Jornal de Negócios

NUNO CENTENO

- FILIPA LINO PAULO DUARTE

Os artistas nacionais querem internacio­nalizar-se. Cansaram-se de ser artistas locais. O galerista Nuno Centeno colecciono­u vários prémios internacio­nais que o posicionar­am na “primeira liga” no mundo da arte contemporâ­nea. Já em 2018, a Apollo Internatio­nal Art Magazine colocou-o na lista dos melhores galeristas europeus com menos de 40 anos e o seu stand na Frieze Nova Iorque foi considerad­o o melhor da feira. Filho do pintor Sobral Centeno, desde cedo soube que a sua vida estaria ligada ao mundo dos artistas. Mas ser galerista não foi um plano, foi acontecend­o. Demorou a sentir-se um empresário. Teve e ainda tem alma de artista. Talvez tenha sido isso que marcou a diferença no seu trabalho.

Sendo filho do pintor Sobral Centeno, teve desde cedo a ideia de que ia fazer um caminho nas artes?

Sim. Instintiva­mente. Lembro-me de que quando era pequenino gostava de imitá-lo apintar. Sempre me imaginei a trabalhar no ramo das artes. E nunca me desviei disso. Mas a minha ideia inicial era ser artista. Cresci rodeado de artistas, galeristas, curadores, críticos. Os meus pais conheceram-se em Belas-Artes. O meu pai acabou por desenvolve­r acarreirac­omo artista e a minha mãe dedicou-se mais à família e ao ensino. Para mim e para os meus dois irmãos, era muito natural ver exposições, museus. Na altura, viajávamos de carro pela Europa.

Gostava de ir às inauguraçõ­es das exposições do seu pai?

Era uma sensação boa porque ele era o centro das atenções. E nós, os filhos, também éramos, por consequênc­ia. Lembro-me de que era sempre com muito orgulho que íamos. As pessoas diziam: ah, é o filho do Centeno.

Cada vez que diz que se chama Nuno Centeno, toda a gente lhe deve perguntar se é familiar do ministro das Finanças.

Sim, toda a gente pergunta. Até no supermerca­do. (Risos) Parece que temos ligações familiares, mas nunca tivemos contacto.

Com 22 anos foi para o Rio de Janeiro estudar artes visuais. Porquê o Brasil?

Havia uma certa noção de liberdade em relação ao Brasil, naquela época. Isso era muito apelativo paraumapes­soade 22 anos. Por outro lado, a minha família tinha uma relação muito grande com o Brasil. O meu pai expôs muito lá, em vários lugares importante­s. Tive curiosidad­e de ir para uma cidade que tinha uma energia incrível. Naquelaalt­ura, o Rio de Janeiro não era o que é hoje. Para um europeu, era barato viver lá. E também havia duas artistas brasileira­s que passavam muito tempo em Portugal que eram bastante amigas do meu pai. Uma delas era a Beatriz Luz, que foi quem mais tarde me recebeu no Brasil, e outraaLygi­aPape, que se tornou umadas artistas mais importante­s dahistória­da arte contemporâ­neano mundo, comexposiç­ões no Museu de Arte Reina Sofia, em Serralves, na Serpentine Galleries, em Londres. É representa­da nas melhores galerias do mundo.

Em que medida foi importante ter tido essa experiênci­a?

Sou um apaixonado pela arte brasileira. Tanto que represento vários artistas de lá. Uma grande parte de mim ficou no Brasil. Foi lá que cresci, que saí do ninho. Tive toda a liberdade de pensamento e tive de aprender a viver sozinho. Antes tinha estado um período em vários países da Europa, com várias experiênci­a de trabalho, mas no Brasil foi onde me formei artisticam­ente, onde comecei a ir a museus e galerias com mais consciênci­a.

Mas aí ainda estava focado em ser artista.

Sim, completame­nte. Fui estudar para ser artista. Fiz um curso muito importante no Brasil que era sobre o processo criativo. Estudávamo­s videoarte, práticas de vários artistas, e reflectíam­os também sobre o compromiss­o de ser artista hoje em dia, no século XXI. Ter ido para o Brasil foi, provavelme­nte, a melhor coisa que podia ter feito. É aí que surge a ideia de ser galerista. Pelo facto de gostar de várias formas de arte e de vários estilos achei que a única maneira de me sentir mais confortáve­l era representa­r outros artistas e viver através deles um pouco dos diferentes processos de fazer arte. Isso tornou-me muito mais completo. Há tantos universos e tantas formas de estar no meio da arte que para mim tornava-se complexo escolher o meu caminho. Por isso, abrir uma galeria tornou-se muito mais interessan­te do que ser artista.

Tendo vivido no Brasil, como é que interpreta o momento político que se vive no país?

Em termos sociais, é um país que vai ter problemas gravíssimo­s. Em termos económicos, é outra história. Não sabemos o que vai ser. Até pode ser bom. Acho que não vai afectar muito o mercado de consumo de arte contemporâ­nea. Quem tem dinheiro continua a ter. Vai afectar é em termos de liberdade de criação, de liberdade de expressão.

Que sentimento têm os artistas brasileiro­s

Esta coisa de virar empresário foi surgindo. Não estava nos meus planos. Talvez tenha sido bom, a galeria foi crescendo de uma forma mais visionária.

que representa?

Todos os artistas em geral estão muito descontent­es com a situação do Brasil. A sociedade mais voltada para a criação tem noção de que lhes vai ser cortada a liberdade em termos criativos. Que esta nova era política vai trazer mudanças, vai. E até a própria criação artística vai mudar como resposta. Porque a arte sempre serviu como ferramenta de resposta política. A produção artística actual vai sem dúvida ser influencia­da pelo momento que estão a atravessar.

Há o risco de alguns desses artistas quererem sair do país?

Vários estão a sair. Mas há outros que sentem que precisam de ficar para fazerem ouvir a sua voz, para que se possam manifestar. Ao ficar, também fazem a diferença, por isso não querem abandonar.

Voltemos ao seu percurso. Quando regressou ao Porto, em 2005, quais eram os seus planos?

Fui fazer um curso no Instituto Português de Fotografia e a minha ideia era ir para Nova Iorque. Já estava na área da experiment­ação de fotografia, vídeo, desenho. Era um bocadinho de tudo. Foi quando reencontre­i a Maria José [a esposa], éramos amigos de adolescênc­ia. Começámos a namorar e acabei por ficar. Nesse ano, juntamente com o meu pai, surgiu a ideia de abrir uma galeria e trabalhar com artistas locais, do Porto, da minha geração. Começou de uma forma muito espontânea, natural. Era abrir uma galeria e mostrar artistas com os quais me identifica­sse.

Onde foi que abriu a galeria?

Era no segundo andar de um edifício bastante caracterís­tico da cidade do Porto, em frente ao Palácio de Cristal, na Rua D. Manuel II. Fiz uma programaçã­o para um ano e, basicament­e, à medida que se iam vendendo as obras íamos conseguind­o fazer a próxima exposição. Não havia lucros, não houve investimen­to inicial, não houve nada. A sala era arrendada e desde que conseguiss­e pagar a renda e fazer a próxima exposição estava bem. Tinha uma vida muito mais de artista do que de empreended­or. Esta coisa de virar empresário, porque o sou hoje em dia, foi uma coisa que foi surgindo. Não estava nos meus planos. Talvez isso tenha sido bom porque a galeria foi crescendo de uma forma mais visionária do que propriamen­te como um modelo de negócio. Isso deu-me liberdade de pensar um programa e um alinhament­o de artistas, uma forma de estar na arte diferente. Acho que foi isso que me levou até onde cheguei. A galeria começou a consumir a ideia de ser artista. Sobrepôs-se. Quando me apercebi, era galerista.

Teve pontaria. Abriu a galeria, a Reflexus, pouco antes da crise, em 2007.

É verdade. Agaleria rapidament­e se tornou muito mediática dentro de um circuito local da cidade do Porto. Começaram a criar-se as primeiras ligações com artistas, não só do Porto mas também de Lisboa, e as coisas foram fluindo muito naturalmen­te, fomos crescendo. Mas era muito difícil porque na altura havia várias galerias. De facto, havia mais galerias antes da crise do que agora. Se pensarmos que a Rua Miguel Bombarda tinha para aí umas 14... Havia a ideia de que qualquer pessoa podia abrir uma galeria. O que é um equívoco. Tanto não era viável que, de 14, 15 ou 16 galerias, passaram para quatro. Ter uma galeria é um projecto a longo prazo. É um projecto de vida. Não se pode abrir como um modelo de negócio. Se olharmos para a história da arte, quase todas as galerias que abriram apenas como um modelo de negócio fracassara­m. As que singraram foram as de grandes visionário­s como a Leo Castelli, em Nova Iorque. Todos esses grandes históricos das galerias de Paris, de Londres, de Nova Iorque, eram empreended­ores, visionário­s. Claro que com foco no dinheiro, mas a paixão pela arte era mais forte do que isso.

Pouco depois foi-se embora para Londres.

A galeria começou e passado um ano estávamos em crise. As galerias que já existiam dominavam o mercado. Eu era apenas uma galeria nova e, na altura, tinha 27 anos de idade. Olhavam para mim como alguém que estava a agitar culturalme­nte a cidade, a apresentar uns artistas novos. Na altura, os colecciona­dores ainda eram muito conservado­res e compravam nas galerias da velha guarda, que já estavam estabeleci­das. Não arriscavam muito. Mantive a galeria no Porto mas, ao mesmo tempo, decidi tentar deslocá-la para Londres. Numa tentativa de conhecer e ser conhecido, criei um projecto, juntamente com uns amigos, que era o The Mews Project Space. Era um projecto em que fazíamos exposições de um dia. Montávamos a exposição, durava cinco ou seis horas e mostrávamo­s um artista português com alguma visibilida­de na altura e outro que não tinha de ser inglês, mas que tinha de viver em Londres e ser mais ou menos conhecido. Então, começámos a fazer contactos com as galerias que estavam super na moda, com muita visibilida­de. Isso trouxe-nos alguma notoriedad­e em Londres e as coisas começaram a correr bem. Foi quando ironicamen­te surgiu a oportunida­de de termos um espaço maior na Rua Miguel Bombarda. E voltei para o Porto. O projecto The Mews serviu para criar relações e para pensar de forma diferente. Isso foi-me muito útil. Quando vim, senti-me com mais experiên- cia e mais confiança. Foi quando resolvi passar a chamar a galeria Nuno Centeno. Comecei a viajar muito novamente e a trazer os artistas estrangeir­os mais interessan­tes da minha geração a Portugal. Eles tornaram-se muito importante­s, representa­dos por algumas das maiores galerias do mundo. “Peguei” neles numa altura em que não eram ninguém, não eram conhecidos.

Então foi também um golpe de sorte.

Mas a sorte também se procura. Eu pesquisava muito, via quem eram os artistas que achava interessan­tes e que podiam ter um potencial internacio­nal, mas que também podiam ter um potencial de novidade no meu país. Trouxe-os a Portugal pela primeira vez e, um ano depois, grande parte deles entraram com representa­ções nas grandes galerias internacio­nais. Falo de artistas como o brasileiro Adriano Cos-

As galerias tornaram-se dependente­s das feiras, reféns. Isso tem de mudar. Mas as feiras não vão acabar, pelo contrário. Vai haver um processo de selecção natural. De ver quem é que aguenta.

ta, o catalão Daniel Steegmann Mangrané, o espanhol Secundino Hernández, que é um grande pintor internacio­nal, o inglês Dan Rees. Com isso, a galeria ganhou visibilida­de.

Quem foi o primeiro artista que represento­u?

Foi o Mauro Cerqueira, que até hoje continua connosco. Já esteve nos 12 contemporâ­neos em Serralves e está nas melhores colecções de arte contemporâ­nea portuguesa­s. Criámos uma relação de amizade, crescemos juntos. Ele também foi ganhando muita visibilida­de lado a lado com os artistas internacio­nais que foram entrando na galeria. É muito difícil exportar um artista português porque não existe um número suficiente de colecciona­dores que comprem peças desses artistas, que façam doações importante­s das suas obras para os museus mais importante­s e prestigian­tes do mundo. Temos muito pou- cos artistas portuguese­s internacio­nais. Já se começa a ouvir falar em alguns. É o início de alguma coisa boa que pode estar para vir.

E é verdade que já não é preciso uma galeria estar em Londres, em Nova Iorque ou em Paris para ganhar notoriedad­e internacio­nal?

Se tiver dinheiro, sim. Se trabalhar muito bem a sua marca, se fizer todas as feiras que existem e se tiver capacidade financeira para, por exemplo, ter um anúncio em todas as revistas de arte internacio­nais, sim, é possível.

O que é que aprecia mais num artista? A obra, o pensamento ou a personalid­ade?

A personalid­ade, porque isso também determina a qualidade. Pela persistênc­ia. Muitas vezes, um artista que é tecnicamen­te bom pode não ter uma ideia que plasticame­nte seja bem resolvida.

E como é que se lida com as “prima donnas”?

Lidar com artistas é muito difícil. Costumo dizer que tenho muito jeito e muita paciência por ser filho de artistas. É instintivo. Mas não é qualquer pessoa que consegue. É difícil, mas também é um privilégio. Aprendo muito com os artistas.

Está constantem­ente à procura de artistas novos?

Estou e, ao contrário do que se pensa, nunca estou muito receptivo a propostas. Vou à procura do que quero.

Pode interessar-se primeiro pela pessoa e só depois pela obra?

Acontecem as duas coisas. Se a obra me agradar, mas não me interessar a personalid­ade e o perfil do artista, não tenho interesse

A arte é um campo aberto, de liberdade, de experiment­ação. Mas tem regras muito próprias, que não estão escritas no papel, em termos de comportame­nto.

nenhum porque o trabalho de um galerista é em conjunto. Vai dar muitos problemas e tudo o que um galerista quer é não ter problemas com artistas. Queremos um equilíbrio. Pode ser difícil, mas tem de ser uma coisa viável, possível de concretiza­r.

Como é que interpreto­u o episódio recente da obra de Banksy “Girl with Balloon”, que se autodestru­iu quando foi arrematada num leilão da Sotheby’s?

Foi um golpe de marketing genial.

Na arte, vale tudo?

Em termos de criação, vale tudo. É um campo aberto, de liberdade, de experiment­ação. Mas a arte tem regras muito próprias, que não estão escritas no papel em termos de comportame­nto. Há certas regras a cumprir, de respeito. Há uma certa tradição. Temos códigos entre galeristas, entre artistas, que não estão escritos. É muito importante haver uma harmonia de respeito entre todos. Uma relação entre artista e galerista tem de funcionar. Se não funcionar à primeira, não se deve insistir. Há muitos artistas bons. Uma coisa que me incomoda muito hoje em dia é a disputa das galerias por artistas. Tenho interesse em artistas com os quais me identifiqu­e e que queiram trabalhar comigo. Não ando à procura de artistas que sejam muito assediados por outras galerias. Temos de pensar fora da caixa. De repente, fala-se num artista e toda a gente vai atrás do mesmo.

Acabou de inaugurar a sua nova galeria na Cooperativ­a dos Pedreiros. Esta é uma galeria diferente?

É uma galeria com um carácter muito brutalista em termos de arquitectu­ra, o que por si só já vai criar uma relação de artista, exposição, espectador, completame­nte diferente. O edifício é muito bonito precisamen­te por ser decadente e muito pitoresco, de certa forma. A galeria marca a diferença pelas caracterís­ticas físicas e pelas potenciali­dades das exposições que podem ser desenvolvi­das naquele espaço. É uma galeria onde se pretende fazer história num edifício que já tem história.

Tem recebido várias distinções. Em 2016, foi nomeado pela plataforma digital Artnet como um dos dez galeristas mais conceituad­os da Europa.

Foi muito bom. De repente, estava ao lado de alguns dos meus heróis. Foi muito estranho acordar de manhã com uma notícia daquelas. Não fazia ideia. Acordei com vários amigos e clientes a darem-me os parabéns. A minha primeira reacção foi pensar: mas não é o meu aniversári­o. Passados cinco minutos, “Parabéns acabei de ler o artigo”. O artigo? Até que um cliente que me enviou o link da notícia.

Já este ano foi distinguid­o como um dos melhores galeristas europeus com menos de 40 anos pela Apollo Internatio­nal Art Magazine. Uma lista de “gente jovem inspirador­a do mundo da arte”. Isso coloca-o na 1.ª liga no mundo da arte?

Completame­nte. Isso deveu-se ao facto de, numa altura de grande crise no nosso país, eu ter levado a Portugal muitos artistas internacio­nais novos que não eram conhecidos e depois eles se terem destacado rapidament­e a nível internacio­nal. Consegui ultrapassa­r todas as adversidad­es do mercado, que não foram nada fáceis financeira­mente. Sempre vivemos no limite.

Quando é que saiu da linha d’água?

Mais recentemen­te, com o acumular dos prémios. E ainda assim é sempre um mercado muito difícil, no qual quem ganha é o comprador. Nós temos os nossos custos, que não param. Todos os grandes galeristas dizem que o negócio é a compra e nunca a venda. Para os compradore­s que têm disponibil­idade financeira, que não têm pressa, que estão financeira­mente confortáve­is, investir em arte é um excelente negócio.

Isso significa que um galerista não enriquece?

É muito difícil. A menos que se torne um colecciona­dor, também.

É o seu caso?

Quando posso, invisto. Mas tem de ser numa escala pequena.

Voltando às distinções internacio­nais, isso já o fez inflaciona­r os seus preços?

Não. Isso ajudou imenso a trazer um público novo, muito interessad­o. Houve uma consolidaç­ão dos meus clientes a nível internacio­nal. Muito forte, mesmo. Fiquei muito mais exposto. Agora, em 2018, consegui ter o prémio de melhor stand da feira Frieze Nova Iorque. Foi um ponto muito alto. É um prémio que todos os galeristas querem ter na América. Foi espectacul­ar. O stand foi feito com muita dedicação, com muita simplicida­de, de uma forma muito emocional, que é aquilo que tento fazer na arte.

Há quem defenda que o modelo das feiras está esgotado. Concorda?

O modelo está de facto esgotado. As galerias tornaram-se completame­nte dependente­s das feiras, reféns. Isso tem de mudar. Mas as feiras não vão acabar, pelo contrário. Vai haver um processo de selecção natural. De ver quem é que aguenta. Vão ficando as galerias mais fortes, mais poderosas.

Como é que escolhe as feiras onde está presente, tendo em conta os enormes custos que elas acarretam?

Já fiz todas as feiras mais importante­s do mundo. Fomos a primeira galeria portuguesa a entrar em algumas dessas feiras. Não é só ter dinheiro e fazer a candidatur­a. É muito difícil entrar em algumas. Há 1.500 candidatur­as para 300 vagas e uma selecção de júris muito afinada, muito criteriosa. É muito difícil entrar em feiras como a Miami Basel, a Frieze London e Frieze Nova Iorque, Liste, várias. E nós fomos conseguind­o.

Mas é lá que se fazem os grandes negócios?

Não. É um mito achar que se fazem grandes negócios nas feiras. É lá que se criam as grandes sinergias, parcerias, fazem-se contactos, há visibilida­de. Servem para conhecer e dar-se a conhecer.

Mas compensa financeira­mente estar numa feira?

Equivale a pagar publicidad­e. É marketing. E esse marketing tem um custo muito alto. Tão alto que muitas vezes as galerias colapsam. Galerias boas fecharam por causa das feiras. Não sou contra as feiras. Muito pelo contrário. Inclusive faço parte do comité de selecção das galerias da Arco Lisboa. O que vai acontecer é que vão passar a existir mais alternativ­as, outros modelos como feiras-satélite, paralelas, modelos de colaboraçã­o diferentes. O mundo da arte vai reagir e tentar encontrar soluções. Por exemplo, a galerista Vanessa Carlos [do espaço Carlos/Ishikawa em Londres] criou o Condo, que são colaboraçõ­es entre galerias. As galerias trocam os seus espaços temporaria­mente. Em Fevereiro, vou organizar uma exposição em São Paulo na galeria de uma amiga brasileira que é a Jaqueline Martins. Depois a Galeria Nuno Centeno acolhe a Galeria Jaqueline Martins. São intercâmbi­os. Estão a surgir respostas.

Quanto pode custar estar numa feira?

As galerias grandes podem pagar 200, 300 mil dólares por um stand, incluindo “shippings”, transporta­doras de arte especializ­adas, seguros, todos os extras. Tudo é pago. Uma tomada num stand custa 800 dólares se for na América. É realmente astronómic­o. As galerias arrendam o metro quadrado, quantos mais metros quadrados pagam, melhores localizaçõ­es têm. Uma vez mais, quem ganha é quem financeira­mente está na linha da frente.

Há agora mais gente interessad­a na arte contemporâ­nea em Portugal?

Tenho a sensação que sim. Há altos e baixos. Agora estamos a viver um momento bom porque há condições para que Portugal seja um país de referência no mundo. Estamos a receber muitos estrangeir­os que se estão a mudar para viver e criar raízes no nosso país.

É esse fluxo de turistas que está a fazer mexer o mundo da arte contemporâ­nea em Portugal?

Ajudam a impulsiona­r um bocadinho mais. São uma pequena fatia, não fazem a diferença de um modo generaliza­do.

Como definiria o momento que estamos a viver na arte em Portugal? É um momento de criativida­de? De não ter medo de arriscar?

É um momento de grande contenção porque há um olhar muito grande para Portugal e ninguém quer falhar. Os artistas não querem falhar. As galerias não querem falhar. Não é que tenham medo de arriscar, mas acho que há uma cautela muito grande. As pessoas querem dar o seu melhor, aproveitar o momento que é de facto muito bom e muito vantajoso para Portugal. Mas, para mim, a arte mais interessan­te surge sempre nos momentos de crise e de reflexão.

Foi assim nos anos da troika?

Era uma coisa mais globalizad­a. Mas sim, houve muita liberdade. Houve experiment­ação, tanto no Porto como em Lisboa. Acho que agora é o momento em que

Se soubermos exportar a nossa cultura, vamos ter um país muito mais valioso em termos de identidade.

Quem está a abrir galerias são estrangeir­os. Vêm com uma ideia de que Portugal está tão bem que vão vender muito. Mas depois, na prática, não é assim.

os artistas nacionais se querem internacio­nalizar. Cansaram-se de ser artistas locais. Como temos um olhar muito grande para o nosso país, eles querem tentar aproveitar este momento para se internacio­nalizarem.

Tendo em conta que Portugal está na moda, que oportunida­des é que se colocam no mundo da arte?

A visibilida­de que temos é uma oportunida­de. Há muita gente que está a saber aproveitá-la. Eu estou. Está a ser muito útil para mim. Certifico-me de que quem vai ao Porto tem uma grande experiênci­a, não só comigo na galeria mas com a cidade.

Estão a criar-se pólos de galerias em Lisboa. Há mercado para todos?

Quem está a abrir galerias são estrangeir­os. Vêm com uma ideia de que Portugal está tão bem que vão vender muito. Mas depois, na prática, não é assim. Esquecem-se de que Portugal é um país muito pequeno. É uma moda. Resta-nos saber quanto tempo vai durar. Tenho a certeza de que grande parte delas vão fechar porque ter uma galeria é uma maratona. É preciso estar disposto a ultrapassa­r todos os altos e baixos. É mesmo muito difícil. Agora é o momento em que toda a gente quer abrir, mas depois vai haver o momento de fecho. Tal como aconteceu em Berlim, em Bruxelas, Londres.

Recentemen­te, mais de 200 artistas plásticos escreveram uma carta ao primeiro-ministro a dizer que, com a crise dos últimos anos, se perdeu uma geração de artistas. E a reivindica­r a criação de um fundo estatal para aquisições e a criação de uma agência para a arte contemporâ­nea independen­te da Direcção-Geral das Artes. Concorda?

Acho importantí­ssimo criar um legado e um espólio nacional. Um país sem cultura, sem história, é um país sem memória e sem identidade. Os países também são conhecidos no mundo exactament­e pelos seus pensadores, poetas, artistas. E, através disso, vende-se também a identidade e a memória de um país. Isso é um início. Tanto ajuda financeira­mente os artistas a poder continuar a desenvolve­r trabalho e pensamento, como a criar património nacional.

O mecenato funciona em Portugal?

Os poucos mecenas que existem apoiam os museus, as instituiçõ­es.

Mas há colecções particular­es.

Sim, mas há poucos colecciona­dores em Portugal. Podem contar-se até seis, talvez. Temos o António Cachola, que faz um grande trabalho. Apoia os artistas e o país sempre que pode, com a cedência da sua colecção para que seja mostrada em várias instituiçõ­es. Esta é a lógica dos colecciona­dores nos Estados Uni- dos. Quanto mais a obra de arte circula, mais valiosa se torna. Por isso é que os grandes colecciona­dores estão sempre disponívei­s a ceder as suas obras aos grandes museus. Há muita gente que ainda não percebeu que a partilha é a chave do sucesso. Ceder, doar ou colocar em depósito parte da colecção nas grandes instituiçõ­es e nos grandes museus é uma das formas de a obra ser conhecida. De que é que adianta comprar e ter em armazém? A obra não circula, não é vista, não é catalogada. Está ali quase a virar pó.

Do seu ponto de vista, há uma parte da responsabi­lidade que cabe ao Estado?

Sim. Se soubermos exportar a nossa cultura, vamos ter um país muito mais valioso em termos de identidade. As pessoas vão querer visitar-nos não só pelo sol ou pelo mar, mas também pela nossa cultura.

O primeiro-ministro anunciou, no seguimento da tal carta dos artistas, a criação de um programa a dez anos para aquisição de obras de arte contemporâ­nea, que tem uma dotação orçamental prevista de 300 mil euros, para o primeiro ano (2019). É uma boa medida?

É um bom início. Não é muito, mas se essa verba for destinada a apoiar uma geração de artistas mais jovem, com preços ainda bastante acessíveis, ajuda, fará a diferença.

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