Alerta democrático
Não são as armas nem os tanques. A maior ameaça à democracia está dentro da nossa cabeça, quando a damos por adquirida. E é isso que se passa com a liberdade de imprensa, um dos pilares fundamentais da democracia. Para o tempo de vida da minha geração, nunca esteve tão ameaçada. Ainda esta quinta-feira assistiu-se a mais um ataque de Trump à imprensa. Recusou as perguntas de um repórter da CNN, que acabou expulso da Casa Branca. É só mais um caso e insere-se na estratégia do Presidente norte-americano de marginalizar e descredibilizar os meios de comunicação social mais críticos. É uma escola, que ganhou um adepto de peso no Brasil. Tanto Trump como Bolsonaro defendem a liberdade de imprensa em abstracto, ao mesmo tempo que fazem ataques cirúrgicos aos títulos que consideram inimigos da nação. Sempre houve governantes assim e estes não são casos únicos, mas Trump inaugurou um estilo mais sofisticado, que Bolsonaro segue à risca: refugiam-se na opacidade das redes sociais, através das quais emitem as suas posições ao abrigo do contraditório e sem perguntas incómodas. Aí, nem sequer têm o trabalho de mandar calar os jornalistas. Uma mentira lançada pelo Twitter, Facebook ou, melhor ainda, pelo Whatsapp tem uma vida mais longa do que se for comunicada aos meios de comunicação social que têm a obrigação – embora nem sempre o façam – de verificar a informação que divulgam. Por outro lado, ao contrário dos jornais, as redes sociais dão aos seus leitores aquilo que eles querem ler e que reforçam as convicções das bolhas virtuais em que vivem. Acresce que a informação partilhada pelas redes sociais é gratuita, ao passo que a dos jornais é cada vez mais paga. E é paga porque os jornais perderam aquela que era, na maior parte dos casos, a sua principal fonte de receita – a publicidade. Porém, a receita que recebem dos leitores é muito inferior à que antes obtinham pela publicidade, o que tem obrigado os jornais a reduzirem a dimensão das suas redacções, em meios humanos, técnicos e gastos em geral. Num país pequeno e sem hábitos de leitura enraizados como Portugal, as consequências desta crise são ainda maiores. Mas as receitas de publicidade não desapareceram. Antes foram deslocadas para as redes sociais, que vampirizam os conteúdos de jornais e televisões e escapam escandalosamente ao Fisco, no que se configura como mais uma ilegítima vantagem na concorrência de mercado. É preciso perceber que esta não é uma simples crise sectorial. É uma ameaça directa à democracia tal como a conhecemos em Portugal há mais de 40 anos. A relação entre meios de comunicação social e redes sociais precisa de ser reequilibrada. O silêncio de todas as forças políticas sobre este assunto é um mistério inquietante. Felizmente, no caso português, ainda vamos a tempo de mudar.