Jornal de Negócios

Gostas mais do teu pai ou da tua mãe?

- WILSON LEDO

A família na qual se nasce pode ditar o nosso futuro. E a arte, em que nos tornamos adultos, tem esse poder? No legado que os SillySeaso­n estão a construir, há espaço para a euforia, para a mágoa, para o passado. A cada espectácul­o, a família forma-se e desmembra-se logo a seguir. Valerá a pena o sacrifício?

mostram como há laços que vão além da genética, expõem-se num palco a que não estão habituados. Porque essa é a verdadeira paixão dos filhos.

Cena atrás de cena, há uma mágoa que se vai tornando mais evidente. Cátia, Ivo, Ricardo e Rodolfo parecem invejar uma certa ideia de relação construída pelos pais. Eles sabem que nunca conseguirã­o atingi-la: os tempos são outros, as exigências são outras, a profissão é outra. A arte do palco obriga a sacrifício­s. A família, a casa, o carro ficam para outro plano. Eles revelam como vão envelhecer, discorrem a dolorosa lista de coisas que conseguira­m conquistar com os rendimento­s de actor, as referência­s trazidas dos saudosos anos 1990 onde cresceram.

Tudo se desenrola em turbilhão, no extremo da energia, na explosão dos sentidos. Sem avisos, sem meias-palavras, sem medo de provocar a reflexão. “Gostas mais do teu pai ou da tua mãe?” – perguntam-nos, sem exigir resposta. Ela chega de imediato às nossas cabeças. Depois, o assombro do politicame­nte correcto. E, quando damos por nós, já os SillySeaso­n seguiram em frente. O carrossel deles não pára.

O belo pelo belo, o exagero pelo exagero, o absurdo pelo absurdo. “Testamento em Três Atos” atinge a euforia estética para depois, sim, encontrar não a paz, mas outra tempestade interior. “Ne Me Quite Pas”, canta Jacques Brel. Não nos deixem… Cátia, Ivo, Ricardo e Rodolfo avisam-nos de olhar vazio, de cabeça apoiada nos ombros uns dos outros. Eles só podem sobreviver ao teste da memória, à efemeridad­e da sua própria arte, se houver alguém na plateia. O que eles têm para dar, para legar, é outra forma de fazer teatro. A forma deles, a entrega deles.

Haverá maior lição de amor?

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