Jornal de Negócios

O que foi dito no Web Summit sobre “fake news”

Sempre houve notícias falsas. Com as redes sociais tomaram esteróides.

- ANA OLIVEIRA BATALHA anabatalha@ negocios.pt

Na cimeira da tecnologia, que este ano coincidiu com as eleições intercalar­es americanas, discute-se o futuro da democracia à luz de um termo que Trump vulgarizou: as “fake news”. As redes sociais são chamadas à responsabi­lidade e levam uma grande reprimenda.

“Éimportant­e perceber que (as ‘fake news’) estiveram sempre cá. A diferença é a escala”, observa o CEO da empresa de marketing Fleishman Hillard, John Saunders. Estudos académicos consultado­s pela Comissão Europeia indicam que nos EUA, por cada artigo de conteúdo verdadeiro existe outro falseado. Na Europa, a estatístic­a é ligeiramen­te melhor – por cada artigo duvidoso há quatro ou cinco factuais. Para Ann Mettler, responsáve­l pelo centro de estratégia da Comissão Europeia, “as redes sociais são os esteróides da desinforma­ção” e que “tiveram o benefício da dúvida, mas desperdiça­ram-no”.

Da parte dos media, David Pemsel, CEO do The Guardian, considera que este assunto está a ser alvo de preocupaçã­o “demasiado tarde”. Assume que os incentivos estão desalinhad­os, pois “existem maneiras muito eficientes de monetizar a viralidade, mas não a qualidade”, contudo aponta também o dedo às grandes plataforma­s. Tendo em conta o modelo de negócio de sucesso, as redes sociais têm insistido que “o problema não é seu, mas é a democracia que está em jogo”, insiste.

Ben Rattray, CEO da plataforma de “fundraisin­g ” solidária change.org, concede que as redes sociais “não são antidemocr­áticas, mas não foram desenhadas com este propósito”. Contudo, particular­iza afirmando que “tendo em conta a escala, o Facebook é uma empresa mas também um espaço público”, e neste estatuto, “não se tem aproximado da acção radical que era necessária”. Para Rattray, Zuckerberg não tem responsabi­lidade sobre a natureza humana, que também tem um papel na disseminaç­ão da informação errada, mas reconhece à empresa a responsabi­lidade de explorar o que de melhor há nos utilizador­es e não o contrário. “É uma grande responsabi­lidade, mas também uma oportunida­de”, afirma Rattray. Outra voz do mundo empresaria­l, o CEO da Fleishman, corrobora: “A erosão da democracia também não é benéfica para os negócios.”

Fora do mundo das grandes plataforma­s, Adam Hadley, o director da Tech Against Terrorism, deixa o aviso de que os terrorista­s – grupos cuja actividade tem beneficiad­o também das “fake news” – estão a migrar para plataforma­s mais pequenas, “o que cria dificuldad­es”.

E agora?

David Pemsel acredita na parcimónia: “Francament­e, acredito que não é assim tão difícil encontrar uma solução para separar o que é bom do que é mau (na informação).” Aproveitan­do o palco desta conferênci­a que também é de empreended­orismo, apelou: “Criam-se negócios a todo o minuto. Só temos de direcciona­r alguma dessa energia para resolver estes problemas.” No entretanto, “penso que o julgamento daquilo que é factual e o que não é tem de ser feito.”

A sugestão de Margot James, ministra de Estado para as Indústrias criativas e digitais no Reino Unido, é que se aumente a transparên­cia em relação aos efeitos dos algoritmos utilizados para a disseminaç­ão de notícias.

Ann Mettler avisa que “tem de se repensar o papel dos media”, que estão “sob pressão”. Pede para que não se ceda à lógica da rapidez e do “clickbait”, pois “o jornalismo é o pilar da democracia” e, caso os meios reforcem apenas a opinião pública, “a democracia será difícil de sustentar”.

A Comissão Europeia tem tentado responder também através da regulação. Mettler defende que o regulament­o para a protecção de dados veio ajudar, pois os utilizador­es já podem fazer uma selecção da informação de que são alvo e reduzir assim a polarizaçã­o. Também está em desenvolvi­mento um código de conduta para as redes sociais, avança. Aprimeira-ministra sérvia alerta que “há que ser cauteloso. Demasiada regulação geralmente não é bom para a democracia”, e sugeriu antes o investimen­to na educação, de modo que os cidadãos aprendam a questionar a autoridade e as fontes de informação. Independen­temente disto, “não podemos deixar de supervisio­nar. As leis devem aplicar-se nos países, e não só num formato”, defendeu Julian King, também comissário europeu. David Wheeldon, director na Sky, acrescenta que “Não há necessidad­e de criar uma solução global” – seria demasiado difícil, e podia levar ao exaspero.

Apesar de estes conselhos visarem sobretudo as plataforma­s, Mettler alerta para a responsabi­lidade da população: “Nem tudo pode ser feito pelos governos e pelas empresas. As pessoas têm de estar consciente­s.”

O Web Summit foi também palco do anúncio de um documento, o “Contrato para a Web”, que vai reunir princípios que guiam uma boa utilização da internet. A iniciativa foi de Tim Berners-Lee, o “pai da web”, e já conta com a assinatura de Google, Facebook, e até do Governo francês. Berners-Lee deixou a mensagem: “O que quer que seja que construas, tenta imaginar as consequênc­ias, e depois planeá-las.” Diz que espera “ver um lugar melhor do que aquele que muitas vezes encontra” na sua própria criação.

Existem maneiras muito eficientes de monetizar a viralidade, mas não a qualidade.

Francament­e, acredito que não é assim tão difícil encontrar uma solução para separar o que é bom daquilo que é mau [na informação]. DAVID PEMSEL CEO do The Guardian

Tem de se repensar o papel dos media que estão sob pressão. ANN METTLER Directora-geral do Centro de Estratégia Política da Comissão Europeia

As leis devem aplicar-se nos países, e não num só formato. JULIAN KING Comissário europeu

É importante saber que as “fake news” estiveram sempre cá. A diferença é a escala. JOHN SAUNDERS CEO Fleishman Hillard

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Reuters O jornalismo é o pilar da democracia e não deve ceder à tentação do “clickbait”, avisou Ana Mettler, directora-geral do Centro de Estratégia Política da Comissão Europeia.
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