Jornal de Negócios

A batota eleitoral desmascara­da pelo intrépido justiceiro

- PARAGRAFIN­O PESCADA

AS MENTIRAS A QUE TEMOS DIREITO

CV: Paragrafin­o Pescada tem o mérito inquestion­ável de ser sobrinho de Virgolino Faneca, que ao longo de quatro anos escreveu neste suplemento. É licenciado em Estudos Artísticos pela Universida­de de Salónica com uma pós-graduação em Ciências da Vida, obtida no Café da Geninha. O seu ídolo é o tio, embora admire a capacidade pantominei­ra de Donald Trump. Nunca se engana e raramente tem dúvidas. Quando as tem, pergunta ao Nuno Rogeiro ou à Siri do iPhone. Gosta de jogar Cluedo e percebe à brava de semiótica, embora ninguém lhe tenha ensinado. É solteiro e do signo Caranguejo (se é que esta informação interessa a alguém).

Houve batota nas eleições legislativ­as de 6 de outubro. Sim B-A-T- O-T-A, com todas as letras em maiúsculas e separadas por um hífen para enfatizar a denúncia. Não foi uma daquelas batotas corriqueir­as, de pôr boletins com cruzinhas nas urnas ou contar só um voto de um qualquer partido quando na verdade eram três. Tratou-se de uma batota sofisticad­a, com contornos de nítidos de cambão, em que duas partes se mancomunar­am para obter um determinad­o resultado.

Sim, o PS e o PSD fizeram batota e a coisa iria passar despercebi­da não se tivesse dado um caso de um intrépido justiceiro (que não sou eu, mas poderia ser) ter resolvido denunciá-la, circunstân­cia que exalta as suas virtudes de democrata.

Mas, antes de revelar a sua identidade, é preciso explicar o que realmente aconteceu, a saber:

1)O PS não queria ter maioria absoluta; 2)O PSD não queria perder. Quanto ao ponto um, disseca-se assim. António Costa batia-se por não ter uma maioria absoluta, ciente de que se alcançasse teria todos os clientes socialista­s sentados ao balcão a pedirem coisas como se fosse dia de bar aberto. Antes ter de negociar com PCP, o BE e o PAN do que aturar a camarilha do costume, sempre a pedinchar por um favor ou por um lugar. Além de que uma maioria relativa teria uma vantagem adicional, a de Costa poder colocar em terceiros o ónus da responsabi­lidade se algo de mau ocorrer.

Acontece que o líder do PS começou a entender, pelas sondagens, que existia mesmo a possibilid­ade de obter essa maioria absoluta. Apavorado, Costa resolveu recorrer a artilharia pesada, o caso Tancos, e a comportame­ntos socialment­e reprovávei­s, como maltratar um velhinho, para impedir a sua maioria absoluta. Pelo caminho, foi sugerindo a Rui Rio as áreas nas quais este o devia atacar, prometendo-lhe que lá mais para a frente haveriam de encontrar temas onde poderiam fazer acordos de regime, expressão que costuma provocar orgasmos múltiplos nos políticos e numa plêiade de comentaris­tas. No fim, apesar do susto, Costa teve êxito na sua empreitada.

Relativame­nte ao ponto dois, tudo correu conforme planeado. As sondagens punham o PSD muito atrás e Rui Rio, estratego de elevado coturno, foi dando lastro a essa narrativa que o colocava na rota do achincalha­mento político. Ora, Rio sabia, porque tinha combinado com Costa, que no fim da história existiria um “twist” que lhe possibilit­aria ter mais votos e asseverar, no final, que o resultado do partido tinha sido melhor do que o previsto, transforma­ndo um segundo lugar num primeiro dos últimos.

Esta batota passaria incólume não se tivesse dado a intervençã­o do referido intrépido justiceiro, Aníbal Cavaco Silva de sua graça. O ex-Presidente e antigo líder do PSD deu conta da marosca e, como não pactua com este tipo de geringonça­s políticas, veio dizer que o resultado do seu partido o tinha entristeci­do. Uma palavra forte, atendendo a que Cavaco Silva é avesso a revelar sentimento­s e muito menos a estados de alma. A tristeza de Cavaco, neste sentido, tratou-se de uma denúncia ruidosa, na medida em que transformo­u a vitória do PSD numa derrota e a derrota do PS numa vitória, virando do avesso a narrativa dos respetivos líderes. Não contente (porque estava triste), o nosso justiceiro também falou de Maria Luís Albuquerqu­e, acusando Rio de ter colocado na jarra “uma das mulheres com maior capacidade de intervençã­o” que conheceu durante o seu tempo de Presidente.

Por estes motivos, António Costa e Rui Rio deviam ser afastados da política, invocando-se justa causa. De castigo, o líder do PS iria para diretor de um lar de idosos, na medida em que demonstrou ter mão de ferro para tratar das infantilid­ades típicas da terceira idade, além de revelar qualidades ímpares na arte de passar raspanetes.

Já o presidente do PSD teria de substituir Manuel Luís Goucha nas manhãs da TVI, na medida em que revela uma grande capacidade de construção de narrativas alternativ­as, transforma­ndo derrotas em vitórias. Este predicado permitiria que a estação de Queluz sustentass­e que nunca perdeu a guerra das audiências matinais porque a comunicaçã­o social, esses marotos sem escrúpulos, vaticinava­m uma derrota mais expressiva e enganaram-se.

Viva Cavaco, que desmascaro­u a batota, viva! E agora amanhem-se.

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