Governo contraria provedora no IRS de salários passados
Contribuintes confrontados com IRS superior ao que deveriam pagar em virtude de atrasos no pagamento de salários ou de pensões. Provedoria de Justiça reclama mudanças.
OMinistério das Finanças recusa corrigir a forma como os rendimentos de anos anteriores são tributados em sede de IRS, contrariando uma recomendação da Provedora de Justiça feita no início de Outubro.
Actualmente, o cálculo do IRS soma grande parte do rendimento produzido em anos anteriores (salários em atraso, novos cálculos de pensões ou indemnizações por despedimentos ilegais) ao rendimento auferido no ano corrente, empurrando o contribuinte para escalões superiores e fazendo com que pague mais do que deveria se tivesse recebido – e sido tributado – nos anos devidos.
Para a provedora de Justiça, este regime de tributação produz “situações de profunda e incompreensível injustiça fiscal”, sobretudo no caso de contribuintes que, “sem culpa sua”, enfrentam anos de atraso em pagamentos e que “depois são duplamente penalizados com uma tributação agravada e até com a perda de benefícios sociais”. Nesse sentido, Maria Lúcia Amaral escreveu a Mário Centeno, recomendando alterações legislativas para “repor ajustiça” e para pagar retroactivos a quem tenha sido prejudicado por este regime.
A resposta das Finanças chegou no prazo, mas sem cumprir o objectivo. “Não se mostra actualmente oportuna a introdução de uma alteração”, afirmou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Na resposta, a que o Negócios teve acesso, António Mendonça Mendes recorda que a forma de tributar estes rendimentos tem sido alterada ao longo dos anos e justifica-se com falta de meios e de capacidade técnica do Fisco.
Um problema antigo com quase 100 queixas
Não é a primeira vez que a Provedoria de Justiça escreve ao Ministério das Finanças sobre este assunto. A primeira recomendação é de 2008 e, já na altura, não foi acatada pelo Governo de Sócrates. Mas o problema coloca-se desde 2001, quando foi eliminada uma norma que definia que estes rendimentos eram tributados segundo as regras de IRS emvigor em cada dos anos a que diziam respeito.
O regime teve várias alterações e, com a última reforma do IRS em 2014, passou a ser possível dividir os rendimentos anteriores pelo número total de anos a que dizem respeito, atenuando o impacto negativo sobre o contribuinte. Ainda assim, a Provedoria de Justiça recebeu 23 queixas sobre este regime. No total, foram recebidas 90 reclamações.
“Estas alterações legislativas, até mesmo a última, tiveram por consequência amortecer, mas nunca eliminar, a injustiça fiscal gerada pelo regime jurídico da tributação de rendimentos produzidos em anos anteriores”, afirma a provedora.
Sobre o argumento tecnológico, Manuel Faustino, director de serviços de IRS antes da reforma de 2001, lembra que “tinha um sistema em- brionário” e que, ainda assim, “conseguia fazer o reporte” para anos anteriores. E critica a dualidade de argumentos da Administração Fiscal: “Quando é paraliquidar afavor do Estado consegue-se ir vários anos atrás”, exemplifica.
Alteração no OE não chega
Apesar de não alterar o regime, o Governo introduziu uma ligeira alteração à tributação dos rendimentos de anos anteriores na proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2019. Apenas para efeitos de retenção na fonte, passa a ser possível dividir o montante recebido pelo número de meses a que se refere, aplicando-se a taxa assim determinada à totalidade dessas remunerações.
Mas para Manuel Faustino, esta é “uma dose aumentada de anestesiante” porque, embora em termos mensais esses rendimentos tenham uma retenção inferior, a situação mantém-se na injustiça. Também o fiscalista Sérgio Vasques admite que o Governo “amacia um bocadinho o problema”, mas mantém a injustiça, por não mexer no artigo 74.º. Embora considere que seja possível acomodar as alterações do ponto de vistatecnológico, este ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais admite que resolver aquestão “não é fácil”.“O IRS está cada vez mais complexo”.