C C. Cara Lúcia
Serve a presente para agradecer à tua pessoa, bem como à menina Joana, a paciência que ambas têm revelado na leitura das minhas epístolas. Chegado às duas centenas delas, ainda cogitei em fazer uma festa de arromba para assinalar de forma substantiva esta efeméride quantitativa, mas um rombo na carteira surripiou-me tal possibilidade.
A minha Hermengarda, inquirida sobre o estado das nossas finanças, informou que estava a efectuar umas cativaçõezinhas, sendo que derivado disso me estava temporariamente vedado o acesso aos fundos da nossa conta conjunta. Quando verbalizou a terminologia fofinha ‘inha’, ainda fui percorrido por um arrepio ao nível da espinha, temendo que ela tivesse descoberto que ando a brincar aos canalizadores com a Gracinha do 7.º esq., mas o susto foi-se, sendo substituído pela interrogação, quando acrescentou que andava a aprender uns truques com o Mário.
– Não me digas que é com o Mário, ilusionista maneta do 5.º dto. Não, com o Mário Centeno, o ministro das Finanças.
– Bom, assim fico mais descansado, porque esse é realmente mestre na arte da prestidigitação.
E descansado estou a escrever-te esta dita, a rendilhar as palavras com um certo rebuço, irritado por só agora ter percebido que o Pavilhão Atlântico, visto de cima, se assemelha à tampa de uma sanita, o que faz com que a Web Summit se tenha realizado numa retrete e permita que se extraia conclusões intestinais sobre os méritos da mesma.
Inspiro fundo, embora tapando o nariz (o poder da sugestão é enorme), para ganhar coragem e comunicar-te que decidi aceitar o convite para fazer parte do novo Governo do doutor Rui Rio, data a partir da qual irei suspender a minha relação epistolar com os meus, teus, nossos leitores.
Só espero que entendas a decisão e não faças como a Hermengarda quando a informei do meu futuro político. “Isso há-de ser no dia de São Nunca à tarde”, “O Rio só será primeiro-ministro quando as galinhas tiverem dentes”, “Bem podes esperar sentado” e “Ainda bem que os sonhos não pagam impostos” foram alguns dos comentários corrosivos da danada, desdenhando assim das capacidades do líder do PSD para chegar ao poder. Eu ainda a avisei, cuidadinho que assim retiro-te os privilégios inerentes ao facto de seres esposa de um ministro, e ela, pois, pois, ai que fico triste por me tirares aquilo que nunca vais ter, deixa-te de balelas e vai mas é a casa da Gracinha, que ela queixou-se de ter uma torneira a pingar. Pega no material e ajuda a moça para ela não pagar um fartote em água. Obediente, lá dei às da vila Diogo para cumprir a missão que me fora confiada.
Enquanto apertava a rosca da Gracinha, salvo seja, também lhe comuniquei que ia ser ministro e ouvi como resposta um “‘tadinho’, andas sempre com cabeça no ar”, frase que na altura me pareceu ter um sotaque libidinoso, mas que agora, ressoando na cabeça à distância, emerge com uma declaração céptica
Portanto, é assim, Lúcia. Como certamente reconhecerás, trata-se de um convite irrecusável, até porque o doutor Rio me desafiou a ocupar a pasta do Futuro e dos Amanhãs que Cantam, decisiva para que o nosso país entre no rumo certo em matérias variadas e voltemos a ganhar o festival da Eurovisão.
Para me substituir, sugiro o Paragrafino Pescada, que por acaso é meu primo e também percebe imenso da ciência da descodificação de Portugal, além de fazer uma caldeirada de peixe que é de comer e chorar por mais, e é capaz de concordar amiúde, e em simultâneo, com a Raquel Varela e o João Miguel Tavares.
Até lá, vou tomando banhos de ética no chuveiro da Gracinha e assinando as folhas de presença no Parlamento do doutor José Silvano, que enquanto deputado tem mais que fazer do que estar a trabalhar no sítio para o qual foi eleito. Eu, tratando diligentemente do presente, transformar-me-ei num competente ministro do Futuro.
de outra forma, não deve fazer de outra forma e as pessoas não compreenderiam se fizesse de outra forma”, disse ontem o comissário Pierre Moscovici, fazendo questão de sublinhar que os ministros das Finanças do euro apoiam a posição de Bruxelas face ao Executivo italiano.
Em causa está uma discrepância que coloca o défice de Itália em 2,9% do PIB, já perto do limite de 3% e que impede a dívida pública de baixar. Ainda assim, foi o próprio comissário Moscovici quem desvalorizou as divergências nas projecções dos países, face às da Comissão.
No caso espanhol, a divergência é de 0,8 pontos: ou seja, Madrid diz que o défice será de 1,3%, mas a Comissão aponta para 2,1%. Já no caso italiano, os arredondamentos fazem subir a diferença para 0,5 pontos, mas Moscovici fez questão de sublinhar que se os números fossem apresentados com duas casas decimais, seria de 0,4 pontos.
“Mas isto não é uma situação excepcional. Devem lembrar-se de diferenças de previsão macroeconómicas com outros governos, nomeadamente, com o anterior governo italiano”, disse Moscovici, repetindo o argumento para Espanha.
O caso português não foi comentado, mas as contas de Bruxelas colocam o país em risco de desvio significativo – ao contrário do que aconteceria caso as metas de Centeno fossem consideradas credíveis por Bruxelas.
Ainda assim, as sucessivas diferenças nas previsões da Comissão face às metas apresentadas por Centeno têm acabado por se esbater. Seja porque o Governo fez um esforço activo por aproximar as suas políticas das normas europeias – como foi o caso em 2016, quando transformou cativações em cortes definitivos de despesa –, seja porque a própria Comissão foi reconhecendo que a previsão do Executivo nacional era mais próxima da realidade.
Por exemplo, para 2018 Bruxelas previa na Primavera um défice de 0,9%, mas ajustou agora a sua estimativa para 0,7% (a meta de Centeno), explicando que houve mais receita cíclica, menos gastos com juros e que Centeno investiu menos do que o que estava orçamentado.