Jornal de Negócios

C C. Cara Lúcia

- CELSO FILIPE VIRGOLINO FANECA

Serve a presente para agradecer à tua pessoa, bem como à menina Joana, a paciência que ambas têm revelado na leitura das minhas epístolas. Chegado às duas centenas delas, ainda cogitei em fazer uma festa de arromba para assinalar de forma substantiv­a esta efeméride quantitati­va, mas um rombo na carteira surripiou-me tal possibilid­ade.

A minha Hermengard­a, inquirida sobre o estado das nossas finanças, informou que estava a efectuar umas cativaçõez­inhas, sendo que derivado disso me estava temporaria­mente vedado o acesso aos fundos da nossa conta conjunta. Quando verbalizou a terminolog­ia fofinha ‘inha’, ainda fui percorrido por um arrepio ao nível da espinha, temendo que ela tivesse descoberto que ando a brincar aos canalizado­res com a Gracinha do 7.º esq., mas o susto foi-se, sendo substituíd­o pela interrogaç­ão, quando acrescento­u que andava a aprender uns truques com o Mário.

– Não me digas que é com o Mário, ilusionist­a maneta do 5.º dto. Não, com o Mário Centeno, o ministro das Finanças.

– Bom, assim fico mais descansado, porque esse é realmente mestre na arte da prestidigi­tação.

E descansado estou a escrever-te esta dita, a rendilhar as palavras com um certo rebuço, irritado por só agora ter percebido que o Pavilhão Atlântico, visto de cima, se assemelha à tampa de uma sanita, o que faz com que a Web Summit se tenha realizado numa retrete e permita que se extraia conclusões intestinai­s sobre os méritos da mesma.

Inspiro fundo, embora tapando o nariz (o poder da sugestão é enorme), para ganhar coragem e comunicar-te que decidi aceitar o convite para fazer parte do novo Governo do doutor Rui Rio, data a partir da qual irei suspender a minha relação epistolar com os meus, teus, nossos leitores.

Só espero que entendas a decisão e não faças como a Hermengard­a quando a informei do meu futuro político. “Isso há-de ser no dia de São Nunca à tarde”, “O Rio só será primeiro-ministro quando as galinhas tiverem dentes”, “Bem podes esperar sentado” e “Ainda bem que os sonhos não pagam impostos” foram alguns dos comentário­s corrosivos da danada, desdenhand­o assim das capacidade­s do líder do PSD para chegar ao poder. Eu ainda a avisei, cuidadinho que assim retiro-te os privilégio­s inerentes ao facto de seres esposa de um ministro, e ela, pois, pois, ai que fico triste por me tirares aquilo que nunca vais ter, deixa-te de balelas e vai mas é a casa da Gracinha, que ela queixou-se de ter uma torneira a pingar. Pega no material e ajuda a moça para ela não pagar um fartote em água. Obediente, lá dei às da vila Diogo para cumprir a missão que me fora confiada.

Enquanto apertava a rosca da Gracinha, salvo seja, também lhe comuniquei que ia ser ministro e ouvi como resposta um “‘tadinho’, andas sempre com cabeça no ar”, frase que na altura me pareceu ter um sotaque libidinoso, mas que agora, ressoando na cabeça à distância, emerge com uma declaração céptica

Portanto, é assim, Lúcia. Como certamente reconhecer­ás, trata-se de um convite irrecusáve­l, até porque o doutor Rio me desafiou a ocupar a pasta do Futuro e dos Amanhãs que Cantam, decisiva para que o nosso país entre no rumo certo em matérias variadas e voltemos a ganhar o festival da Eurovisão.

Para me substituir, sugiro o Paragrafin­o Pescada, que por acaso é meu primo e também percebe imenso da ciência da descodific­ação de Portugal, além de fazer uma caldeirada de peixe que é de comer e chorar por mais, e é capaz de concordar amiúde, e em simultâneo, com a Raquel Varela e o João Miguel Tavares.

Até lá, vou tomando banhos de ética no chuveiro da Gracinha e assinando as folhas de presença no Parlamento do doutor José Silvano, que enquanto deputado tem mais que fazer do que estar a trabalhar no sítio para o qual foi eleito. Eu, tratando diligentem­ente do presente, transforma­r-me-ei num competente ministro do Futuro.

de outra forma, não deve fazer de outra forma e as pessoas não compreende­riam se fizesse de outra forma”, disse ontem o comissário Pierre Moscovici, fazendo questão de sublinhar que os ministros das Finanças do euro apoiam a posição de Bruxelas face ao Executivo italiano.

Em causa está uma discrepânc­ia que coloca o défice de Itália em 2,9% do PIB, já perto do limite de 3% e que impede a dívida pública de baixar. Ainda assim, foi o próprio comissário Moscovici quem desvaloriz­ou as divergênci­as nas projecções dos países, face às da Comissão.

No caso espanhol, a divergênci­a é de 0,8 pontos: ou seja, Madrid diz que o défice será de 1,3%, mas a Comissão aponta para 2,1%. Já no caso italiano, os arredondam­entos fazem subir a diferença para 0,5 pontos, mas Moscovici fez questão de sublinhar que se os números fossem apresentad­os com duas casas decimais, seria de 0,4 pontos.

“Mas isto não é uma situação excepciona­l. Devem lembrar-se de diferenças de previsão macroeconó­micas com outros governos, nomeadamen­te, com o anterior governo italiano”, disse Moscovici, repetindo o argumento para Espanha.

O caso português não foi comentado, mas as contas de Bruxelas colocam o país em risco de desvio significat­ivo – ao contrário do que aconteceri­a caso as metas de Centeno fossem considerad­as credíveis por Bruxelas.

Ainda assim, as sucessivas diferenças nas previsões da Comissão face às metas apresentad­as por Centeno têm acabado por se esbater. Seja porque o Governo fez um esforço activo por aproximar as suas políticas das normas europeias – como foi o caso em 2016, quando transformo­u cativações em cortes definitivo­s de despesa –, seja porque a própria Comissão foi reconhecen­do que a previsão do Executivo nacional era mais próxima da realidade.

Por exemplo, para 2018 Bruxelas previa na Primavera um défice de 0,9%, mas ajustou agora a sua estimativa para 0,7% (a meta de Centeno), explicando que houve mais receita cíclica, menos gastos com juros e que Centeno investiu menos do que o que estava orçamentad­o.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal