O porrete de Maria Santíssima
Acrise de Estado e regime em que o desafio separatista catalão atola Espanha desde 2017 propiciou, finalmente, a emancipação de uma força política reivindicando os valores do casticismo reaccionário.
O triunfo político de VOX nas eleições andaluzas assinala a erosão da capacidade do Partido Popular, que atingiu o auge com a maioria absoluta de José Maria Aznar em 2000, para agregar o centro-direita na defesa de um Estado de direito, unitário e descentralizado.
As dissensões no universo conservador e liberal espanholista levaram à criação em 2006, em Barcelona, do movimento de centrodireita Ciudadanos que passada uma década se impôs como quarto partido nacional com 13% dos votos.
As dissidências comunistas e da extrema-esquerda, por sua vez, proporcionaram a partir de 2014 a ascensão de Podemos a terceiro partido espanhol, praticamente com a mesma votação do Ciudadanos nas eleições de 2016 quando o PP obteve 33% e o PSOE 23%.
Corrupção e desorientação ante o separatismo catalão não permitiram, contudo, que o segundo executivo de Mariano Rajoy cumprisse sequer metade do mandato e através de uma moção de censura Pedro Sánchez foi catapultado para a Moncloa.
O apoio da extrema-esquerda concentrada no Podemos de Pablo Iglésias, de independentistas catalães de esquerda e direita nas Cortes condiciona o socialista madrileno nas negociações para aprovar o orçamento e evitar a convocação de eleições gerais.
A derrota na Andaluzia, após 36 anos de governação, e o arrastar do impasse na Catalunha alarmam, agora, os socialistas dado o risco acrescido de perdas eleitorais nas votações municipais e autonómicas de Maio de 2019, especialmente nas regiões mais renitentes aos separatismos, caso da Estremadura, Castela-Mancha e Aragão, a somar-se a voto de protesto nas eleições europeias.
O modo como Pablo Casado e Alberto Rivera lidaram com os líderes regionais do PP (26 mandatos) e Ciudadanos (21 deputados), Juan Moreno e Juan Marin, nas negociações para a governação da Andaluzia irá, entretanto, definir as linhas de contenção e contemporização com VOX e a direita mais radical em toda a Espanha.
A exclusão de Susana Díaz da presidência da Junta de Sevilha é dado adquirido e, por mais que a socialista culpe o aumento da abstenção (41%), o seu partido (33 mandatos) perdeu votos para o Ciudadanos, enquanto a esquerda de Adelante Andalucía estagnou nos 15 deputados, mais cinco do que VOX.
Fundado em Dezembro de 2013 pelo basco Santiago Abascal, dissidente do PP, VOX demorou a mobilizar eleitorado para proclamações radicais de direita, mas o seu tempo chegou com a crise catalã, a inépcia do PP, e o apoio conjuntural e pontual de Podemos aos socialistas de Sánchez incapazes de conterem o radicalismo de Pablo Iglésias.
VOX poderá a prazo sugar votos noutras áreas, mas o eleitorado efectivo e potencial do PP e Ciudadanos é o mais exposto, conforme demonstram as transferências de votos para a extrema-direita na Andaluzia.
A direita, o centro e os liberais espanhóis podem tentar isolar VOX sem cederem à propaganda antiautonómica, autoritária, acentuadamente machista, xenófoba e sobe- ranista, mas tal não é de prever, tendo em conta exemplos da Alemanha, Itália ou França.
Uma radicalização à direita é, consequentemente, um efeito provável da entrada de VOX na cena nacional, conseguida a primeira representação regional.
O extremismo de Podemos, de independentistas catalães, a incapacidade do Estado para conter a emigração e o acolhimento de refugiados a níveis socialmente comportáveis, sobretudo nas regiões onde falha a criação de emprego (o registo oficial de desempregados continua acima dos 3 milhões), são outros factores de destabilização.
Não existem, ademais, condições para renegociar os estatutos definidos a partir dos anos 80 das “nacionalidades históricas” e “comunidades históricas” – Catalunha, País Basco, Galiza, Andaluzia, Aragão, Ilhas Baleares, Canárias, Comunidade Valenciana, Castela e Leão, Astúrias e Cantábrias –, nem para rever a Constituição que obriga a maioria de 3/5 no Senado e no Congresso ou maioria absoluta entre os senadores e de 2/3 dos deputados.
Neste atoleiro medra a extrema-direita espanhola e ameaça, agora, empunhar o seu porrete na Andaluzia, terra de Maria Santíssima, em nome do casticismo mais sinistro.
Corrupção e desorientação ante o separatismo catalão não permitiram que o segundo executivo de Mariano Rajoy cumprisse sequer metade do mandato.
Neste atoleiro medra a extrema-direita espanhola e ameaça, agora, empunhar o seu porrete na Andaluzia.
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