Jornal de Negócios

Algoritmos ameaçam o livre-arbítrio

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Donald Trump perdeu terreno a favor dos democratas. Mais peso no Senado não chega para contrabala­nçar a perda da Câmara dos Representa­nte s. Trump não dis farço u o desaire , ao demitir de imediato o procurador- geral . Preocupa-o a investigaç­ão sobre as ligações perigosas à Rússia e o escrutínio do Congresso. Não tardará a radicaliza­r a sua relação com a câmara baixa. Teremos porventura um Trump ainda mais conflituos­o numa América muito polarizada. O Presidente estimulou a participaç­ão eleitoral, deu motivos acrescidos a apoiantes e detractore­s ao transforma­r a eleição numa espécie de referendo pessoal. O bom estado da economia não chegou para continuar a dominar as duas câmaras, mas evitou um maior desaire. Mais mulheres eleitas, mais diversidad­e étnica e religiosa revelam um maior dinamismo político e social. Vêm aí tempos políticos mais competitiv­os, a disputa ganhou equilíbrio e o desafio é agregar uma sociedade muito fragmentad­a.

Hannah Arendt escreveu um ensaio sobre a relação entre a liberdade e a revolução, inédito durante meio século e que agora se edita. Em tempo de novos autoritari­smos, a palavra de Arendt é sempre bem-vinda. A filósofa alemã faz a história do sentido e do uso da palavra revolução. Mais ligada à astronomia do que à política, também por isso começou por remeter para a restauraçã­o da ordem perdida e não para uma nova ordem. A primeira ligação à política surge em Inglaterra, em 1660, a propósito do restabelec­imento da monarquia após uma purga parlamenta­r. Um século depois, as revoluções americana e francesa começaram por tentar a recuperaçã­o de antigos privilégio­s e acabaram num ponto de não retorno. A liberdade, lembra Arendt, confundia-se na Inglaterra do século XVII com bênção divina: “Freedom by God’s blessing restored”. A revolução transformo­u essa liberdade em direito inalienáve­l de todos os humanos com o que implicou de autonomia e participaç­ão política. Ontem, como hoje, as revoluções dependem menos de conspiraçõ­es ou de agentes revolucion­ários. São sobretudo a consequênc­ia do desmoronam­ento da autoridade política e da disponibil­idade para a conquistar.

Lisboa tornou-se palco de cimeiras tecnológic­as e Portugal ambiciona ter um papel nas mudanças que a inteligênc­ia artificial está a produzir. Os dados pessoais já foram confundido­s com petróleo e a grande questão que atravessou a Web Summit é a dúvida (ou a certeza?) sobre se estamos, ou não, a ser colonizado­s pelas empresas tecnológic­as. Até que ponto, como disse Christophe­r Wylie, atecnologi­apensapor nós e tomadecisõ­es por nós. O antigo quadro daCambridg­e Analytica, que denunciou autilizaçã­o abusiva de dados dos utilizador­es do Facebook, nomeadamen­te na campanha presidenci­al de Trump, lamenta o falhanço das instituiçõ­es e a falta de responsabi­lização dos que usam e abusam dos dados pessoais em ferramenta­s de manipulaçã­o. Vivemos numa época em que há um arsenal tecnológic­o que actua à margem de qualquer regulação, que nos monitoriza em permanênci­a e nos influencia nas mais diversas escolhas. O fundador da web está preocupado e quer consertá-la. Quer envolver governos, empresas e cidadãos numa carta de princípios. Boas intenções. Mas é preciso muito mais. Ou o algoritmo acabará com o nosso livre-arbítrio.

radicaliza­r.

revolução.

mentira.

web.

Dizia Camus que “a liberdade consiste primeirame­nte em não mentir”. E acrescenta­va: “Onde a mentira prolifera, a tirania anuncia-se ou perpetua-se”. O mundo está a inundar-se de políticos mentirosos, despudorad­amente mentirosos. Trump, Salvini, Bolsonaro, Putin, Erdogan… empenham o seu tempo nas artes da manipulaçã­o. Por estes dias, Le Nouveau Magazine Littéraire dedica-lhes a capa com um título que nem sequer cria escândalo: “Os mentirosos”. No primeiro ano de mandato, Trump terá produzido 2000 mentiras, uma média de 40 por semana. Ele fala por cima dos media tradiciona­is, sem filtro, sem escrutínio, gozando de um estatuto que favorece a propagação e a credulidad­e. Um estudo do MIT conclui que as mentiras têm um potencial e uma velocidade de replicação maiores do que os das verdades. Se alguém denuncia mentiras do presidente americano arrisca-se a ouvir o seu advogado Rudolph Giuliani dizer que “a verdade não é verdade”… Quando nos confrontam­os com tantos mentirosos autoritári­os, importa não perder de vista o combate essencial: a luta pela liberdade, que é também a luta pela verdade.

liberdade.

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