“Tirar empresas da Zona Franca é o mesmo que queimar notas”
PRESIDENTE DA SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO DA MADEIRA
“Se houve abuso de benefícios fiscais, puna-se essa empresas”, afirma o líder da SDM.
Paulo Prada assumiu a presidência da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM) poucos dias depois de a Comissão Europeia ter descoberto benefícios ilegais atribuídos às empresas com sede no centro de negócios madeirense (CINM). Paulo Prada admite que dezenas de empresas possam ter beneficiado indevidamente do regime e que, caso se confirme essa possibilidade, devem ser punidas, seja com o pagamento do IRC em falta ou perdendo a licença.
Está a iniciar um mandato à frente da SDM. Quais são o objetivos para estes anos?
Para este ano apanhei um orçamento que já estava feito. É muito em linha com o ano anterior, quando crescemos 3%. Por ventura seríamos mais ambiciosos se não houvesse este processo da Comissão.
Porquê?
Nos mercados onde nos movemos, o valor essencial é a estabilidade. Todo este sentimento de alguma apreensão faz com que, pese embora nós continuemos a fazer a promoção, a tomada de decisão demore mais tempo, o que é normal. Queremos que haja uma decisão célere.
Como é que se materializam os receios das empresas?
Nestes momentos temos de passar uma mensagem de naturalidade. Tentamos que as empresas compreendam o que se está a passar. O CINM é um auxílio de Estado e por isso é muito claro que há um exame permanente da Comissão Europeia. O CINM foi sempre negociado e fiscalizado pela Comissão. E estamos a falar do III regime. Hoje as empresas já estão quase todas no IV.
Admito que algumas do IV regime tenham beneficiado do III regime também.
Sim. Sair neste momento não é solução. Porque se prevaricaram, prevaricaram no passado, portanto serão eventualmente notificadas para liquidar impostos relativamente ao passado.
Em que fase está o processo?
Pela informação que nos foi dada, o Estado português já recebeu as observações feitas nos termos do artigo 108.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que prevê que qualquer contraparte possa fazer observações ao procedimento. Tem 30 dias para responder. Só que depois não há novamente prazo para a comissão decidir. Nós gostaríamos de ter uma decisão célere. Mas como houve as eleições para o Parlamento Europeu recentemente e o executivo comunitário vai mudar, não faço a mínima ideia se a decisão será tomada antes da tomada de posse. Mas volto a frisar: é algo normal, não vamos dramatizar. A SDM não tem nada a ver com isso. Só tem um contrato de concessão e tem como objetivo explorar e promover o CINM. E construir e manter as infraestruturas da Zona Franca do Caniçal. Mais nada.
É parte interessada.
Quem tem a competência de fiscalizar e licenciar são as entidades regionais e nacionais. A SDM não é interlocutor da Comissão. O interlocutor é o Governo português. A SDM com o seu ‘know-how’ ajuda na medida do que lhe é pedido.
E a responder às questões que a Comissão Europeia colocou?
Sim. [...] Não sei quantas entidades podem ter prevaricado, mas se houve essa prevaricação… de certeza que aqui na Rua da Mouraria [no Funchal, onde são os escritórios da SDM] há empresas que prevaricam, em Lisboa e no Porto há empresas que prevaricam...
Essas empresas não têm uma ajuda do Estado.
[Essas] não têm ajuda de estado. Mas puna-se, investigue-se.
Mas admite que possa ter havido algum abuso?
Abusos são naturais em todas as atividades, nos taxistas, nos padeiros, na Madeira, no CINM, em Lisboa, no Porto. Admito que sim. Mas se os há, até por uma questão de depuração, até para o regime depois ficar mais forte, que sejam investigados e que sejam punidos tal como se acontecesse fora do CINM. Nós temos cá a Autoridade Tributária Regional, não andamos num regabofe como dizia a ex-deputada europeia Ana Gomes. As entidades na Madeira são fiscalizadas pela Autoridade Tributária, pela regional e pela nacional.
“Sair neste momento não é solução. Porque as empresas serão notificadas para liquidar impostos passados.”
“Queremos que haja uma decisão célere da Comissão.”
Já alguma empresa foi punida por abusar do regime? Certamente que houve. Há liquidações adicionais que estão a seguir o seu curso natural. Mas é exatamente igual a qualquer outra uma entidade. No CINM não vivemos à margem, vivemos dentro do sistema, que é absolutamente regulado.
Quando diz que as empresas devem ser punidas está a falar de liquidações extra ou também da possibilidade de serem excluídas do regime?
A SDM não tem poder sancionatório. Mas quem tem esse poder deve exercê-lo, depois de devidamente provada a violação de normativos legais, quer em termos fiscais, quer criminais, quer até revogando a licença em casos de transgressão reiterada do regime ou em casos ilícitos Mas, do que sei, não houve ainda a necessidade de usar essa prorrogativa prevista no regulamento do CINM.
Quantas empresas podem vir a liquidar imposto a mais?
Não lhe sei dizer. Temos de excluir as empresas da Zona Franca Industrial, as que não são do regime III e as que estão ligadas aos navios. Não sei se estamos a falar de dezenas, uma centena, [mas] andará nessa ordem.
Está admitir que todas as empresas de serviços podem ter de liquidar imposto a mais?
Não. O que está em causa são empresas do III regime de serviços. Estamos a falar de um universo de cerca de 800 empresas. E dentro dessas pode haver quem tenha prevaricado. Quantas são ao certo? Não tenho essa informação. O que eu penso é que pode haver um princípio que a Comissão quer estipular e depois ver se a empresa cumpriu.
Até ao fim do mandato prevê que se prepare o V regime?
Nós gostaríamos que sim, faz todo o sentido que sim. Mas também percebemos que o V será muito parecido com o IV. E enquanto esta questão do III não estiver resolvida, eu imagino que não haja vontade de ninguém, nem nossa, de impor o V regime. Provavelmente o que se passará é que será prorrogado o IV regime por dois ou três anos, para permitir que as empresas entrem. Aconteceu no passado e é muito provável que volte a acontecer.
Então este processo não estará concluído antes de 2020?
O ano 2020 é amanhã. Não sei. O mais provável é prorrogar.