DANIEL GROS
“O equilíbrio de autoridade entre os líderes europeus e nacionais parece agora menos desigual.”
Diretor do Centro de Estudos Políticos Europeus.
As eleições para o Parlamento Europeu costumavam ser um assunto chato, ignorado pelos eleitores e pouco noticiado pelos meios de comunicação. Mas as mais recentes, realizadas no último fim de semana de maio, escaparam à tendência e captaram a atenção na medida em que contrariaram as expectativas.
A participação dos eleitores, que vinha a diminuir desde as primeiras eleições para o Parlamento Europeu em 1979, aumentou de forma acentuada, superando os 50%. Não é apenas a maior participação numas eleições para o Parlamento Europeu em 20 anos, como também mais alta do que os típicos 40-50% das eleições intercalares nos Estados Unidos. A participação, excluindo o Reino Unido – mais de 53% – foi comparável à das eleições presidenciais dos EUA de 2016.
Determinante para o aumento da participação terá sido o surgimento de partidos populistas, mas não pelo motivo mais óbvio. Durante algum tempo, as sondagens revelaram um apoio crescente à pertença à União Europeia, com os cidadãos a declararem mais confiança nas instituições da UE do que nas instituições nacionais. Assim, o fantasma do Brexit e o medo de que forças populistas noutros países prejudiquem os benefícios da integração europeia podem ter impulsionado uma maior participação. Sim, as forças populistas ganharam terreno, mas não tanto como alguns temiam. Além disso, nenhum dos principais partidos populistas propôs sair da UE (ou abandonar o euro), sendo que 16 deles defendiam isso há apenas um ano.
No entanto, existe apenas uma fraca correlação entre a popularidade da UE e a participação nas eleições para o Parlamento Europeu. Em alguns países – a Eslováquia, por exemplo – as pessoas estão satisfeitas por pertencerem à UE, mas não veem sentido em vo
tar para o seu Parlamento, com apenas um quinto da população a deslocar-se às urnas.
Uma segunda surpresa – refletindo mais uma vez um desejo generalizado de permanecer na UE – foi o centro pró-europeu manter em grande parte a sua posição dominante, com as perdas dos dois principais partidos (conservadores e sociais-democratas) a serem compensadas em grande medida por ganhos para os liberais, e especialmente os Verdes. Este novo centro é mais fraturado, e será necessária uma coligação de pelo menos três partidos para a maioria. Mas isso reflete a realidade política no terreno: em muitos Estados-membros da UE, os votos combinados nos dois maiores partidos não chegam para formar uma maioria.
A recente campanha eleitoral também se destacou pela forma como as questões europeias foram discutidas. Em linha com o velho ditado de que “toda a política é local”, as questões ainda eram enquadradas em termos de circunstâncias e interesses nacionais. Mas quando a Europa era invocada, havia um sentimento subjacente de solidariedade.
Essas invocações centraram-se sobretudo na Segurança, especialmente a Imigração, que as sondagens indicam que continua a ser o desafio da Europa que mais preocupa as pessoas. Muitas campanhas apresentaram uma retórica baseada na ideia de “recuperar o controlo”. Mas, ao contrário do Reino Unido, onde essa frase significa controlar as fronteiras nacionais, no continente europeu significou sempre fortalecer a fronteira externa da UE.
Uma mudança semelhante pode ser vista noutras questões, especialmente no comércio. Os defensores do Brexit defenderam repetidamente que o Reino Unido precisa de recuperar o controlo sobre a sua própria política comercial. Mas, face aos movimentos erráticos do Presidente Donald Trump, os outros Estados-membros da UE chegaram à conclusão oposta: num mundo mais incerto, só uma Europa forte os pode impedir de ficar à mercê dos EUA e da China.
O resultado das eleições tem implicações importantes não só para o futuro da UE, como também – e de forma mais imediata – para o próprio Parlamento Europeu. O facto de a legislatura da UE não incorporar o princípio “uma pessoa, um voto” impediu por muito tempo que se tornasse um verdadeiro Parlamento. Em vez disso, os assentos são atribuídos aos Estados-membros de acordo com o princípio da chamada proporcionalidade degressiva: o número de eleitores por deputado diminui nos Estados-membros mais pequenos e cresce nos maiores.
Um grande Estado-membro como a Alemanha, Itália ou França tem um deputado para cada 800.000 cidadãos ou mais. Entre os Estados-membros mais pequenos, a proporção está mais próxima de 1:100.000. Por outras palavras, um voto num país pequeno da UE pode valer quase oito vezes mais do que um voto num país grande.
O Tribunal Constitucional alemão citou a proporcionalidade degressiva ao argumentar que o Parlamento Europeu não pode ser considerado democraticamente legítimo a 100%. Mas essa afirmação desconsidera as fundações duais da UE, que é uma união tanto de Estados-membros como do seu povo.
Num certo sentido, o Parlamento Europeu tem muito em comum com o sistema dos EUA. Por um lado, o órgão pode ser visto como uma combinação das duas câmaras do Congresso dos EUA: o Senado (que tem dois representantes por estado, independentemente do tamanho) e a Câmara dos Representantes (onde os membros representam distritos de quase igual tamanho).
Por outro lado, a estrutura do Parlamento Europeu assemelha-se à criada pelo Colégio Eleitoral dos EUA, que dá maior peso nas eleições presidenciais aos eleitores de estados menos populosos. Nos EUA, essas diferenças podem ser decisivas: em três das últimas sete eleições presidenciais, o vencedor ou não obteve uma maioria dos votos (Bill Clinton em 1992), ou obteve menos votos que o perdedor (George W. Bush em 2000 e Donald Trump em 2016).
Felizmente para a Europa, a representação excessiva dos deputados dos Estados-membros mais pequenos não se tornou uma questão importante. Isso talvez reflita o facto de não ter havido uma cisma clara e permanente entre este e oeste, norte e sul, ou pequeno e grande. Nos EUA, pelo contrário, há uma divisão grande e antiga nas atitudes políticas entre os estados costeiros mais populosos e os estados do interior menos densamente povoados.
No geral, o Parlamento Europeu parece ter dado um passo pequeno, mas importante, para se tornar uma verdadeira expressão da vontade popular dos europeus. Muitas questões ainda são decididas pelos líderes nacionais no Conselho Europeu, que obtém a sua legitimidade nas eleições nacionais. Mas o equilíbrio de autoridade entre os líderes europeus e nacionais parece agora menos desigual.
Num mundo mais incerto, só uma Europa forte os pode impedir de ficar à mercê dos EUA e da China.
O equilíbrio de autoridade entre os líderes europeus e nacionais parece agora menos desigual.