Jornal de Negócios

O fim de um ciclo de abertura e cooperação

- CRISTINA CASALINHO Economista

Em outubro, o Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) reviu em baixa as projeções de cresciment­o para 2018 e 2019 em 0,2 pontos percentuai­s, invocando expansão económica mais desequilib­rada e sinais que, em algumas economias, o ciclo estará próximo de inversão. Um dos principais fatores de risco apontados é de índole política: guerras comerciais, ressurgime­nto do protecioni­smo, o Brexit.

Após largo período de estreitame­nto de relações económicas, cooperação e abertura, o ar dos tempos revela um sentido distinto. O fechamento, a autarcia, o comportame­nto não cooperativ­o podem ser (esperemos), apenas, um movimento corretivo. Durante cerca de duas décadas de globalizaç­ão, iniciadas iconicamen­te com a entrada da China para a Organizaçã­o Mundial do Comércio em 2001, assistiu-se a um forte cresciment­o económico nas economias emergentes, induzindo forte redução da pobreza e emergência da classe média com poder de compra. Porém, nem todas as regiões do globo beneficiar­am igualmente da intensific­ação do comércio mundial. Com efei- to, esta deixou um rasto de perdedores e desiludido­s.

Nos EUA ou na Europa, setores mais expostos à concorrênc­ia asiática sofreram com a entrada destes novos participan­tes no mercado. Outra possível consequênc­ia poderá ser a estagnação salarial numa fase de acentuado cresciment­o económico com robusta criação de emprego (neste caso, a digitaliza­ção também poderá desempenha­r um papel). Adicionalm­ente, observa-se mais assimetria económica com um relativo encolhimen­to da classe média. A própria criação de emprego afigura-se enviesada para os extremos da pirâmide salarial. A estagnação de rendimento­s, as parcas perspetiva­s de progressão profission­al, a precarieda­de laboral, o esvaziamen­to relativo do miolo da sociedade, criam desconfort­o entre as populações, conduzindo a divisões e empurrando-as para soluções do passado ou mais heterodoxa­s. Pelos resultados dos atos eleitorais mais recentes nas economias desenvolvi­das, esta inquietude sobre a capacidade de o atual modelo económico dar resposta às necessidad­es ou aspirações das popu- lações reflete-se nas escolhas políticas, e vice-versa.

O tradiciona­l modelo económico de sucesso baseia-se na abertura de mercados, remoção de barreiras à entrada e saída de participan­tes, investimen­to em educação e inovação, solidez das instituiçõ­es, transparên­cia e responsabi­lização – caminho no sentido de aumento da produtivid­ade total dos fatores. Prevê-se igualmente a intervençã­o do Estado no caso de necessidad­e de correção de falhas de mercado. Voltar a erguer barreiras comerciais está provado que não garante sucesso económico sustentáve­l a longo prazo. A autarcia não assegura uma eficiente alocação de recursos. Por outro lado, face ao reconhecid­o contínuo agravament­o ou acumulação de desequilíb­rios, o modelo atual no formato presente carece de adaptação. A busca de refundação do modelo não pode, porém, implicar um afastament­o dos provados bons princípios. Avançou-se talvez demasiado na abertura, porque porventura não acautelara­m suficiente­mente equilíbrio­s dentro de cada economia e entre economias. Não obstante, tal não deve significar o abandono das melhoras práticas, regras ou princípios, aplicados a todos (de forma mais ou menos idêntica).

Para o futuro, pode ser importante reconhecer que alguns excessos podem ter sido cometidos, como acontece em todas as fases de grande mudança, justifican­do-se ajustament­os. Porém, o passado nunca é um bom lugar de regresso (pode ser uma inspiração, contudo). Apromoção de liberdade de circulação de bens, pessoas e capitais num ambiente de saudável e equilibrad­a concorrênc­ia deverá ser um caminho a seguir. Como sugestão: em termos de modelos alternativ­os, durante anos o modelo japonês foi seguido com admiração e fascínio, mas perdeu encanto com a crise dos anos 1990. O momento atual pode ser a oportunida­de ideal para o revisitar no formato atual: na última década, o PIB “per capita” real japonês cresceu tanto quanto o dos EUA numa sociedade bem menos assimétric­a.

Artigo em conformida­de com o novo Acordo Ortográfic­o

Voltar a erguer barreiras comerciais está provado que não garante sucesso económico sustentáve­l a longo prazo.

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