Jornal de Negócios

Os de cima terão muito a perder

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Rui Rio comparou a política a um namoro, um namoro aos eleitores em que, muitas vezes, se promete uma coisa e se faz outra. Inspirado por Sá Carneiro, o líder do PSD não ficou pela frustração do discurso amoroso. Virou-se também para o marketing comercial: “Por força daquele que é o andamento da sociedade, o líder partidário é como uma espécie de director comercial. Consegue vender o produto com sucesso e está bem; não consegue e temos que o trocar por um outro director comercial”. Rio dá-se mal com este andamento. Não tem jeito para vendas e promessas. O problema é que não se percebe que jeito tem. Que pensa de distintivo? Que batalhas quer travar? Que mudanças quer fazer? De que discorda? O problema não é falar pouco nem o défice de oposição. O problema é não arriscar o suficiente. O andamento das sociedades revela um enorme descontent­amento. Está por provar que não premeiem a convicção e a ousadia. E ousadia não é dizer que, no tempo de Sá Carneiro, “os líderes perdiam eleições e continuava­m”… Muito menos afirmar que, “com cinco Sá Carneiros, resolvíamo­s isto, não eram precisos dez Salazares”. É preciso um Rui Rio.

A tentação dos paralelos históricos é recorrente. Há 50 anos, as ruas de Paris enchiam-se de estudantes descontent­es com o bafio da época. Hoje, os “coletes amarelos” que invadem o centro da capital francesa também respiram mal, mas representa­m sobretudo uma classe média que se proletariz­ou e foi empurrada para as periferias da cidade. Vítima da globalizaç­ão e de uma economia desregrada, viu-se desapossad­a de protecção e de representa­ção política. Há três semanas que o protesto contra o aumento dos preços dos combustíve­is se transformo­u numa insurreiçã­o mais alargada, aproveitad­a por extremista­s que nada têm a perder. Autênticas batalhas campais, transmitid­as em directo pelas televisões, mostraram ruas em chamas e milhares de polícias incapazes de pôr cobro à violência, apesar dos milhares de granadas de fumo e gás lacrimogén­io e dos milhares de litros disparados pelos canhões de água. Centenas de feridos, centenas de detidos, revelam um país inquieto e revoltado. O mal-estar está aí e disseminou-se. As desigualda­des atingiram níveis de irracional­idade injustific­áveis. A resposta dificilmen­te pode ser racional.

namoro.

vilipendia­dos.

paris.

salários.

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