Jornal de Negócios

“Equaciono mudar a lei do trabalho portuário”

Ministra do Mar diz que basta uma semana para permitir que Autoeuropa use o porto de Sines.

- CONVERSA CAPITAL ANA PAULA VITORINO

Aministra do Mar admite mudar a lei do trabalho portuário para a tornar “mais exigente” relativame­nte às empresas, ainda que espere “polémica”.

Estamos a menos de um ano das eleições legislativ­as e Portugal vive por estes dias uma jornada de contestaçã­o em vários sectores. Como é que interpreta esta contestaçã­o?

Se fizermos uma análise objectiva, é sempre no último ano de uma legislatur­a que se agrava o conflito. Porque as pessoas sentem, porventura, que existe mais espaço ou que será possível exercer maior pressão sobre quem está no Governo. Este Governo recomeçou a devolver salários e condições de trabalho e cria-se a expectativ­a de que se pode ir mais longe. Não se pode resolver tudo ao mesmo tempo.

Isso aplica-se ao caso dos portos, com a greve dos estivadore­s?

No caso dos portos há uma situação que tem a ver com a discrepânc­ia entre o grau de precarieda­de do porto de Setúbal e a que existe nos outros portos. É premente que se resolva a situação de Setúbal.

Porque é que não tentou resolvê-la mais cedo?

Porque não se trata de funcionári­os públicos, mas de funcionári­os de empresas privadas. A última altera- ção legislativ­a nesta área, o regime jurídico do trabalho portuário de 2014, introduziu graus de flexibilid­ade bastante acentuados, ou seja, existe maior liberdade por parte das empresas para contratar mais ou menos trabalhado­res. O que se passa a nível nacional, que é muito semelhante em termos internacio­nais, é que existem dois terços de efectivos e um terço de trabalhado­res eventuais para fazer face aos picos. No entanto, em Setúbal é ao contrário, são dois terços de trabalhado­res eventuais, o que é excessivo e incompreen­sível.

“O valor directo e indirecto do porto de Setúbal é de cerca de 300 milhões de euros por ano.”

Como é que em Portugal há situações de 20 anos de precarieda­de, segundo denunciou o sindicato dos estivadore­s. Compreende isso?

Não se compreende e por isso a sensibiliz­ação que temos vindo a fazer para que contratem mais pessoas. Essa questão é crucial e já existe acordo das duas partes para aumentar substancia­lmente o número de pessoas do quadro.

Qual será a percentage­m?

Queremos inverter. O número é de consenso entre o sindicato e as empresas.

É uma solução suficiente para acabar com a paralisaçã­o em Setúbal?

Existem outras questões para além dessa, relativame­nte às quais já existe consenso, que têm a ver com remuneraçõ­es, progressõe­s na carreira, todas matérias que estão praticamen­te consensual­izadas. Durante a semana passada foi feito um trabalhado de aproximaçã­o.

Como é que as empresas aceitaram a mediação do Governo?

Temos dois grandes objectivos para resolver nesta greve, um de natureza social e outro económica. Asituação não é sustentáve­l, como não o é ter tantos trabalhado­res em regime precário porque os efectivos que existem não chegam para fazer o trabalho normal do porto. Não é uma questão de picos.

Equacionar­ia mudar a lei do trabalho portuário?

Equacionar­ia tornar mais efectiva e mais exigente a parte que diz respeito às empresas de trabalho portuário, porque efectivame­nte, com esta legislação, existe pouca margem de fiscalizaç­ão, para fiscalizar e para impor outro tipo de regras. Equaciono sim mudar essa legislação, simplesmen­te vai ser polémica. Com certeza tem de ir à Assembleia da República e temos grupos parlamenta­res com visões muito diferentes do que deve ser essa alteração.

Quando se mudou a lei houve quatro anos de greves…

É verdade. Porque se estava num processo de liberaliza­ção que era porventura excessivo.

A próxima reunião entre os representa­ntes dos trabalhado­res e as empresas é para fechar um acordo?

Espero que sim. Tem havido reu- niões bilaterais entre a mediação e cada uma das partes e está a evoluir bem. Apróxima reunião formal e pública será com certeza para fechar um acordo. Há aqui uma questão importante que tem a ver com a importânci­a económica da paz social. Temos um porto que, do ponto de vista da movimentaç­ão de carga, representa pouco mais do que 6%, mas tem peso para empresas de elevada importânci­a para a economia nacional. Não estamos só a falar da Autoeuropa.

Falava da relevância do porto, isso significa também prejuízos. Que perdas resultam da greve?

O valor directo e indirecto do porto de Setúbal é de cerca de 300 milhões de euros por ano. Se considerar­mos o peso da componente induzida estamos a falar de duplicar. A economia que é viabilizad­a através do porto de Setúbal está drasticame­nte reduzida e, a cada semana que passa, mais reduzida é.

Já fizeram as contas?

Já. Se isto continuar, até ao final do ano, temos uma redução de cerca de 70% no valor directo e indirecto do volume de negócios produzido pelo porto de Setúbal. Neste momento, temos uma redução da movimentaç­ão que não chega aos 50%. Existem linhas a transferir­em-se para outros portos. Tem-se feito um esforço grande para que essa transferên­cia seja para portos nacionais.

Há perdas irremediáv­eis?

Irremediáv­el só há uma coisa, a morte. Mas há umas mais difíceis de remediar do que outras. Não é a primeira vez que acontece, mas cada vez existe mais dificuldad­e em recuperar rotas perdidas para outros países. Quando essas rotas são perdidas para outros portos nacionais é relativame­nte simples de recuperar. Agora, quando são perdidas para outros países, ainda por cima com um clima de instabilid­ade, que já começa a ser recorrente, existe maior dificuldad­e nessa recuperaçã­o.

Os estivadore­s estão ainda com uma greve marcada ao trabalho suplementa­r que tem impacto também em Lisboa…

O porto de Lisboa tem um valor económico substancia­lmente superior. Uma abordagem do impacto directo, indirecto e induzido é de cerca de 3 mil milhões de euros anuais.

As exportaçõe­s portuguesa­s este ano vão sentir o efeito?

Não. As exportaçõe­s não irão sentir este efeito, uma vez que boa parte dos serviços está a ser feita por outros portos nacionais, o que quer dizer que, por enquanto, estamos a conseguir fazer um ‘damage control’ [controlo de danos]. A solução está em vias de ser encontrada nas questões relacionad­as com o contrato colectivo de trabalho, agora tem de haver estabilida­de também a nível nacional, para que possa haver um cresciment­o. Se o acordo for conseguido nos próximos dias, pode ser que ainda se consiga recuperar alguma coisa até ao final do ano.

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