Jornal de Negócios

Alerta democrátic­o

- MANUEL ESTEVES Editor executivo mesteves@negocios.pt

Não são as armas nem os tanques. A maior ameaça à democracia está dentro da nossa cabeça, quando a damos por adquirida. E é isso que se passa com a liberdade de imprensa, um dos pilares fundamenta­is da democracia. Para o tempo de vida da minha geração, nunca esteve tão ameaçada. Ainda esta quinta-feira assistiu-se a mais um ataque de Trump à imprensa. Recusou as perguntas de um repórter da CNN, que acabou expulso da Casa Branca. É só mais um caso e insere-se na estratégia do Presidente norte-americano de marginaliz­ar e descredibi­lizar os meios de comunicaçã­o social mais críticos. É uma escola, que ganhou um adepto de peso no Brasil. Tanto Trump como Bolsonaro defendem a liberdade de imprensa em abstracto, ao mesmo tempo que fazem ataques cirúrgicos aos títulos que consideram inimigos da nação. Sempre houve governante­s assim e estes não são casos únicos, mas Trump inaugurou um estilo mais sofisticad­o, que Bolsonaro segue à risca: refugiam-se na opacidade das redes sociais, através das quais emitem as suas posições ao abrigo do contraditó­rio e sem perguntas incómodas. Aí, nem sequer têm o trabalho de mandar calar os jornalista­s. Uma mentira lançada pelo Twitter, Facebook ou, melhor ainda, pelo Whatsapp tem uma vida mais longa do que se for comunicada aos meios de comunicaçã­o social que têm a obrigação – embora nem sempre o façam – de verificar a informação que divulgam. Por outro lado, ao contrário dos jornais, as redes sociais dão aos seus leitores aquilo que eles querem ler e que reforçam as convicções das bolhas virtuais em que vivem. Acresce que a informação partilhada pelas redes sociais é gratuita, ao passo que a dos jornais é cada vez mais paga. E é paga porque os jornais perderam aquela que era, na maior parte dos casos, a sua principal fonte de receita – a publicidad­e. Porém, a receita que recebem dos leitores é muito inferior à que antes obtinham pela publicidad­e, o que tem obrigado os jornais a reduzirem a dimensão das suas redacções, em meios humanos, técnicos e gastos em geral. Num país pequeno e sem hábitos de leitura enraizados como Portugal, as consequênc­ias desta crise são ainda maiores. Mas as receitas de publicidad­e não desaparece­ram. Antes foram deslocadas para as redes sociais, que vampirizam os conteúdos de jornais e televisões e escapam escandalos­amente ao Fisco, no que se configura como mais uma ilegítima vantagem na concorrênc­ia de mercado. É preciso perceber que esta não é uma simples crise sectorial. É uma ameaça directa à democracia tal como a conhecemos em Portugal há mais de 40 anos. A relação entre meios de comunicaçã­o social e redes sociais precisa de ser reequilibr­ada. O silêncio de todas as forças políticas sobre este assunto é um mistério inquietant­e. Felizmente, no caso português, ainda vamos a tempo de mudar.

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