN SAUNDERS CEO Fleishman Hillard