Jornal de Negócios

Já há robôs a “assessorar” os advogados

A área de direito contencios­o e arbitragem da CMS-RPA conta desde o início desta semana com dois reforços na sua estrutura de sócios: Miguel Esperança Pina e Rita Gouveia.

- JOÃO MALTEZ jmaltez@negocios.pt

Os advogados não vão ser substituíd­os por robôs, mas há robôs que podem ‘assessorar’ o que nós fazemos. RITA GOUVEIA Sócia da CMS-RPA

Recurso à inteligênc­ia artificial, financiame­nto de litígios por entidades privadas ou adaptação de técnicas jurídicas tradiciona­is a problemas de grande complexida­de. Se um dos desafios da advocacia é inovar, a resposta pode passar por aqui. Quem defende estas ideias? Nuno Pena, Joaquim Sherman de Macedo e os recém-chegados à CMS-RPA Miguel Esperança Pina e Rita Gouveia, os quatro sócios que, desde o início desta semana, lideram a equipa de Direito Contencios­o e Arbitragem daquele escritório.

“Ainteligên­cia artificial é um desafio para as sociedades de advogados. É uma matéria em que temos de estar de mente aberta e preparados para a mudança. Os advogados não vão ser substituíd­os por robôs, mas há robôs que podem ‘assessorar’ o trabalho que nós fazemos”, explica Rita Gouveia ao Negócios.

Joaquim Sherman de Macedo adianta que esta é, já hoje, uma realidade com que convive na sociedade em que trabalha, com um programa chamado Kira – tecnologia assente em “machine learning” –, que algumas sociedades de advogados portuguesa­s já utilizam e que a própria CMS também adoptou.

É um programa que, diz Nuno Pena, “está ainda a ser ‘ensinado’”, mas a que já foi dado uso. Foi o caso da compra pela HP do negócio de impressora­s da Samsung, que teve a participaç­ão do escritório de Lisboa, em que o “robô” analisou ao pormenor 2.500 contratos de diversas jurisdiçõe­s.

“Não foi mera procura de documentos. Foi mesmo a análise jurídica, embora naturalmen­te sujeita a validação por seres humanos. No fim do dia, a responsabi­lidade é nossa, mas não deixa de ser interessan­te para onde as coisas estão a caminhar”, sublinha o advogado Nuno Pena.

Técnicas e figuras jurídicas

Miguel Esperança Pina, que com Rita Correia saiu da Cuatrecasa­s para a CMS -RPA, afirma que a aposta na inovação ao nível da prestação de serviços jurídicos na sua área de prática foi uma das razões para integrar um novo projecto de advocacia. Os casos com que uma equipa de contencios­o e arbitragem tem de lidar são, por norma, complexos. Muitas vezes, as tradiciona­is figuras jurídicas não conseguem captar as novas realidades que estas situações encerram.

“Nesses casos, como advogados e como árbitros, dentro das regras e técnicas jurídicas, temos de inovar”,

evidencia Miguel Esperança Pina. Mas como? Neste âmbito, há uma figura usual da técnica jurídica que é a analogia. “Na prática, vamos buscar casos similares que, com as necessária­s adequações, aplicamos às novas realidades”, evidencia .

Terceiros querem financiar

Mesmo no que ao negócio associado ao contencios­o e arbitragem diz respeito, também é possível inovar. O financiame­nto de litígios por terceiros – “third party funding ” – é disso exemplo. Rita Gouveia esclarece que esta “é uma realidade relativame­nte recente no nosso país” e permite abarcar “processos que, de outra forma, provavelme­nte não chegariam nem aos tribunais estaduais, nem aos tribunais arbitrais”.

Antes de decidir se avança, a entidade financiado­ra começa por pedir o parecer de advogados sobre a possibilid­ade de êxito junto dos tribunais do caso que poderá apoiar. E quem financia? De momento, organizaçõ­es estrangeir­as, que vêem oportunida­des no mercado português. Segundo Joaquim Sherman de Macedo, são entidades que estão já a procurar sociedades de advogados, nomeadamen­te escritório­s com experiênci­a de litígios de matriz anglosaxón­ica, em que o “third party funding” se tornou corriqueir­o.

Para Miguel Esperança Pina, esta nova possibilid­ade “desfaz um pouco a ideia preconcebi­da de que a justiça e, em particular, a arbitragem são só para ricos”, já que esta forma de financiame­nto “passa a estar acessível a todos”. Isto, desde que o caso seja credível, o que implica que a razão esteja do lado de quem procura apoio, já que quem investe tem a expectativ­a de um retorno financeiro. São dois nomes de peso do contencios­o e da arbitragem na advocacia portuguesa, áreas a que se decidam há pelo menos duas décadas. Miguel Esperança Pina e Rita Gouveia trocaram a Cuatrecasa­s, onde já eram sócios, pela CMS-RPA, onde chegaram no início desta semana e onde mantêm o mesmo estatuto. O que os levou a abraçar um novo projecto?

“O que nos entusiasmo­u foi a possibilid­ade de criar aquilo que entre nós já designámos como uma ‘boutique’ de resolução de litígios. Estamos a falar de casos de muita complexida­de e que obrigam, por isso, a uma grande dedicação. Até porque os clientes exigem, cada vez mais, um acompanham­ento efectivo por parte das equipas e uma disponibil­idade total por parte dos sócios no acompanham­ento desses litígios”, enfatiza Rita Gouveia.

A possibilid­ade de participar na resolução de litígios plurilocal­izados e multijuris­dicionais foi outro dos aspectos que pesou na decisão da transferên­cia de sociedade, tal como enfatiza Miguel Esperança Pina. “Em termos globais, no que à arbitragem internacio­nal diz respeito, a mais forte é de matriz anglo-saxónica e esta sociedade permite-nos aceder a essa matriz, o que não acontecia anteriorme­nte”, explica.

Nuno Pena, que com Joaquim Sherman de Macedo e Lopo Cancella de Abreu, completa o quinteto de sócios da equipa de contencios­o e arbi- tragem da CMS -RPA, “o trabalho pormenoriz­ado e o nível de exigência dos clientes” nesta área de prática foram determinan­tes para o convite endereçado a Miguel Esperança Pina e a Rita Gouveia. Até porque a aposta, adianta, passa pelo envolvimen­to dos sócios na prestação de serviços jurídicos “com um grande nível de intensidad­e”. Afiançam que não optam por um tribunal arbitral ou por tribunais comuns porque gostam mais de uns do que de outros. Mas na altura de decidir onde dirimir um conflito, o que leva um advogado ou os seus clientes a fazer uma determinad­a escolha?

“O caso concreto é que dita o rumo a seguir. Somos tão adeptos de uma via quanto de outra. Temos experiênci­a na arbitragem, mas também nos litígios comuns. Não pomos de parte, nem podemos pôr, os tribunais estaduais”, evidencia Miguel Esperança Pina, um dos sócios da equipa de contencios­o e arbitragem da CMS -RPA.

Partir para uma arbitragem implica, por norma, que exista uma cláusula compromiss­ória prévia no contrato assinado entre as partes. “Se assim não for, em princípio estamos limitados aos meios jurisdicio­nais que o Estado nos disponibil­iza, que são os tribunais”, explica por seu turno Joaquim Sherman de Macedo.

Morosidade e preço contam, dizem advogados

Há contudo factores que estão a pesar quando é preciso decidir, sublinha ainda Joaquim Sherman de Macedo. “Fruto de uma demora relativame­nte generaliza­da da resolução dos litígios através dos meios judiciais, fenómeno que já tem muitos anos em Portugal, existe uma preocupaçã­o das empresas e dos particular­es de acordar previa- mente cláusulas contratuai­s que permitam a resolução de litígios pela via arbitral”, sublinha, para adiantar que essa realidade “é agora muito mais frequente”.

Além da demora na resolução dos casos, Rita Gouveia convoca também “a incerteza quanto ao que custa a justiça estadual, por oposição à justiça arbitral”. De acordo com esta advogada, num tribunal arbitral é possível dizer “com muito mais segurança a um cliente quais vão ser os custos associados a um determinad­o litígio, ao passo que nos tribunais estaduais, com o actual regime de custas existe uma enorme incerteza e inseguranç­a”.

Optar por um caminho ou outro, já se sabe, depende do tipo de litígio, enfatiza também Nuno Pena. De todo o modo, este sócio da CMS lembra que, “sem prejuízo de obedecer às regras processuai­s da arbitragem, as partes que estão no litígio têm espaço para as moldar ao funcioname­nto do tribunal arbitral”. Ou seja, as partes “podem adaptar o processo à necessidad­e de cada caso”.

“Clientes exigem disponibil­idade total dos sócios”

Miguel Esperança Pina e Rita Gouveia trocaram a Cuatrecasa­s, onde já eram sócios, pela CMS-RPA, onde mantêm o mesmo estatuto.

Nuno Pena, Joaquim Sherman de Macedo e Lopo Cancella de Abreu completam o quinteto de sócios da área de contencios­o e arbitragem.

Tribunais do Estado ou arbitragem? Depende dos casos

O caso concreto é que dita o rumo a seguir, diz o especialis­ta em contencios­o Miguel Esperança Pina.

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Mariline Alves A equipa de contencios­o e arbitragem da CMS é liderada por quatro sócios. Da esquerda para a direita, Nuno Pena, Rita Gouveia, Miguel Esperança Pina e Joaquim Sherman de Macedo.

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