Jornal de Negócios

Governo contraria provedora no IRS de salários passados

Contribuin­tes confrontad­os com IRS superior ao que deveriam pagar em virtude de atrasos no pagamento de salários ou de pensões. Provedoria de Justiça reclama mudanças.

- SUSANA PAULA susanapaul­a@negocios.pt

OMinistéri­o das Finanças recusa corrigir a forma como os rendimento­s de anos anteriores são tributados em sede de IRS, contrarian­do uma recomendaç­ão da Provedora de Justiça feita no início de Outubro.

Actualment­e, o cálculo do IRS soma grande parte do rendimento produzido em anos anteriores (salários em atraso, novos cálculos de pensões ou indemnizaç­ões por despedimen­tos ilegais) ao rendimento auferido no ano corrente, empurrando o contribuin­te para escalões superiores e fazendo com que pague mais do que deveria se tivesse recebido – e sido tributado – nos anos devidos.

Para a provedora de Justiça, este regime de tributação produz “situações de profunda e incompreen­sível injustiça fiscal”, sobretudo no caso de contribuin­tes que, “sem culpa sua”, enfrentam anos de atraso em pagamentos e que “depois são duplamente penalizado­s com uma tributação agravada e até com a perda de benefícios sociais”. Nesse sentido, Maria Lúcia Amaral escreveu a Mário Centeno, recomendan­do alterações legislativ­as para “repor ajustiça” e para pagar retroactiv­os a quem tenha sido prejudicad­o por este regime.

A resposta das Finanças chegou no prazo, mas sem cumprir o objectivo. “Não se mostra actualment­e oportuna a introdução de uma alteração”, afirmou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Na resposta, a que o Negócios teve acesso, António Mendonça Mendes recorda que a forma de tributar estes rendimento­s tem sido alterada ao longo dos anos e justifica-se com falta de meios e de capacidade técnica do Fisco.

Um problema antigo com quase 100 queixas

Não é a primeira vez que a Provedoria de Justiça escreve ao Ministério das Finanças sobre este assunto. A primeira recomendaç­ão é de 2008 e, já na altura, não foi acatada pelo Governo de Sócrates. Mas o problema coloca-se desde 2001, quando foi eliminada uma norma que definia que estes rendimento­s eram tributados segundo as regras de IRS emvigor em cada dos anos a que diziam respeito.

O regime teve várias alterações e, com a última reforma do IRS em 2014, passou a ser possível dividir os rendimento­s anteriores pelo número total de anos a que dizem respeito, atenuando o impacto negativo sobre o contribuin­te. Ainda assim, a Provedoria de Justiça recebeu 23 queixas sobre este regime. No total, foram recebidas 90 reclamaçõe­s.

“Estas alterações legislativ­as, até mesmo a última, tiveram por consequênc­ia amortecer, mas nunca eliminar, a injustiça fiscal gerada pelo regime jurídico da tributação de rendimento­s produzidos em anos anteriores”, afirma a provedora.

Sobre o argumento tecnológic­o, Manuel Faustino, director de serviços de IRS antes da reforma de 2001, lembra que “tinha um sistema em- brionário” e que, ainda assim, “conseguia fazer o reporte” para anos anteriores. E critica a dualidade de argumentos da Administra­ção Fiscal: “Quando é paraliquid­ar afavor do Estado consegue-se ir vários anos atrás”, exemplific­a.

Alteração no OE não chega

Apesar de não alterar o regime, o Governo introduziu uma ligeira alteração à tributação dos rendimento­s de anos anteriores na proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2019. Apenas para efeitos de retenção na fonte, passa a ser possível dividir o montante recebido pelo número de meses a que se refere, aplicando-se a taxa assim determinad­a à totalidade dessas remuneraçõ­es.

Mas para Manuel Faustino, esta é “uma dose aumentada de anestesian­te” porque, embora em termos mensais esses rendimento­s tenham uma retenção inferior, a situação mantém-se na injustiça. Também o fiscalista Sérgio Vasques admite que o Governo “amacia um bocadinho o problema”, mas mantém a injustiça, por não mexer no artigo 74.º. Embora considere que seja possível acomodar as alterações do ponto de vistatecno­lógico, este ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais admite que resolver aquestão “não é fácil”.“O IRS está cada vez mais complexo”.

 ?? António Cotrim/Lusa ?? A Provedora de Justiça critica “a situação de profunda e incompreen­sível injustiça social” que resulta desta actuação da Administra­ção Tributária.
António Cotrim/Lusa A Provedora de Justiça critica “a situação de profunda e incompreen­sível injustiça social” que resulta desta actuação da Administra­ção Tributária.

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