“Equaciono mudar a lei do trabalho portuário”
Ministra do Mar diz que basta uma semana para permitir que Autoeuropa use o porto de Sines.
Aministra do Mar admite mudar a lei do trabalho portuário para a tornar “mais exigente” relativamente às empresas, ainda que espere “polémica”.
Estamos a menos de um ano das eleições legislativas e Portugal vive por estes dias uma jornada de contestação em vários sectores. Como é que interpreta esta contestação?
Se fizermos uma análise objectiva, é sempre no último ano de uma legislatura que se agrava o conflito. Porque as pessoas sentem, porventura, que existe mais espaço ou que será possível exercer maior pressão sobre quem está no Governo. Este Governo recomeçou a devolver salários e condições de trabalho e cria-se a expectativa de que se pode ir mais longe. Não se pode resolver tudo ao mesmo tempo.
Isso aplica-se ao caso dos portos, com a greve dos estivadores?
No caso dos portos há uma situação que tem a ver com a discrepância entre o grau de precariedade do porto de Setúbal e a que existe nos outros portos. É premente que se resolva a situação de Setúbal.
Porque é que não tentou resolvê-la mais cedo?
Porque não se trata de funcionários públicos, mas de funcionários de empresas privadas. A última altera- ção legislativa nesta área, o regime jurídico do trabalho portuário de 2014, introduziu graus de flexibilidade bastante acentuados, ou seja, existe maior liberdade por parte das empresas para contratar mais ou menos trabalhadores. O que se passa a nível nacional, que é muito semelhante em termos internacionais, é que existem dois terços de efectivos e um terço de trabalhadores eventuais para fazer face aos picos. No entanto, em Setúbal é ao contrário, são dois terços de trabalhadores eventuais, o que é excessivo e incompreensível.
“O valor directo e indirecto do porto de Setúbal é de cerca de 300 milhões de euros por ano.”
Como é que em Portugal há situações de 20 anos de precariedade, segundo denunciou o sindicato dos estivadores. Compreende isso?
Não se compreende e por isso a sensibilização que temos vindo a fazer para que contratem mais pessoas. Essa questão é crucial e já existe acordo das duas partes para aumentar substancialmente o número de pessoas do quadro.
Qual será a percentagem?
Queremos inverter. O número é de consenso entre o sindicato e as empresas.
É uma solução suficiente para acabar com a paralisação em Setúbal?
Existem outras questões para além dessa, relativamente às quais já existe consenso, que têm a ver com remunerações, progressões na carreira, todas matérias que estão praticamente consensualizadas. Durante a semana passada foi feito um trabalhado de aproximação.
Como é que as empresas aceitaram a mediação do Governo?
Temos dois grandes objectivos para resolver nesta greve, um de natureza social e outro económica. Asituação não é sustentável, como não o é ter tantos trabalhadores em regime precário porque os efectivos que existem não chegam para fazer o trabalho normal do porto. Não é uma questão de picos.
Equacionaria mudar a lei do trabalho portuário?
Equacionaria tornar mais efectiva e mais exigente a parte que diz respeito às empresas de trabalho portuário, porque efectivamente, com esta legislação, existe pouca margem de fiscalização, para fiscalizar e para impor outro tipo de regras. Equaciono sim mudar essa legislação, simplesmente vai ser polémica. Com certeza tem de ir à Assembleia da República e temos grupos parlamentares com visões muito diferentes do que deve ser essa alteração.
Quando se mudou a lei houve quatro anos de greves…
É verdade. Porque se estava num processo de liberalização que era porventura excessivo.
A próxima reunião entre os representantes dos trabalhadores e as empresas é para fechar um acordo?
Espero que sim. Tem havido reu- niões bilaterais entre a mediação e cada uma das partes e está a evoluir bem. Apróxima reunião formal e pública será com certeza para fechar um acordo. Há aqui uma questão importante que tem a ver com a importância económica da paz social. Temos um porto que, do ponto de vista da movimentação de carga, representa pouco mais do que 6%, mas tem peso para empresas de elevada importância para a economia nacional. Não estamos só a falar da Autoeuropa.
Falava da relevância do porto, isso significa também prejuízos. Que perdas resultam da greve?
O valor directo e indirecto do porto de Setúbal é de cerca de 300 milhões de euros por ano. Se considerarmos o peso da componente induzida estamos a falar de duplicar. A economia que é viabilizada através do porto de Setúbal está drasticamente reduzida e, a cada semana que passa, mais reduzida é.
Já fizeram as contas?
Já. Se isto continuar, até ao final do ano, temos uma redução de cerca de 70% no valor directo e indirecto do volume de negócios produzido pelo porto de Setúbal. Neste momento, temos uma redução da movimentação que não chega aos 50%. Existem linhas a transferirem-se para outros portos. Tem-se feito um esforço grande para que essa transferência seja para portos nacionais.
Há perdas irremediáveis?
Irremediável só há uma coisa, a morte. Mas há umas mais difíceis de remediar do que outras. Não é a primeira vez que acontece, mas cada vez existe mais dificuldade em recuperar rotas perdidas para outros países. Quando essas rotas são perdidas para outros portos nacionais é relativamente simples de recuperar. Agora, quando são perdidas para outros países, ainda por cima com um clima de instabilidade, que já começa a ser recorrente, existe maior dificuldade nessa recuperação.
Os estivadores estão ainda com uma greve marcada ao trabalho suplementar que tem impacto também em Lisboa…
O porto de Lisboa tem um valor económico substancialmente superior. Uma abordagem do impacto directo, indirecto e induzido é de cerca de 3 mil milhões de euros anuais.
As exportações portuguesas este ano vão sentir o efeito?
Não. As exportações não irão sentir este efeito, uma vez que boa parte dos serviços está a ser feita por outros portos nacionais, o que quer dizer que, por enquanto, estamos a conseguir fazer um ‘damage control’ [controlo de danos]. A solução está em vias de ser encontrada nas questões relacionadas com o contrato colectivo de trabalho, agora tem de haver estabilidade também a nível nacional, para que possa haver um crescimento. Se o acordo for conseguido nos próximos dias, pode ser que ainda se consiga recuperar alguma coisa até ao final do ano.