O futuro está nas mãos dos bancos: inovar ou “morrer”
A banca tem de garantir que não fica para trás no processo de digitalização. O sector terá de investir e de alterar o modelo de negócio se quiser sobreviver à pressão imposta pela concorrência dos novos “players”, sejam fintech ou gigantes tecnológicas.
Inovar, inovar, inovar. Esta foi a palavra de ordem no Web Summit quando se juntaram, no palco, fintechs e bancos. Tanto os chamados “challengers” como as instituições financeiras concordam que a banca tradicional tem de acelerar no processo de digitalização se quiser sobreviver à chegada de novos “players”. Caso contrário, a “morte” é certa.
“Os bancos têm de se adaptar às plataformas ou vão morrer devido à elevada pressão da disrupção na banca”, afirmou Ross Mason, fundador da MuleSoft. O responsável da empresa de software com sede em São Francisco, Califórnia, disse que isto acontece porque “o dinheiro se tornou digital” e o sector não acompanhou esta transformação.
“Os bancos ou se adaptam ou vão desaparecer. E os que se adaptarem até podem crescer, mas não vão ficar mais poderosos, isto porque o mercado vai crescer e a sua influência vai diminuir. Mas não há problema”, defendeu Steven Nerayoff, fundador e CEO da Alchemist, mas também responsável pela criação da moeda digital ethereum.
Agora falta saber como e quando é que os bancos vão responder a esta pressão. Para Claire Calmejane, CIO (“chiefinnovation officer”) do Société Générale, esta “viagem ainda está a começar”. Mas concorda que os bancos têm de pôr o pé no acelerador para chegarem rapidamente ao objectivo de se focarem na vontade e interesse dos clientes para que consigam manter os antigos e captar novos.
“O desafio é perceber como avançamos mais, como encontramos as melhores propostas [por parte das fintechs] e como trabalhamos juntos. Mas também a forma como olhamos para as necessidades dos clientes, independentemente de sermos uma start-up ou um banco grande”, defendeu Clai-
re Calmejane perante a audiência na MoneyConf, um dos palcos da cimeira de tecnologia.
A resposta parece estar exactamente nas entidades que podem ser vistas como uma ameaça: as fintechs. “As plataformas permitem que os bancos se movam muito mais depressa e se coloquem na arena digital”, salientou Ross Mason, da MuleSoft.
Contudo, esta relação entre as fintechs e os bancos vai “depender da postura de ambos os lados”, segundo Filipe Veiga, fundador e CEO da portuguesa WallID. A “bola” está sobretudo do lado da banca. Para o responsável, este novo paradigma pode tornar-se numa ameaça para as instituições financeiras se estas se “mantiverem, enquanto negócio centralizado, apenas com moedas emitidas por governos”.
Como revelou um estudo recente da Roland Berger, noticiado pelo Negócios, a banca portuguesa “ainda está a aquecer na corrida da digitalização”. De acordo com a consultora estratégica alemã, esta transformação é uma prioridade, mas ainda não é uma realidade no sector nacional, contraindo o que está a acontecer na generalidade do sector europeu. Os bancos portugueses continuam muito atrás dos pares em áreas como blockchain e inteligência artificial, como referiu a consultora.
Inovar, mas continuar a cumprir metas
Na Europa, os bancos estão, passo a passo, a preparar-se para esta nova realidade, adoptando estratégias e apostando em parcerias com fintechs ou mesmo em aquisições, de maneira a conseguirem acompanhar esta nova onda tecnológica. Mas este processo não vai ser barato para o sector financeiro.
“Terão de investir bastante, muitos milhões, para recuperarem o tempo perdido”, disse Renato Oliveira, CEO de uma outra fintech portuguesa, a EbankIT. Os bancos “pararam o investimento nos últimos dez anos, o que os obriga agora a acelerar”.
Mas o desafio é apostar na tecnologia sem pôr em causa as suas metas financeiras. “Os bancos sabem que têm de disromper-se, mas também que têm de cumprir as metas de Wall Street”, referiu Janet Bannister, partner da Real Ventures.
Para Claire Calmejane, do Société Générale, a questão é mais profunda e ultrapassa a vertente tecnológica. “Não pode ser apenas uma questão de tecnologia, mas sim de [mudança] do modelo de negócio como um todo”, defendeu a responsável, garantindo que o banco francês já está a adoptar medidas para se adaptar, nomeadamente através da compra de empresas como a fintech francesa Treezor.
A resposta também pode ser encontrada junto dos próprios clientes. De acordo com Wim Mijs, presidente da Federação Bancária Europeia, “são os clientes que podem ajudar os bancos a mudar a forma como trabalham”, uma vez que as suas expectativas relativamente à banca estão a mudar.
Para Renato Oliveira, da EbankIT, a banca tem de ir “ao encontro do que os clientes querem”, numa altura em que fintechs como a Revolut começam a dar crédito. Já Michael Schlein, CEO da Accion, defendeu que a “banca tem de deixar de ser lenta e passar a ser instantânea no telemóvel”.
“Não tenho dúvidas de que daqui a cinco anos vamos ter uma banca completamente diferente e as plataformas serão essenciais”, referiu ainda Wim Mijs num dos muitos painéis que abordaram o tema.
Regras iguais para todos
Apesar de os bancos e as fintechs parecerem estar a encontrar um equilíbrio, há ainda uma questão que continua a criar tensão nesta relação. Desde o início que as instituições financeiras pedem que estes novos “players” sigam as mesmas regras do jogo, ou seja, que a regulação seja igual para ambos. Mas até agora poucas medidas foram adoptadas neste sentido.
“É fundamental que a banca tradicional e uma fintech tenham exactamente a mesma regulação. O Banco de Portugal terá de ter as mesmas regras para todos”, defendeu Renato Oliveira, CEO da portuguesa EbankIT. “Não pode ter regras mais pesadas para a banca tradicional e ter empresas internacionais a instalarem-se em Portugal com outro tipo de regras”, acrescentou.
“As regras estão a ser cada vez mais trabalhadas”, referiu ainda o responsável da fintech, notando que o regulador está em contacto com o sector para “perceber exactamente o que vai aparecer a nível de inovações que obriga claramente a pensar no modelo regulatório”.
Os bancos têm de se adaptar ou vão morrer devido à elevada pressão da disrupção na banca.
ROSS MASON
Fundador da MuleSoft
Não pode ser apenas uma questão de tecnologia, mas sim de [mudança] do modelo de negócio.
CLAIRE CALMEJANE
CIO do Société Générale
Os bancos sabem que têm de disromper-se, mas também que têm de cumprir as metas de Wall Street.
JANET BANNISTER
Partner da Real Ventures
A banca tem de deixar de ser lenta e passar a ser instantânea no telemóvel.
MICHAEL SCHLEIN
CEO da Accion
Os clientes podem ajudar os bancos a mudarem a forma como trabalham.
WIM MIJS
Presidente da Federação Bancária Europeia