Jornal de Negócios

Em busca do destino

Djaimilia Pereira de Almeida volta a surpreende­r-nos com um poderoso romance que nos faz reflectir sobre os sonhos e os pesadelos de todos nós. Entre Lisboa e Luanda.

- FERNANDO SOBRAL

Aidentidad­e é um labirinto. Muitas vezes, vamos em busca dela e perdemo-nos nos nossos próprios receios. Outras vezes descobrimo­s que é um caminho para lado nenhum. E pode ser também uma fronteira ténue na qual as questões são mais fortes do que as respostas. Muito do que Djaimilia Pereira de Almeida escreve tem que ver com a identidade, mas também com a busca de um destino. E é aí que se encontra a verdadeira mina de ouro da sua escrita, que parece ter asas e que caminha, solta, num solo de algodão. Não custa ficar fascinado por esta escrita ágil e certeira. Pelas personagen­s criadas. Pelos ambientes que nos seduzem. Afinal, a autora conhece bem este território de desconfort­o, porque viveu, como já disse, no meio de europeus ligados a África e de africanos ligados a Portugal. Em “Luanda, Lisboa, Paraíso”, o seu segundo romance, a autora apresenta-nos Cartola de Sousa e Aquiles, o filho. Rumam a Lisboa, vindos de Luanda, em busca do “milagre” médico. Vão à descoberta: “Foi-lhe claro naquele instante que não viajavam para Portugal, mas para sempre.” Que Lisboa descobriri­am?

O ambiente envolve-nos: “O filho olhava-o como quem teme que o rei sucumba a uma conspiraçã­o. A nobreza que o porte dele lhe inspirava em Luanda dera lugar à confusão de Cartola, que lhe fazia abrir muito os olhos como se tivesse medo de ir contra as coisas. Tinham chegado a Lisboa tarde demais, depois de lhes ser possível domesticar a cidade. De cabeça, decalcava Lisboa por cima de Luanda: Sagrada Família-Mosteiro dos Jerónimos, Ilha-Cacilhas, Prenda-Prior Velho. Mas no interior de Cartola o mapa era ainda o mesmo. Caminhava sem referência­s. A nova cidade descarnada, sem arruamento­s definidos, entontecia-o”. Há cidades diferentes, bússolas que não se coadunam, no olhar de ambos. Descobrem, com o tempo, que só a ligação entre os dois os pode evitar de perderem- -se numa cidade que não conhecem, mesmo se Cartola tem as referência­s de outros tempos. Tentando descobrir a cidade, descobrem-se a si próprios. Ou tentam.

Os diferentes olhares sobre o novo mundo onde Cartola e Aquiles caminham é deliciosam­ente descrito pela autora: “Caminhava pelo Paraíso com a certeza de estar ali de passagem. Os ardores da adolescênc­ia foram nele a ideia de que nada o confundia com os outros angolanos. Desejava que um raio queimasse aquilo tudo sem nunca ponderar que, fosse esse o caso, não teria para onde ir. Dava desconto ao pai, que considerav­a ter desonrado o passado e viver numa Lisboa que apenas existia em sonhos. Cartola nada tinha para deixar a Aquiles. Nem um cordão de ouro nem um relógio. Nem uma tesoura nem um livro. Sentia-se um trapo e via a morte ao fundo. Nada do que tinha sido seu passaria o teste do tempo”. É este balanço entre o passado e o presente, com poucas perspectiv­as de futuro, que Djaimilia Pereira de Almeida descreve de forma sublime. Este é um romance que nos faz olhar para o mundo dos sonhos, dos pesadelos e das fronteiras. Através de personagen­s ímpares.

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