Bruxelas avalia IVA da luz em março
Orçamento do Estado foi aprovado mais ao jeito do PCP do que do Bloco O que ganharam os partidos que negociaram com o Governo e o PS
O processo foi mais atribulado do que nos tempos da geringonça mas, no final, o Orçamento do Estado para 2020 acabou como antes: viabilizado pelo Bloco e pelo PCP. Mas o peso negocial de cada um mudou e a relação entre os partidos parece ter saído modificada.
OOrçamento do Estado para 2020 foi ontem aprovado só com os votos favoráveis do PS – e abstenções do Bloco, PCP, PAN, Verdes e da ex-deputada do Livre – num processo bem mais atribulado e dramático do que nos tempos da geringonça. Nos quatro dias de discussão e votação na especialidade, que duraram pela madrugada dentro, a lealdade comunista ficou mais em evidência do que a bloquista, tanto nos discursos como nas votações.
Todo o processo foi mais atribulado do que nos orçamentos da anterior legislatura. Houve erros e recuos, uma proposta empatada à primeira, mas que passou na segunda votação, outra que foi aprovada só por breves minutos e muitas coligações negativas.
Um destes entendimentos improváveis entre o PSD e a esquerda tirou o ministro do Ambiente do sério: a suspensão da linha circular do Metro de Lisboa, que mereceu mesmo um pedido de esclarecimento ao Tribunal Constitucional. Mas as restantes coligações negativas tiveram um impacto direto restrito – as Finanças avaliam-no em 40 milhões de euros, o que não põe em causa o excedente orçamental de 0,2% do PIB. É que apesar da conflitualidade latente, permaneceu uma herança da geringonça, embora mais desengonçada. A perna do PCP ganhou mais músculo para sustentar o atual Governo minoritário do PS, enquanto a do BE emagreceu.
No início dos trabalhos no Parlamento, as expectativas já pareciam ser maiores do lado dos comunistas do que dos bloquistas. Quando anunciaram a abstenção na generalidade, o PCP apresentou medidas mais abertas e com maior margem de progressão, enquanto o Bloco tinha resultados mais concretos, mas de menor alcance. A diferença na proximidade dos dois partidos com o Governo foi-se tornando mais evidente e assumiu grandes proporções quando o Bloco se mostrou disponível para aprovar a descida do
IVA da energia em conjunto com o PSD.
Num primeiro momento, o partido de Rui Rio exigia contrapartidas financeiras para se juntar à esquerda e aprovar a descida do imposto, que nem o BE nem o PCP podiam aceitar (cortes nos consumos intermédios que, na prática, implica reduzir verbas para os serviços públicos). Mas o discurso social-democrata evoluiu e no penúltimo dia de debate o PSD praticamente prescindiu dessas contrapartidas.
No momento-chave, o BE
“Este não é um orçamento de continuidade e não é o melhor dos orçamentos. JOÃO OLIVEIRA Líder parlamentar do PCP
“O novo CDS quis ficar ao lado do PS e nós ficámos sem espaço para votar a favor.
RUI RIO Presidente do PSD
anunciou que aceitaria a descida do IVA da luz da direita, com um corte nas verbas dos gabinetes ministeriais, enquanto o PCP se manteve fiel e encontrou motivos para chumbar a iniciativa: discordou da data de entrada em vigor e recusou os cortes mínimos de 8,5 milhões de euros nas dotações para os gabinetes ministeriais – música para os ouvidos do Governo, que já tinha João Leão estupefacto com o que considerava uma “tremenda irresponsabilidade” do PSD, nunca vista “em cinco anos”.
25% das propostas aprovadas são do PCP
O posicionamento de bloquistas e comunistas deixava apenas mais claro aquilo que já se ia verificando nas votações do OE. Foram muito mais as medidas em que PCP e Governo se entenderam do que as de qualquer outro partido da oposição.
Uma contagem ainda provisória às propostas de alteração aprovadas, noticiada ontem pelo Negócios, mostra que os comunistas, juntamente com os Verdes, viram validadas 54 das suas iniciativas, mais do dobro das 25 propostas do Bloco que foram aprovadas. Das 211 propostas de alteração aprovadas, 25% são do PCP (apenas 12% do BE), uma percentagem só ultrapassada pelo próprio PS (36%). De resto, no campeonato das propostas aprovadas, o Bloco até é ultrapassado, em número e não em impacto orçamental, pelo PAN (28).
IVA fez estalar verniz à esquerda e à direita
No final, BE e PCP abstiveram-se e ambos sublinharam as conquistas das negociações com os socialistas, apesar das insuficiências que identificam no OE 2020.
De entre as iniciativas que o PS consensualizou com a esquerda, destaca-se a do aumento extraordinário até 10 euros para os pensionistas, uma medida pela qual o PCP se tem batido, mas que também é defendida pelos bloquistas.
No debate de encerramento dos trabalhos parlamentares, João Oliveira, líder parlamentar comunista, enumerou mais nove medidas que cobrem todas as áreas: infância (alargamento das creches gratuitas), saúde (por exemplo, o Laboratório Nacional do Medicamento), educação (manuais escolares gratuitos sem devolução), segurança interna (2.500 efetivos para as forças de segurança), transportes (reforço dos passes sociais), energia (extensão das tarifas reguladas).
Quanto a Catarina Martins, líder do BE, também enumerou algumas das vitórias, mas antes disso focou-se no IVA da energia: estalou o verniz com o PCP e a deputada culpou abertamente os comunistas de terem impedido a descida do IVA da luz, juntamente com a direita do CDS. Só depois disso apresentou as suas maiores vitórias: os instrumentos para a concretização da nova lei de bases da saúde, com mais investimento e o caminho aberto para a exclusividade dos seus profissionais, o reforço do Complemento Solidário para Idosos, o reforço das bolsas para os estudantes, a redução das propinas do ensino superior, a taxa das celuloses, também o reforço nos passes sociais, entre outras.
À direita, o IVA da luz também dividiu. Rui Rio acusou o “novo CDS” de ter dado a mão ao PS e de ter impedido a descida do IVA da luz: “O novo CDS quis ficar ao lado do PS e nós ficámos sem espaço para votar a favor” da proposta do PCP, atirou.