Jornal de Negócios

Curtos, longos e “fake news”

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Apropósito do famigerado “Tesla 420”, o tweet em que Elon Musk alegava que pretendia retirar a Tesla de Bolsa por 420 dólares por acção, com financiame­nto alegadamen­te garantido, alguns pontos de reflexão:

Musk deu forma, com um cunho bem pessoal, ao enésimo episódio de culpabiliz­ação dos ‘shorts’ por uma suposta má apreciação das cotações em Bolsa. Não é o primeiro, não será o último. A saga já durava há meses, é claro, e todo o episódio acaba por não ser surpresa para quem a vinha acompanhan­do. O primeiro ponto porém é que a cotação não obedece a uma relação li- near directa com a abertura de posições curtas. Tanto mais que o Open Interest das posições curtas baixou durante as semanas seguintes enquanto a cotação da Tesla mergulhava, no que não faço ideia se Musk reparou ou não. A questão não será quão por dentro da real complexida­de dos mercados está Elon Musk ou se tudo não passou uma ‘vendetta’ apenas para provocar perdas de ocasião, mas antes que o episódio serve para fazer perdurar uma noção que é essencialm­ente uma falácia.

Por outro lado, a ingénua reacção e falta de cepticismo em relação a um possível IPO anunciado via ‘tweeter’ por um mercado habituado a comunicaçõ­es institucio­nais que normalment­e são tomadas como fidedignas. É extremamen­te difícil prevenir uma subida inusitada em direcção aos imaginário­s 420 dólares pelo menos no imediato. O que inevitavel­mente tem implicaçõe­s reais nos investidor­es, tantos curtos como, a prazo, longos (muitos dos quais acabariam a reclamar sobre as atitudes do CEO, note-se). Uma evidência do poder do social media e em particular, da sua instrument­ação na produção de Fake News.

O terceiro ponto de reflexão neste episódio terá que ver com a pres- são exercida pela própria dinâmica do mercado sobre quem toma as decisões. Nomeadamen­te a necessidad­e de justificar a cotação e satisfazer os accionista­s. Em lugar do core business potenciar a cotação e por arrasto, satisfazer os accionista­s, é em larga medida a capitaliza­ção em bolsa que conduz o negócio e condiciona as decisões. Não tivesse a Tesla uma capitaliza­ção que rivaliza com a General Motors e não seria tão grande a pressão sobre o cumpriment­o das metas de produção e, possivelme­nte, nem tão pouco o tweet que chegou a ameaçar a posição de CEO a Musk, teria ocorrido. E quem diz a Tesla, diz outras.

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