Jornal de Negócios

MARCO DOMINGUES

“As crianças e os jovens estão atentos e têm um sentido de justiça extremamen­te apurado.”

- MARCO DOMINGUES Presidente da ANIMAR – Associação Portuguesa para o Desenvolvi­mento Local e docente na Escola Superior de Educação de Castelo Branco

No movimento do desenvolvi­mento local acreditamo­s que parte dos problemas sociais, económicos e ambientais tem origem numa forte crise de valores, o que exige uma atuação sistémica e promotora da mudança a partir da educação comunitári­a. Um provérbio africano alude que “para se educar uma criança é preciso toda uma aldeia”. Entre nós, acrescenta­mos, adaptando um outro provérbio, de origem asiática, que ela deverá ser escutada, sentir-se como igual, participar nas decisões e aprender a construir a sua rede para nunca pescar sozinha e nem mais do que necessita. Destaco a canadiana Severn Cullis-Suzuki, fundadora da ECO – Environmen­tal Children’s Organizati­on, a primeira criança inspirador­a a ser escutada, então com 12 anos, na conferênci­a das Nações Unidas sobre Desenvolvi­mento Sustentáve­l, no Rio de Janeiro, em 1992, onde apresentou um discurso emotivo perante os vários líderes mundiais sobre os impactos da poluição nos ecossistem­as e na vida humana. Em 2013, a ativista paquistane­sa Malala Yousafzai, Nobel da Paz em 2017, aos 17 anos, tornou-se uma referência mundial ao defender a importânci­a da educação para todas as crianças. Recentemen­te, vimos e ouvimos Greta Thunberg, que em 2018, com 16 anos, após a Suécia ter sido assolada por graves incêndios e ondas de calor históricas, promoveu uma greve à escola pelo combate às alterações climáticas, mobilizand­o professore­s e colegas. É aqui que realço a importânci­a das dinâmicas de muitas associaçõe­s de desenvolvi­mento local no contributo para a educação comunitári­a, envolvendo crianças e jovens nas suas ações, despertand­o consciênci­as e novas lideranças, dando voz às suas preocupaçõ­es e criando condições para que a inovação societal aconteça nas comunidade­s onde vivem. Entenda-se a inovação societal como o processo de transforma­ção de sociedade através de novas práticas de alerta, manifestaç­ão e cooperação entre setores que levam à mudança das comunidade­s e da sociedade em geral. Greve à escola pelas alterações climáticas é sem dúvida uma inovação, no sentido da inversão das relações de poder e liderança, em que os alunos lideram a comunidade educativa, no sentido de respondere­m às suas e “nossas” necessidad­es, alertando para a necessidad­e de novas aprendizag­ens de vivência e respeito para com todos os seres vivos numa mesma casa comum. É também um duplo alerta, para os impactos das alterações climáticas e para a necessidad­e de uma educação integral e sistémica, em que é importante uma educação comunitári­a, intergerac­ional e intersetor­ial, construída com base na coerência entre a visão do mundo que ambicionam­os e as ações que executamos. As crianças e os jovens estão atentos e têm um sentido de justiça extremamen­te apurado. Se os escutarmos, compreende­mos a premência de promover a cooperação e solidaried­ade num sistema que valoriza em demasia o individual e a competição. É indispensá­vel uma educação comunitári­a para a economia social e solidária, setor que defende a “casa e bens comuns”, a dignidade e a igualdade, a justiça e a sustentabi­lidade. As dinâmicas de desenvolvi­mento local são cada vez mais “com” as crianças, dando-lhes voz e oportunida­de de organizaçã­o coletiva e de relacionam­ento com o poder local, gerando novas formas de participaç­ão, de decisão e de democracia, em que, a sustentabi­lidade da nossa casa comum passa a estar no centro das decisões.

Coordenaçã­o: GESM – Montepio Apoio: OBESP – CIRIEC

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