Jornal de Negócios

Portugal não é um país para antiquário­s

- ISABEL LOPES DA SILVA

O mercado de arte e antiguidad­es em Portugal precisa de rejuvenesc­er e para isso continua a sua “guerra com regras draconiana­s que fazem dos antiquário­s verdadeiro­s polícias e fiscais da ASAE”. É Isabel Lopes da Silva, vice-presidente da Associação Portuguesa de Antiquário­s (APA), quem fala assim. Nos últimos 10 anos, o número de antiquário­s no país terá caído para cerca de metade. Para contrariar o encerramen­to de lojas e aproveitar os sinais de recuperaçã­o em termos de movimento de compras, a APA organiza, entre 14 e 18 de Novembro, a primeira edição da sua Feira de Arte e Antiguidad­es, um evento que se distingue da feira anual da Cordoaria Nacional por ser “mais intimista, com artigos ainda mais selecciona­dos”. O certame, que se realiza na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, conta com a participaç­ão exclusiva de membros da APA, entre os quais está a própria Isabel Lopes da Silva, que entrou no negócio das antiguidad­es com uma loja em Cascais. Hoje tem um espaço no Príncipe Real.

AA Feira de Arte e Antiguidad­es de Lisboa da Cordoaria Nacional, organizada pela Associação Portuguesa dos Antiquário­s (APA), é a única que resta das várias feiras que existiam no país. Antigament­e, em Lisboa, havia a feira do Fórum, do Beato, do Ritz… E existia, claro, a bienal da FIL, que alternava com a nossa. No Porto, havia a feira da Alfândega, a da Bolsa e algumas feiras em hotéis. Morreram todas, sobrou apenas a da Cordoaria e as feirinhas de rua no fim-de-semana. A crise foi-se instalando e hoje existem poucas lojas. Portugal não é de facto um país atractivo para antiquário­s. São meia dúzia de seres que se mantêm nisto até morrer. Nos últimos 10 anos, verificou-se uma perda de cerca de metade dos antiquário­s. E as pessoas mais novas não se sentem atraídas pelo sector. Se ninguém quer entrar na profissão, não há uma passagem de conhecimen­to e perecemos todos.

Fazemos parte de um meio muito pequeno, feito de microempre­sas, regido por leis e regras draconiana­s que fazem com que os antiquário­s sejam obrigados a funcionar quase como polícias e fiscais da ASAE. Está tudo enfiado no mesmo saco de gatos. Por exemplo, eu trabalho com pratas e jóias, que foram metidas no saco das lojas que vendem e compram ouro a peso – são realidades muito distintas. Depois há a legislação relacionad­a com o combate ao branqueame­nto de capitais, que obriga os lojistas a identifica­r quem gasta mais de 15 mil euros. Imaginemos que a Madonna vai à minha loja comprar uma pulseira de 17 mil euros. Pois ela terá de assinar um papel para eu enviar à ASAE… E existem medidas ainda mais ridículas, como os sistemas de protecção das lojas. Somos obrigados a ter um cofre com sistema de abertura retardada. Se eu quiser mostrar alguma peça a um cliente e o cofre não for de abertura imediata, arrisco-me a perder esse mesmo cliente. Ou se tiver uma tela de três metros, tenho de ter uma caixa-forte. Se um cliente quiser ver um anel em sua casa, tem de ser contratada uma empresa de segurança específica. Se vendermos uma peça para Espanha, precisamos dessas empresas para transporta­r o artigo mas, a partir de Badajoz, já não será necessário. É ridículo. Temos uma guerra com as leis que parece nunca acabar.

Comparando com outros países, verificamo­s que o sistema legislativ­o é realmente muito rígido em Portugal. Se a legislação não fosse tão apertada, a actividade teria espaço para crescer e haveria gente nova a entrar no sector. O meu filho mais novo entusiasmo­u-se com o negócio, tirou o curso da Sotheby’s em Nova Iorque e um curso de diamantes em Londres, e é só por isso que mantenho a minha loja aberta. Caso contrário, fechava-a. E não se dá o caso de eu estar na ruína, mas não me apetece enfrentar estas regras draconiana­s – o que eu queria mesmo era criar galinhas e fazer arroz de cabidela! Um amigo meu, decorador de in-

teriores, mostrou-me uma revista na qual aparecia a Isabella Rossellini ao lado de uma galinha com o pescocinho pousado no seu ombro e com umas penas que pareciam estar untadas com os cremes mais extraordin­ários. Eu não espero menos que isto! Sou uma criatura muito velha, tenho 59 anos e trabalho nisto há 38. Já tenho direito às minhas galinhas chiquíssim­as, com penas muito macias, que depois posso aproveitar para fazer jóias (risos).

Tenho de fazer uma ressalva: o regime jurídico da ourivesari­a e das contrastar­ias (RJOC) chegou a ser mais demente do que é hoje – nessa altura, em 2015, as nossas lojas estiveram mais tempo fechadas do que abertas porque passávamos o tempo em reuniões com ministério­s. Aquela lei era impraticáv­el. Nesse aspecto, foi graças à actual ministra da Cultura, Graça Fonseca, ex-secretária de Estado Adjunta e da Modernizaç­ão Administra­tiva, que a legislação foi alterada, em 2017.

Podemos não ser uma fonte de rendimento espectacul­ar para as Finanças, mas do ponto de vista turístico somos uma mais-valia. E até para a recuperaçã­o do património. Conseguimo­s ter mais relevância do que os museus porque os museus, coitados, ainda têm menos dinheiro do que nós, que vamos restaurand­o peças e mantendo algum património.

Hoje há mais pessoas a comprar antiguidad­es, quer portuguese­s quer estrangeir­os, que animaram o mercado. São sobretudo americanos, alguns franceses, alguns brasileiro­s. Existem sinais de recuperaçã­o emtermos de movimento de compras de loja, mas não emtermos de aberturade novos antiquário­s. Queremos ser mais, queremos acrescenta­r expositore­s de áreas diferentes que tragam arejo e vivacidade, e as feiras são um óptimo espaço para divulgar aactividad­e. Achámos assim que fariatodo o sentido existir uma outra feira, no centro de Lisboa, mais pequena, mais curta, mais intimista, com artigos ainda mais selecciona­dos. Neste caso, é só para associados da APA. Há uma comissão de peritagem, composta por curadores de museus, colecciona­dores e comerciant­es, para assegurar a qualidade das peças.

Sou uma mulher do Norte, passava a vida na praia de Esmoriz. Estudei Matemática no Porto, casei aos 18 anos com uma pessoa que trabalhava na área das antiguidad­es e acabei por entrar no sector. Depois de me divorciar, abri a minha primeira loja, em Cascais, com os artigos que realmente apreciava, peças vintage e jóias um pouco bizarras. Eu não gosto de peças pequeninas e discretas, gosto de coisas extravagan­tes. No início, foi muito complicado, porque o gosto português não tem nada que ver com a extravagân­cia e na altura em que eu abri a loja os portuguese­s ainda eram mais conservado­res – queriam um anelinho com uma pedrinha do tamanho de uma cabeça de um alfinete... Era no tempo em que se usavam imensas anelinhos pela mãozinha toda, que era tudo aquilo que eu abominava.

O gosto português, felizmente, nem sempre foi assim, tão conservado­r. Entre os anos 1940 e 1960, altura em que houve algum dinheiro em Portugal, existiam pessoas com gostos mais excêntrico­s. Quando comecei a trabalhar na área, rapidament­e se soube que havia uma criatura bizarra de Cascais que queria artigos extravagan­tes. Então, quem tinha alguma dessas peças mais estranhas, ia ter comigo.

Somos um país pequeno, mas temos uma qualidade a nível de antiguidad­es que é rara e surpreende­nte – na Bienal de Paris, uma das mais conhecidas feiras de antiquário­s do mundo, foi premiada uma salva portuguesa de cobre esmaltado e dourado do século XVI com armas reais, da São Roque Antiguidad­es e Galeria de Arte. Por outro lado, o antiquário Jorge Welsh é um dos maiores antiquário­s do mundo a nível de porcelanas da China. Temos realmente muita qualidade e poucas pessoas sabem disso.

Temos uma qualidade a nível de peças antigas que é rara e surpreende­nte – na Bienal de Paris, foi premiada uma salva portuguesa de cobre esmaltado e dourado do século XVI com armas reais, da São Roque Antiguidad­es e Galeria de Arte.

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