O dever de pôr a vida em jogo
Há dez anos, Nassim Nicholas Taleb tornou-se um fenómeno com um livro que previu o crash financeiro mundial. Nunca mais parou de agitar mercados e consciências.
Adado momento do novo livro de Nassim Nicholas Taleb, o autor conta uma história que o define bem. Diz que um dia estava num debate na televisão quando se começou a falar da Microsoft. “Todos, incluindo o apresentador, intervieram. Chegou a minha vez: ‘Não possuo acções da Microsoft, não beneficiaria com uma baixa da sua cotação e, por conseguinte, não posso falar sobre ela.” A ideia parece um pouco esdrúxula. Nicholas Taleb está a defender comprometimento. Ou ética, se quisermos: não tendo acções da empresa, Nicholas Taleb não sofreria consequências da sua opinião. Não arriscaria a pele.
É a ideia-chave do livro: como falar bem sobre um assunto se não estamos fisicamente e materialmente envolvidos? Como gerir bem um banco ou vender um produto financeiro se não partilhamos o risco com os clientes? Como invadir países para depor “ditadores” se nunca somos os danos colaterais? Como resume o autor, “aqueles que nunca correm riscos nunca deveriam estar envolvidos na tomada de decisões”.
Nicholas Taleb recorre com abundância às histórias e personagens da Antiguidade para aludir ao fosso que se cavou entre o mundo moderno e esses tempos antigos em que os líderes – reis, nobres, senhores da guerra, conquistadores – arriscavam a pele, literalmente, no campo de batalha. A teoria do livro remete para ideais de nobreza e ética e estende-se a todos os domínios da vida quotidiana. A vida, diz, deve ser vivida assente na partilha de riscos, na incerteza e na aleatoriedade.
“Arriscar a pele – assimetrias ocultas na vida quotidiana” é o mais recente livro deste ex-trader e analista de risco nascido no Líbano em 1960 e que nos últimos dez anos se posicionou no espaço público com o seu estilo definitivo e desafiador. Ei-lo há poucos dias na Bloomberg: “O mundo [financeiro] está mais frágil hoje do que em 2007.”
Nicholas Taleb é um espírito esquemático, que parece estar sempre seguro do que pensar sobre o mundo. Os capítulos são curtos, há resumos do que se leu e “teasers” para o que se segue. As ideias são resumidas e isoladas em itálico ou reunidas num glossário. Por exemplo, sobre o episódio da Microsoft: “Não me diga o que ‘pensa’, diga-me apenas o que tem na sua carteira de títulos.”
É o quinto livro do que o autor chama a Série Incerto: “Iludidos pelo Acaso – o papel oculto do acaso na vida e nos mercados” (de 2001, mas só publicado em Portugal em 2018), “O Cisne Negro – o impacto do altamente improvável” (best-seller de 2007 que já via no horizonte o crash financeiro), “ACama de Procusto - Aforismos Filosóficos e Práticos” (2010) e “Anti-frágil – coisas que beneficiam da desordem” (2012).
Nassim Nicholas Taleb elenca numa tabela na página 67 (um bom exemplo do seu estilo heterodoxo) quem arrisca a pele: cidadãos, homens de negócios, comerciantes, artesãos, escritores, especuladores, activistas ou correctores de fundos especulativos.
Do outro lado estão os governos, as empresas públicas e as elites: médicos, jornalistas, intelectuais, historiadores, economistas, banqueiros, cientistas políticos e académicos. Para estes, a derradeira frase em itálico: “No mundo académico, não existe diferença entre o mundo académico e o mundo real; no mundo real, existe.”