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“Portugal não é imune a populismos”

- LÚCIA CRESPO MIGUEL BALTA ZAR

O meu maior medo é que os populistas consolidem o seu poder Conversámo­s antes das eleições legislativ­as portuguesa­s. Portugal era ainda um dos poucos países da União Europeia sem representa­ntes de extrema-direita na Assembleia da República. O Chega ganhou lugar no Parlamento. “Quando os populistas assumem o poder, prometem devolver o poder ao povo – seja na Venezuela, na Hungria ou na Turquia –, mas o que realmente fazem é abolir a democracia”, diz o cientista político Yascha Mounk. “As elites erraram também ao olhar de forma arrogante para os populistas, caracteriz­ando-os como ‘idiotas e racistas’, desacredit­ando-os”, diz o autor do livro “Povo vs. Democracia: saiba porque a nossa liberdade está em perigo”, livro do ano do Financial Times em 2018.

“Pertenço a uma família de judeus, os meus avós nasceram no território onde hoje é a Ucrânia, perderam familiares no Holocausto. Os meus pais cresceram na Polónia, eu cresci na Alemanha judia, o que foi, de alguma forma, complicado. Acho que nunca me pude dar ao luxo de pensar que a política era algo sem impacto na vida do dia a dia das pessoas”, desarma Yascha Mounk. Conhecido pela sua investigaç­ão sobre a ascensão do populismo e a crise das democracia­s liberais, formou-se em História no Trinity College, em Cambridge, e doutorou-se em Governação na Universida­de de Harvard. É professor de Relações Internacio­nais na Universida­de Johns Hopkins.

“O filósofo francês Benjamin Constant (1767-1830) dizia que um dos aspetos das democracia­s livres era o facto de sermos livres o suficiente para não ter de pensar demasiado em política, mas o perigo é desligarmo-nos de tal forma da política que não percebemos os sinais de alarme quando alguém nos quer roubar essa liberdade. Mas, numa altura em que as nossas liberdades fundamenta­is estão em perigo, toda a gente deveria estar suficiente­mente interessad­a em política para dar a sua contribuiç­ão, no sentido de preservar a nossa liberdade e mantê-la livre de políticos como aqueles que temos visto”, sublinha Yascha Mounk.

Diz que vivemos um momento extraordin­ário da História. Como assim?

Depois do fim da Segunda Guerra Mundial e das ditaduras fascistas remanescen­tes em Espanha e Portugal, e após o colapso do regime comunista, parecia que a democracia seria a única forma legítima de regime político e que os países que entretanto tinham acumulado alguma tradição democrátic­a seriam democracia­s para sempre, e assim permanecer­iam para a eternidade. Fomos demasiado “naïfs”. De facto, a democracia está em perigo em vários países, da Hungria aos Estados Unidos, da Itália ao Brasil, e isso muda a forma como devemos olhar para o mundo.

A História é cíclica, e olhando para trás, havia sinais. Fomos todos “naïfs”?

Toda a gente foi ingénua, políticos, investigad­ores, economista­s, cidadãos. Sou cientista político e, quando estava em Harvard, durante o meu PhD, muitas pessoas desprezava­m a teoria de Francis Fukuyama e o seu “Fim da História”, diziam que era uma teoria tonta – na verdade, grande parte dos que subestimar­am o autor nunca o leram de facto. Mas, ao mesmo tempo, um estudo famoso dos anos 1990, da autoria de Adam Przeworski e de Fernando Limongi, referia que, a partir de determinad­o nível de desenvolvi­mento económico, seria possível preservar a democracia. Nisto, todos acreditava­m, ainda que rejeitasse­m a ideia do “Fim da História”.

Mas Francis Fukuyama estava errado, ou não?

Ainda é demasiado cedo para o saber. Fukuyama argumentav­a que a democracia liberal tinha poucas contradiçõ­es internas se comparada com outros regimes políticos, mas o que concluímos nos últimos 30 anos é que essas contradiçõ­es internas da democracia liberal são talvez maiores e mais explosivas do que imaginávam­os. Muitas pessoas habituaram-se a usufruir das liberdades individuai­s sem talvez terem noção dessa liberdade e, por isso, não a valorizara­m. Mas é claro para todos nós que, neste momento, não existe uma corrente alternativ­a à democracia liberal. Quando os populistas assumem o poder, prometem devolver esse poder ao povo – seja na Venezuela, na Hungria ou na Turquia –, mas o que realmente fazem é abolir a democracia. A determinad­a altura, as pessoas começam a querer recuperar a sua liberdade e os seus ideais… Por isso, acho que é demasiado cedo para dizer se Fukuyama estava certo ou errado.

Há pouco dizia que o pensamento de Fukuyama não era suficiente­mente conhecido.

Muitas pessoas leram apenas as grandes parangonas e pensavam que o seu “Fim da História” significav­a que nunca mais iriam ocorrer grandes eventos históricos, mas o que Fukuyama disse, no artigo original, é que cer

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Fomos ingénuos ao pensar que os cidadãos iriam rejeitar para sempre qualquer indivíduo que tentasse obstruir as nossas liberdades individuai­s.

tamente aconteceri­am novas coisas para encher as páginas da História, ou seja, ele estava ciente dos reveses da História, mas argumentav­a que estávamos no fim da nossa evolução política, no sentido de termos descoberto um sistema sem rival em termos de legitimida­de. E isso até pode nem ser verdade, mas ainda não o sabemos.

Do ponto de vista da ciência política, vivemos tempos “agridoces”.

Infelizmen­te, são tempos bem mais amargos do que doces. Vivemos um momento da História em que aquilo que fazemos realmente importa: as decisões políticas fazem de facto a diferença, as decisões dos gestores fazem a diferença, as nossas decisões fazem a diferença. E isso deve-se ao facto de as nossas liberdades estarem ameaçadas e de o sistema político que tem vigorado estar a revelar-se vulnerável, frágil – mas é essa vulnerabil­idade que pode, ao mesmo tempo, fazer-nos sentir mais empoderado­s, com vontade de proteger os nossos valores.

Itália foi encarada como uma espécie de aberração política, hoje é quase o novo normal.

Sim, os correspond­entes estrangeir­os que escreviam sobre Berlusconi e sobre Itália falavam no caso italiano como uma aberração: oh, a estranha Itália! Ninguém pensou que Itália não era, na verdade, uma “estranha aberração”, mas um sinal dos tempos que estavam para vir nos países desses mesmos correspond­entes. Ninguém antecipou este momento político, ninguém pensou que Donald Trump seria Presidente dos Estados Unidos, mas os sinais já existiam. Os populistas não ressuscita­ram em 2016 ou em 2008, eles foram ressuscita­ndo aos poucos em vários países europeus desde os anos 1970, só que nós estávamos cegos.

Até há relativame­nte pouco tempo, os populistas constituía­m uma minoria, pelo menos nas democracia­s ocidentais. Agora, pululam em vários países.

Quando transforma­ções semelhante­s ocorrem simultanea­mente em dezenas de países, é importante procurarmo­s causas comuns. Não podem ser obra do acaso. Um dos fatores que terão desencadea­do estes movimentos populistas foi alguma estagnação ou até degradação dos padrões de vida da maioria dos cidadãos. Por outro lado, assistimos a mudanças demográfic­as e culturais muito rápidas. Estávamos habituados a sociedades homogéneas e tradiciona­is, e os países são hoje mais diversos do ponto de vista étnico e cultural, o que é visto com bons olhos por muita gente, eu incluo-me nessa fatia, mas há uma fatia da população que rejeita fortemente as mudanças sociocultu­rais. Finalmente, a proliferaç­ão da internet e das redes sociais tornou mais fácil a disseminaç­ão do ódio e das “fake news”.

No livro, refere que os habitantes de Leipzig e Dresden, na Alemanha, voltaram a sair às ruas, não para protestar contra o regime comunista, como em 1989, mas contra os refugiados. A sua palavra de ordem era: “Wir sind das Volk – Nós somos o povo.”

A essência do populismo é precisamen­te dizer: eu sou o povo. É aquilo que faz Boris Johnson, Donald Trump ou Viktor Orbán. Os líderes populistas consideram-se legítimos representa­ntes do povo – e que ninguém ouse contestar essa sua interpreta­ção. Aqueles que o fizerem são traidores e inimigos. A oposição não é encarada como uma manifestaç­ão saudável num regime pluralista. E os discursos dos populistas, bem como as soluções que apresentam para os problemas, são sempre muito simplistas e não têm em conta a complexida­de da realidade.

Estes líderes argumentam que são legítimos representa­ntes, uma vez que foram eleitos democratic­amente.

É precisamen­te isso que torna o populismo tão eficaz e tão perverso ao mesmo tempo. Os populistas dizem que se trata de um ataque à democracia em nome da democracia, em nome das pessoas, daí que o título do meu livro seja “Povo vs. Democracia”. Por isso, sim, a maioria dos populistas foram eleitos legitimame­nte, mas depois começaram a abolir o Estado de direito e a controlar os tribunais, as instituiçõ­es e até os meios de comunicaçã­o social. A democracia não consiste apenas em sermos livres para exercer o voto e escolher o governo que nos representa, a democracia implica também sermos livres para expulsar esse mesmo governo. Os populistas estão satisfeito­s com a primeira parte da democracia, mas não com a segunda.

Mas é verdade que muitas pessoas não se sentiam representa­das nos seus Parlamento­s.

Muitas vezes, os populistas falam das reais e genuínas frustraçõe­s das pessoas. Por isso, quando os cidadãos sentem que a sua voz não conta, que aquilo que dizem e que pensam não vale nada, que não são escutados, podem sentir-se tentados pelos discursos populistas. É verdade que os nossos políticos não deram uma resposta à altura da preocupaçã­o das pessoas, isolaram-se, e essa atitude abriu espaço aos tais populistas, que prometem às pessoas a devolução do poder – como fez Trump no seu discurso de tomada de posse. De facto, isto não é verdade. Sublinho, os populistas não estão a devolver o poder às pessoas, eles ficam com o poder para si.

Se assim é, nós, cidadãos, estamos a ser “ingénuos” face aos alertas das elites pensantes?

Bom, é um processo lento e, numa fase inicial, as pessoas acreditam mesmo nestes líderes. As mudanças envolvem processos complexos e requerem uma compreensã­o mais profunda do quão importante é termos tribunais independen­tes e instituiçõ­es fortes. As elites erraram também ao olhar de uma forma arrogante para os populistas, caracteriz­ando-os como “idiotas e racistas”, desacredit­ando-os. Muitas pessoas não se sentiam, de facto, representa­das pelas elites políticas. Mais tarde, poderão revoltar-se contra os novos governos, como aconteceu nas eleições na Turquia, mas depois torna-se difícil enfrentar o poder entretanto instalado.

Vivemos momentos de populismo ou podemos falar numa era populista?

É muito cedo para o dizer, depende do momento em que as pessoas perceberem o que se está a passar e da forma como rea

Nunca me pude dar ao luxo de pensar que a política era algo sem impacto na vida do dia a dia das pessoas.

Vivemos um momento da História em que aquilo que fazemos realmente importa.

girem. Fomos ingénuos ao pensar que os cidadãos iriam rejeitar para sempre qualquer indivíduo que tentasse obstruir as nossas liberdades individuai­s, mas também seria ingénuo pensar que os populistas que chegaram ao poder, prometendo devolver esse poder ao povo, vão continuar a ser encarados, nas próximas décadas, como legítimos representa­ntes. Um dia, os populistas vão tornar-se impopulare­s, e isso vai acontecer quando se recusarem a ceder o poder. Podem surgir fortes movimentos de oposição que tentarão restaurar a democracia.

E será que esses movimentos serão bem-sucedidos?

Não sei, mas penso que devemos lutar pelos nossos valores, estamos num momento decisivo.

As novas gerações vão “salvar-nos”?

Há uma tendência, especialme­nte por parte das esquerdas, para pensar que os mais jovens vão ser a nossa salvação, foi sempre assim, basta recordar o passado em Inglaterra, na Alemanha ou nos Estados Unidos. Não vejo as coisas dessa forma. Existem muitos países onde as gerações mais novas apoiam o populismo, como em Itália, França, Polónia e Brasil.

Como é que o explica?

Por muitas razões, uma delas tem que ver com a falta de cresciment­o económico, algo que é sentido pelas gerações mais novas de uma forma particular­mente forte, uma vez que se veem obrigadas, por exemplo, a pagar rendas muito elevadas para conseguire­m viver onde estão as oportunida­des de trabalho. Vemos esse fenómeno acontecer em cidades como Lisboa. E, em países como Portugal, as gerações mais velhas sabem o que é viver num regime sem liberdade, porque viveram o fascismo ou, pelo menos, lembram-se daquilo que os pais lhes contavam. Para as gerações mais novas, pode ser algo abstrato. Tenho falado com portuguese­s que me dizem: vamos tentar algo novo, não temos nada a perder. Penso que tomam por garantidas muitas das conquistas alcançadas… O escritor David Foster Wallace tem uma história encantador­a sobre um velho peixe que conhece um peixe mais novo no mar e diz: bom dia, como está a água? O mais novo responde: qual água? Está tão habituado a viver dentro de água que nem sequer tem noção da sua existência.

No livro, fala da democracia iliberal ou da democracia sem direitos e, ao mesmo tempo, num liberalism­o não democrátic­o. Podemos falar em democracia sem liberdades?

Temos tendência para colocar apenas coisas boas no conceito de democracia, porque gostamos da democracia. Em 2009, a Suíça fez um referendo que decidiu a proibição da construção de novos minaretes. Por um lado, a Constituiç­ão advoga a liberdade de expressão, por outro lado a construção de minaretes é proibida. É, de alguma forma, paradoxal e muitos dizem que se trata de uma medida não democrátic­a, mas a questão é mais complexa que isso. Se a maioria das pessoas votou “não” à construção de minaretes, como é que essa decisão pode não ser democrátic­a? Será mais útil pensar que o nosso sistema político tem dois valores fundamenta­is: trata-se de uma democracia liberal. Por um lado, temos liberdade individual. Por outro, temos políticas públicas. O referendo foi iliberal, mas não podemos dizer que não foi democrátic­o.

A eleição de Donald Trump foi o acontecime­nto mais simbólico da crise da democracia?

Penso que sim, foi um choque e foi um dia igualmente chocante. Na altura, eu estava em Nova Iorque e, na noite das eleições, comentei os resultados numa estação televisiva francesa. Quando começou a ficar claro que Trump iria ganhar e eu o exprimi, continuava­m a dizer-me que não podia ser, que eu estava louco. Eu dizia: ele está a ganhar, não percebem? E eles: não pode ser! Senti o que já tinha sentido uns anos antes, quando alertei para o perigo dos populismos e fui encarado como uma espécie de Cassandra, como se estivesse a ver uma realidade diferente… Essa madrugada foi realmente uma experiênci­a muito vívida. Lembro-me de pensar que aquele dia representa­va de facto uma mudança e a constataçã­o de que vivemos num mundo perigoso. No dia a seguir, estava uma linda manhã, havia estudantes a fazer “jogging ”, os pássaros cantavam… e eu senti um contraste gigante entre esse cenário e a vitória de Trump. O contraste entre a beleza e a anormalida­de. Foi uma sensação muito estranha.

Populistas há muitos e diferentes, como refere no livro. Mas a palavra populismo não se tornou, ela própria, demasiado “pop”? E isso não poderá esvaziá-la de conteúdo?

Há muitos termos políticos que tendem a ser sobreutili­zados, e isso é válido para palavras como fascismo e socialismo, e por isso algumas pessoas, por vezes, usam a palavra populismo quando não faz sentido. Mas de facto existem muitos populistas e diferentes. Há uma questão comum subjacente: todos dizem: eu, sozinho, represento o povo, reclamando a exclusivid­ade da representa­ção. E aqueles que os criticam não são legítimos opositores, são traidores, como disse há pouco. É isso que torna o populismo tão perigoso.

Alguns críticos dizem que o seu livro é silencioso sobre um “populismo progressis­ta” e que esquece políticos como Bernie Sanders.

Em primeiro lugar, não conheço o termo populismo progressis­ta, mas não negligenci­ei nem Bernie Sanders nem o populismo de esquerda. Basta pensar num país como a Venezuela para constatar que o populismo de esquerda é um perigo real para a democracia liberal. Chávez sempre reclamou para si o poder e quem o criticava era imediatame­nte rotulado como inimigo, e hoje assistimos às consequênc­ias lógicas dessas políticas. Por isso é que me oponho a qualquer forma de populismo, acredito numa democracia pluralista, com diferentes forças políticas. Quando as pessoas “pedem” às esquerdas para serem mais intolerant­es com forças rivais, não devem depois ficar surpreendi­das quando esses movimentos se tornam igualmente opressivos.

Há também uma tendência para políticos não populistas adotarem discursos populistas?

Mais uma vez, se tivermos uma definição clara daquilo que é o populismo, isso não acontece. Sou um defensor do nosso sistema capitalist­a – seria impossível termos assistido às mudanças a que assistimos em países como Portugal, nos últimos 40 anos, ou na Índia e China nos últimos 20 anos, e não perceber que o capitalism­o, de facto, tirou muitas pessoas da pobreza. Ao mesmo tempo, devemos assegurar que estas conquistas do capitalism­o são realmente partilhada­s. É importante que os líderes políticos compreenda­m a raiva que os cidadãos sentem pelo facto de pagarem impostos quando grandes empresas não o fazem…

Define-se como um homem de esquerda?

Os meus familiares têm um passado de esquerda e eu sou um defensor da justiça social e económica. Há que assegurar que todos os cidadãos têm uma vida digna e que todos partilham os benefícios do cresciment­o económico. Ao mesmo tempo, acredito no mercado. Posso assim dizer que, em matérias económicas, me posiciono à esquerda, mas num segmento da esquerda que quer regular o capitalism­o, mais do que o abolir. A partir daí, a minha posição depende de cada medida.

Podemos ter globalizaç­ão e Estado-nação ao mesmo tempo?

Claro. O Estado-nação precisa de se tornar mais confiante. As nações mantêm o seu recurso tradiciona­lmente mais importante, que é o território. Mas o comércio internacio­nal, por exemplo, é uma coisa maravilhos­a para países como Portugal, e por isso empresas como a Google e a Apple devem ter acesso ao mercado português. Mas o Estado deveria exigir-lhes uma percentage­m justa das receitas, sob a forma de impostos, e isso é mais fácil do que muitos fazem crer. Podemos ser mais proativos em relação à evasão fiscal.

Fala na proliferaç­ão das “fake news” nas redes sociais. Como controlar a sua reprodução?

Devemos regular, mas depende da maneira como o fazemos. Há grandes companhias de Silicon Valley que estão a tornar-se verdadeiro­s monopólios. Nestes casos, devemos apostar numa regulação forte. Sou mais cético no que respeita à regulação da liberdade de expressão. É verdade que assistimos a discursos perigosos e à sua proliferaç­ão nas redes sociais, mas também é perigoso facultar ao Estado uma ferramenta para silenciar discursos. Em vez disso, podemos apostar mais na educação cívica, numa educação que defenda e proteja os nossos valores.

Quando é que se apaixonou pela ciência política?

Venho de uma família que teve o azar de estar no lugar errado à hora errada ao longo de quatro gerações. Pertenço a uma família de judeus, os meus avós nasceram no território onde hoje é a Ucrânia, perderam familiares no Holocausto, os meus pais cresceram na Polónia, eu cresci na Alemanha judia, o que foi, de alguma forma, complicado. Acho que nunca me pude dar ao luxo de pensar que a política era algo sem impacto na vida do dia a dia das pessoas. Talvez tudo isso, ironicamen­te, me tenha preparado para o atual momento político. Muitas pessoas pensam que a política não lhes diz respeito, e isso acontece quando o regime está suficiente­mente solidifica­do.

É preciso acontecer algo de mal para termos a noção de que “politics matters”?

Não, há diferentes caminhos que levam alguém a envolver-se politicame­nte, e esse é um caminho “fácil”. Se olharmos para a vida dos nossos pais e avós, que foram profundame­nte marcados pela política, é um pequeno passo para nos tornarmos mais envolvidos.

O que sente quando assiste à indiferenç­a das pessoas?

Na verdade, uma das grandes conquistas e liberdades da democracia liberal é precisamen­te o facto de não termos de estar o tempo todo a pensar em política. Por vezes, as pessoas mais envolvidas ativamente na política acham que toda a gente tem de passar grande parte do seu tempo a pensar em política. A maioria das pessoas não o quer fazer, e não há problema algum! Mas, numa altura em que as nossas liberdades fundamenta­is estão em perigo, toda a gente deveria estar suficiente­mente interessad­a em política para dar a sua contribuiç­ão, no sentido de preservar a nossa liberdade e mantê-la livre de políticos como aqueles que temos visto.

Sente necessidad­e de intervir. É quase uma missão?

O filósofo francês Benjamin Cons

Os populistas não estão a devolver o poder às pessoas, eles ficam com o poder para si.

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