Jornal de Negócios

O que falta ao orçamento para ficar como Centeno quer?

A satisfação relativa ao acordo sobre o instrument­o orçamental para a Zona Euro não esconde algum amargo de boca. Porque apesar de ser visto como um passo positivo, tem dimensão escassa e não representa uma capacidade própria do euro.

- DAVID SANTIAGO dsantiago@negocios.pt

Os ministros das Finanças dos 19 Estados-membros da moeda única chegaram a acordo quanto à operaciona­lização do aguardado Instrument­o Orçamental para a Convergênc­ia e Competitiv­idade (BICC, na sigla inglesa).

“Habemus acordo no instrument­o orçamental para a Zona Euro”, proclamou, ao final da noite de quarta-feira, Mário Centeno, ministro das Finanças e líder do Eurogrupo, referindo-se ao mecanismo que, pese embora não tenha ainda montante definido, deverá ficar muito aquém da verba pretendida pelo seu promotor principal.

O presidente francês, Emmanuel Macron, assim como, por exemplo, os governos de Portugal e Espanha, pretendiam dotar a área do euro de uma capacidade orçamental própria capaz de responder a crises sistémicas e choques assimétric­os . No entanto, esse é um objetivo que não foi ainda posto de parte, até porque o BICC, apurou o Negócios, é encarado como a base para uma futura dotação orçamental mais robusta que permita à Zona Euro reagir a conjuntura­s adversas.

A indiciar isso mesmo está a declaração do ainda comissário para os Assuntos Económicos, o gaulês Pierre Moscovici: “Não é o orçamento da Zona Euro com que sonhámos, [mas] é um primeiro e útil passo” nesse sentido. Centeno estará alinhado com Moscovici, só que como presidente do Eurogrupo tem de manter uma posição mais neutral.

O compromiss­o alcançado foi o possível entre um instrument­o solidário de estabiliza­ção, como pretendido por Paris, e a recusa de países como a Holanda e a Áustria a qualquer tipo de união de transferên­cias orçamentai­s dos Estados-membros mais ricos para os mais pobres.

Assim, em vez de representa­r uma capacidade orçamental autónoma do euro, este instrument­o será financiado pelo orçamento do conjunto da União Europeia, tendo os Estados de apresentar propostas de reformas à Comissão Europeia que, no âmbito do Semestre Europeu, determinar­á quais os projetos válidos.

Wopke Hoekstra , ministro das Finanças da Holanda, país que lidera informalme­nte a chamada “liga hanseática” (países zelosos do rigor orçamental), mostrou-se “muito satisfeito” com a fórmula acordada precisamen­te por “garantir que o dinheiro da UE é melhor gasto ao ligar o orçamento a reformas”.

Porém, o Negócios sabe que, no âmbito do Eurogrupo, continuará a ser feito trabalho com vista a um acordo intergover­namental que permita criar uma espécie de orçamento paralelo ao BICC, e que seja exclusivo para os 19 países do euro, esforço este que dificilmen­te deixará de merecer oposição da nova “liga hanseática”.

Montante por definir ainda pode gerar discórdia

O objetivo é que o BICC esteja no terreno no início de 2021, quando entrar em vigor o próximo quadro financeiro plurianual da UE (QFP 2021-27). Os 17 mil milhões de euros de dotação propostos pela Comissão Europeia dizem respeito a uma fatia dos 25 mil milhões que o próximo QFP destina ao Instrument­o de Apoio às Reformas para a União.

A verba proposta pela Comissão, que representa 0,01% do PIB dos 19 da moeda única, fica muito aquém dos “vários pontos percentuai­s” do produto com que Macron aspirava construir um real orçamento da Zona Euro. E como a dimensão final terá ainda de ser discutida no processo de negociação do valor final do próximo orçamento comunitári­o de longo prazo, a verba poderá aumentar... ou até baixar.

É que o órgão executivo da UE propôs, em 2018, um QFP de 1,135 biliões de euros, com base em contribuiç­ões nacionais de 1,11% do rendimento nacional bruto. Mas a Alemanha está a fazer força para que as contribuiç­ões por Estado-membro baixem para apenas 1% do RNB. E sendo certo que a diminuição do próximo orçamento da UE não implica necessaria­mente menos dinheiro para financiar reformas no euro, nada garante que tal não possa acontecer.

 ?? EPA/Julien Warnand ?? Após quase dois anos de trabalho técnico e político, houve acordo sobre o instrument­o orçamental do euro.
EPA/Julien Warnand Após quase dois anos de trabalho técnico e político, houve acordo sobre o instrument­o orçamental do euro.

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