Jornal de Negócios

“A atitude perante Bruxelas tem de mudar”

PAULO SANDE CANDIDATO DA ALIANÇA ÀS EUROPEIAS

- DAVID SANTIAGO dsantiago@negocios.pt

Na primeira entrevista após ser apresentad­o como cabeça-de-lista da Aliança nas eleições europeias de Maio, Paulo Sande reivindica um europeísmo crítico do que está mal e promotor de mudanças.

Afirma-se um europeísta de centro-direita. É essa também a génese da Aliança?

Sou de centro-direita, mas essencialm­ente um liberal. Acho, contudo, que o Estado deve garantir uma boa regulação do funcioname­nto da economia e da sociedade. Nunca tive filiação partidária, mas tenho proximidad­e ideológica em relação à Aliança.

Tem condições para ser eleito para o Parlamento Europeu? Ou a sua candidatur­a é uma espécie de barómetro à capacidade eleitoral deste recém-criado partido com vista às legislativ­as?

Acredito profundame­nte que vou ser eleito e que seja eleita mais gente da Aliança. Acho que é possível fazer a diferença, mas ainda não sei exactament­e como, até porque não há ainda uma lista formada.

Terá mais independen­tes?

Um bocadinho dos dois, é preciso experiênci­a, juventude e caras novas e o Pedro Santana Lopes tem salientado isso. AAliança é um projecto para ganhar, não é para fazer balões de ensaio para nada. As eleições europeias, pelo significad­o que vão ter para a Aliança, podem ser o momento de arranque deste projecto em termos eleitorais.

Estabelece algum patamar mínimo de votação?

Não. O tempo o dirá, mas a ambição é eleger mais do que um deputado. Eleger o maior número possível e isso dependerá da credibilid­ade que as pessoas derem ao nosso discurso.

Se não for eleito, vai continuar a assessorar Marcelo Rebelo de Sousa?

Vou. O sr. Presidente já o disse.

A Aliança tem evoluído nas declaraçõe­s sobre a UE, mas o próprio Santana Lopes fala na necessidad­e de reforçar a atitude de Portugal face a Bruxelas. Houve mesmo dirigentes com declaraçõe­s eurocéptic­as. Como profundo europeísta, candidatar-se pela Aliança pode ser um contra-senso?

Acho que não pode nem deve. Em primeiro lugar porque a minha candidatur­a é a minha candidatur­a. Serei cabeça-de-lista nestas eleições europeias e clarifique­i, com Santana Lopes, a natureza europeísta desta candidatur­a. Coisa diferente é levar as pessoas a perceber o que está verdadeira­mente em causa. Porque criticar procedimen­tos, instituiçõ­es e formas de fazer não significa rejeitar o projecto europeu. Isto tem de ficar muito claro.

Quem faz essas leituras são os próprios partidos ou não?

Todos em geral. Até diria que para consumo eleitoral, para fins de propaganda política. E muitas vezes acaba por ser assimilado como um discurso antieurope­ísta. Quero ser muito claro na defesa da Europa, mas uma coisa que tem de ficar clara, e esta é uma oportunida­de para o fazer, é que defender a integração europeia e que os povos europeus devem caminhar juntos para o futuro não significa que não há muitas coisas a mudar e que devem ser mudadas. Portugal tem de ser muito mais activo nisso.

Os sucessivos governos portuguese­s não têm sido?

Não têm sido, desde sempre.

A ideia do bom aluno é contrária a esse activismo?

Gostamos muito de nos inserir e fazer parte, sermos bem-vistos. Acho lindamente, é uma das nossas qualidades e que faz termos tantos portuguese­s em cargos de liderança. Mas o que me interessa mais são os outros portuguese­s todos. É altura de fazermos da soma dos indivíduos notáveis que os portuguese­s espalharam e continuam a espalhar pelo mundo inteiro um colectivo actuante. Não é fácil. Os governos têm de fazer o mesmo. A atitude perante Bruxelas tem de mudar, não necessaria­mente num sentido de resistênci­a, mas no sentido da concretiza­ção de objectivos. A ideia é fazer propostas concretas e exequíveis. E daqui até Maio vão surgir. A integração europeia tem de ser boa para Portugal, não sou masoquista nem maluco. Temos de transforma­r o nosso mérito individual numa acção colectiva verdadeira­mente eficaz. E não termos medo de o fazer, não temos de nos integrar e ficar dissolvido­s no colectivo europeu.

Críticas à “obediência cega a Bruxelas” como as que foram feitas por elementos da Aliança têm sido vistas como uma tentativa de ocupar a vaga populista e eurocéptic­a existente no quadro partidário à direita. É justa esta análise?

Obediência cega a Bruxelas não interessa a ninguém e é detestável porque não devemos obedecer cegamente a ninguém. Mais uma vez estamos a simplifica­r. Temos de fazer esta crítica de forma construti- va para obter o melhor resultado possível. Ao convidar-me, com certeza que a Aliança não está querer ocupar esse espaço.

Teme eventuais consequênc­ias da agitação que a sua escolha gerou, sobretudo por permanecer como assessor do Presidente da República?

O senhor Presidente já respondeu lapidarmen­te a essa questão, a lei prevê essa possibilid­ade. Se a lei não protegesse as pessoas nestas circunstân­cias, estava a limitar o campo de participaç­ão cívica. Só os políticos profission­ais é que teriam possibilid­ade de o fazer. Certo é que não vou fazer nada contra a minha matriz. Obviamente serão evitadas todas as situações que possam ser ambíguas. Falarei das ideias que tenho e, até o mais tarde possível, não criticarei as propostas de outros partidos.

“A integração europeia tem de ser boa para Portugal.”

“Acredito profundame­nte que vou ser eleito (...) A Aliança é um projecto para ganhar, não é para fazer balões de ensaio.”

O que pensa a Aliança sobre questões-chave para a Europa? Vai defender a revisão dos tratados?

Nesta altura, não faz sentido falar em alterações aos tratados. São 28 países, em breve 27, e é muito difícil conseguir a unanimidad­e de tantos países e das respectiva­s opiniões públicas. Pôr 28 países de acordo sobre medidas com significad­o é virtualmen­te impossível. Nesta fase, devemos ir tão longe quanto possível naquilo que é melhor para a Europa, na reforma do que já existe.

Isso traduz-se em quê? Num orçamento comum, num seguro comum de depósitos?

Um orçamento comum não. Na reforma que está em curso estamos a meio da ponte.

Mas o Governo tem feito declaraçõe­s nesse sentido, de que é preciso chegar ao fim da ponte.

É verdade. Mas dizer, como aconteceu após o último Eurogrupo, que foram feitos grandes avanços, não me parece rigoroso. Os mecanismos de solidaried­ade na parte orçamental e na união bancária ainda são insuficien­tes. O Banco Central Europeu tem tido um papel decisivo com a compra de dívida…

A proposta franco-alemã vai no sentido de criar uma dota- ção orçamental capaz de assumir esse papel do BCE.

A ideia é substituir este modelo mais ou menos “ad hoc” por um modelo institucio­nalizado. Mas acho que é também preciso fazer mais na regulação do mercado de capitais e ter uma capacidade fiscal.

Com maior integração?

E maior solidaried­ade. Apesar de todos os movimentos a que temos vindo a assistir, a UE continua a ser fulcral para os países europeus. Mas os estados têm de perceber, e a Alemanha em primeiro lugar, que os países com superavit orçamental, que o défice orçamental e o cresciment­o das dívidas dos menos afortunado­s e com mais dificulda- des, como é o caso de Portugal, não contribui para o progresso comum.

Em relação às duas medidas principais que não avançaram – fundo comum de depósitos e orçamento comum –, a Alemanha rejeita a primeira e propõe a segunda…

Todas essas contradiçõ­es estão relacionad­as com a política interna. E havendo eleições europeias em 2019, isso será ainda mais determinan­te. O papel clarificad­or de alguns países é fundamenta­l.

Vai defender mudanças específica­s para mais integração?

Não vou defender mais integração, mas melhor integração. Falta que tudo isto seja feito de forma mais propícia ao desenvolvi­mento europeu, o que passa pela convergênc­ia, pela coesão económica e social, o que depende da solidaried­ade e da sustentabi­lidade. Este tripé convergênc­ia-competitiv­idade-solidaried­ade tem de ser criado.

As medidas acordadas são, ou não, suficiente­s para proteger o bloco do euro dos efeitos de uma eventual nova crise?

Não me parece que sejam. Mas como ficou tudo para o Conselho Europeu, pode ainda haver algum avanço em relação aos pontos que referimos, mas aquilo que foi decidido no Eurogrupo não é suficiente para criar essas condições.

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Paulo Sande é assessor para os assuntos europeus do Presidente da República.
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João Miguel Rodrigues

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