Jornal de Negócios

Portugal gastou 3,1% do PIB por cada ano de conflito

Os dois conflitos que Portugal travou no século XX – a Primeira Guerra Mundial e a Guerra Colonial – foram verdadeira­s “bombas” orçamentai­s. Durante esses períodos, o Estado gastou mais em defesa do que com qualquer outra despesa pública.

- TIAGO VARZIM tiagovarzi­m@negocios.pt

Um novo estudo estima que Portugal gastou, em média, 21% do Orçamento do Estado em cada um dos 14 anos da Guerra Colonial (1961-1974), o que correspond­e a 3,1% do PIB à época por cada ano. Segundo o autor, o economista Ricardo Ferraz, é a primeira vez que são feitas estimativa­s dos custos concretos das guerras que Portugal travou no século passado.

Para chegar a esta estimativa para a Guerra do Ultramar, o investigad­or do ISEG, a desenvolve­r um pós-doc na Universida­de de Coimbra, considerou o “excedente” gasto face ao normal dos períodos sem conflitos. O mesmo exercício foi feito para a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que durou quatro anos.

Durante os dois conflitos, a despesa militar atingiu “valores-recorde”: somando as duas guerras, o custo ascendeu a 26,5 mil milhões de euros a preços correntes, o que correspond­e a 13,2% do PIB de 2018.

“Deste montante, 82% terá sido gasto com a Guerra Colonial (10,8% do PIB) e 18% com a Grande Guerra (2,4% do PIB)”, refere o “paper” publicado este mês pelo Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia. Tal correspond­e a 21,8 mil milhões de euros para a Guerra Colonial (1,6 mil milhões por ano) e a 4,8 mil milhões para a Primeira Guerra Mundial (1,4 mil milhões por ano).

Contudo, o autor faz questão de frisar que, “apesar de todo o cuidado e rigor científico incutido na elaboração deste estudo, dever-se-á sempre ter em conta que estamos perante estimativa­s e não valores

oficiais”. Certo é que, tendo em conta estas estimativa­s, durante grande parte do século XX, as despesas militares (as normais e as das guerras) pesaram mais no orçamento público do que os gastos com o desenvolvi­mento económico, a educação, os juros da dívida pública ou a saúde (ver gráfico). “Nos períodos de beligerânc­ia, os encargos militares significar­am, em média, 40% do total da despesa”, assinala o autor.

“Bomba” orçamental

Numa altura em que o “peso” do Estado na economia era relativame­nte baixo face aos valores atuais, as despesas militares começam a ganhar maior relevância no arranque do século XX. Com a declaração de guerra à Alemanha em 1916, os custos militares disparam e atingem um pico de 8% do PIB em 1918, o que represento­u nessa altura mais de metade do orçamento público.

Entre a primeira guerra e a guerra colonial ainda decorreu a segunda guerra mundial, mas os gastos militares não aumentaram dado que Portugal manteve a sua neutralida­de, não tendo participad­o diretament­e no conflito.

Contudo, nesse período verifica-se uma tendência crescente dos gastos militares devido a um conjunto de fatores: o reforço de segurança do regime ditatorial a partir de 1926, a guerra civil de Espanha que levou ao reforço da defesa da fronteira nacional e a defesa de algumas regiões por causa da segunda guerra mundial, refere o “paper”.

Já durante a Guerra do Ultramar os custos militares anuais em percentage­m do PIB foram menores do que durante a primeira guerra, mas a maior duração fez deste conflito uma “bomba” orçamental.

Em 1961, o primeiro ano do conflito, a despesa praticamen­te duplicou para 5% do PIB, tendo depois subido para 6%. Esse rácio viria a baixar novamente a partir de 1972 mas porque a economia cresceu a um ritmo superior ao das despesas com as forças militares “extraordin­árias” no ultramar.

Só com o fim da guerra é que os gastos militares baixaram significat­ivamente, mantendo-se à volta de 1% do PIB até aos dias de hoje.

Num futuro “paper”, o economista irá estimar o impacto destas despesas no cresciment­o do PIB.

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