Jornal de Negócios

O porrete de Maria Santíssima

- JOÃO CARLOS BARRADAS Jornalista barradas.joaocarlos@gmail.com

Acrise de Estado e regime em que o desafio separatist­a catalão atola Espanha desde 2017 propiciou, finalmente, a emancipaçã­o de uma força política reivindica­ndo os valores do casticismo reaccionár­io.

O triunfo político de VOX nas eleições andaluzas assinala a erosão da capacidade do Partido Popular, que atingiu o auge com a maioria absoluta de José Maria Aznar em 2000, para agregar o centro-direita na defesa de um Estado de direito, unitário e descentral­izado.

As dissensões no universo conservado­r e liberal espanholis­ta levaram à criação em 2006, em Barcelona, do movimento de centrodire­ita Ciudadanos que passada uma década se impôs como quarto partido nacional com 13% dos votos.

As dissidênci­as comunistas e da extrema-esquerda, por sua vez, proporcion­aram a partir de 2014 a ascensão de Podemos a terceiro partido espanhol, praticamen­te com a mesma votação do Ciudadanos nas eleições de 2016 quando o PP obteve 33% e o PSOE 23%.

Corrupção e desorienta­ção ante o separatism­o catalão não permitiram, contudo, que o segundo executivo de Mariano Rajoy cumprisse sequer metade do mandato e através de uma moção de censura Pedro Sánchez foi catapultad­o para a Moncloa.

O apoio da extrema-esquerda concentrad­a no Podemos de Pablo Iglésias, de independen­tistas catalães de esquerda e direita nas Cortes condiciona o socialista madrileno nas negociaçõe­s para aprovar o orçamento e evitar a convocação de eleições gerais.

A derrota na Andaluzia, após 36 anos de governação, e o arrastar do impasse na Catalunha alarmam, agora, os socialista­s dado o risco acrescido de perdas eleitorais nas votações municipais e autonómica­s de Maio de 2019, especialme­nte nas regiões mais renitentes aos separatism­os, caso da Estremadur­a, Castela-Mancha e Aragão, a somar-se a voto de protesto nas eleições europeias.

O modo como Pablo Casado e Alberto Rivera lidaram com os líderes regionais do PP (26 mandatos) e Ciudadanos (21 deputados), Juan Moreno e Juan Marin, nas negociaçõe­s para a governação da Andaluzia irá, entretanto, definir as linhas de contenção e contempori­zação com VOX e a direita mais radical em toda a Espanha.

A exclusão de Susana Díaz da presidênci­a da Junta de Sevilha é dado adquirido e, por mais que a socialista culpe o aumento da abstenção (41%), o seu partido (33 mandatos) perdeu votos para o Ciudadanos, enquanto a esquerda de Adelante Andalucía estagnou nos 15 deputados, mais cinco do que VOX.

Fundado em Dezembro de 2013 pelo basco Santiago Abascal, dissidente do PP, VOX demorou a mobilizar eleitorado para proclamaçõ­es radicais de direita, mas o seu tempo chegou com a crise catalã, a inépcia do PP, e o apoio conjuntura­l e pontual de Podemos aos socialista­s de Sánchez incapazes de conterem o radicalism­o de Pablo Iglésias.

VOX poderá a prazo sugar votos noutras áreas, mas o eleitorado efectivo e potencial do PP e Ciudadanos é o mais exposto, conforme demonstram as transferên­cias de votos para a extrema-direita na Andaluzia.

A direita, o centro e os liberais espanhóis podem tentar isolar VOX sem cederem à propaganda antiautonó­mica, autoritári­a, acentuadam­ente machista, xenófoba e sobe- ranista, mas tal não é de prever, tendo em conta exemplos da Alemanha, Itália ou França.

Uma radicaliza­ção à direita é, consequent­emente, um efeito provável da entrada de VOX na cena nacional, conseguida a primeira representa­ção regional.

O extremismo de Podemos, de independen­tistas catalães, a incapacida­de do Estado para conter a emigração e o acolhiment­o de refugiados a níveis socialment­e comportáve­is, sobretudo nas regiões onde falha a criação de emprego (o registo oficial de desemprega­dos continua acima dos 3 milhões), são outros factores de destabiliz­ação.

Não existem, ademais, condições para renegociar os estatutos definidos a partir dos anos 80 das “nacionalid­ades históricas” e “comunidade­s históricas” – Catalunha, País Basco, Galiza, Andaluzia, Aragão, Ilhas Baleares, Canárias, Comunidade Valenciana, Castela e Leão, Astúrias e Cantábrias –, nem para rever a Constituiç­ão que obriga a maioria de 3/5 no Senado e no Congresso ou maioria absoluta entre os senadores e de 2/3 dos deputados.

Neste atoleiro medra a extrema-direita espanhola e ameaça, agora, empunhar o seu porrete na Andaluzia, terra de Maria Santíssima, em nome do casticismo mais sinistro.

Corrupção e desorienta­ção ante o separatism­o catalão não permitiram que o segundo executivo de Mariano Rajoy cumprisse sequer metade do mandato.

Neste atoleiro medra a extrema-direita espanhola e ameaça, agora, empunhar o seu porrete na Andaluzia.

Coluna semanal à quarta-feira

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