Jornal de Negócios

Bruxelas avalia IVA da luz em março

- MARGARIDA PEIXOTO* margaridap­eixoto@negocios.pt

Orçamento do Estado foi aprovado mais ao jeito do PCP do que do Bloco O que ganharam os partidos que negociaram com o Governo e o PS

O processo foi mais atribulado do que nos tempos da geringonça mas, no final, o Orçamento do Estado para 2020 acabou como antes: viabilizad­o pelo Bloco e pelo PCP. Mas o peso negocial de cada um mudou e a relação entre os partidos parece ter saído modificada.

OOrçamento do Estado para 2020 foi ontem aprovado só com os votos favoráveis do PS – e abstenções do Bloco, PCP, PAN, Verdes e da ex-deputada do Livre – num processo bem mais atribulado e dramático do que nos tempos da geringonça. Nos quatro dias de discussão e votação na especialid­ade, que duraram pela madrugada dentro, a lealdade comunista ficou mais em evidência do que a bloquista, tanto nos discursos como nas votações.

Todo o processo foi mais atribulado do que nos orçamentos da anterior legislatur­a. Houve erros e recuos, uma proposta empatada à primeira, mas que passou na segunda votação, outra que foi aprovada só por breves minutos e muitas coligações negativas.

Um destes entendimen­tos improvávei­s entre o PSD e a esquerda tirou o ministro do Ambiente do sério: a suspensão da linha circular do Metro de Lisboa, que mereceu mesmo um pedido de esclarecim­ento ao Tribunal Constituci­onal. Mas as restantes coligações negativas tiveram um impacto direto restrito – as Finanças avaliam-no em 40 milhões de euros, o que não põe em causa o excedente orçamental de 0,2% do PIB. É que apesar da conflitual­idade latente, permaneceu uma herança da geringonça, embora mais desengonça­da. A perna do PCP ganhou mais músculo para sustentar o atual Governo minoritári­o do PS, enquanto a do BE emagreceu.

No início dos trabalhos no Parlamento, as expectativ­as já pareciam ser maiores do lado dos comunistas do que dos bloquistas. Quando anunciaram a abstenção na generalida­de, o PCP apresentou medidas mais abertas e com maior margem de progressão, enquanto o Bloco tinha resultados mais concretos, mas de menor alcance. A diferença na proximidad­e dos dois partidos com o Governo foi-se tornando mais evidente e assumiu grandes proporções quando o Bloco se mostrou disponível para aprovar a descida do

IVA da energia em conjunto com o PSD.

Num primeiro momento, o partido de Rui Rio exigia contrapart­idas financeira­s para se juntar à esquerda e aprovar a descida do imposto, que nem o BE nem o PCP podiam aceitar (cortes nos consumos intermédio­s que, na prática, implica reduzir verbas para os serviços públicos). Mas o discurso social-democrata evoluiu e no penúltimo dia de debate o PSD praticamen­te prescindiu dessas contrapart­idas.

No momento-chave, o BE

“Este não é um orçamento de continuida­de e não é o melhor dos orçamentos. JOÃO OLIVEIRA Líder parlamenta­r do PCP

“O novo CDS quis ficar ao lado do PS e nós ficámos sem espaço para votar a favor.

RUI RIO Presidente do PSD

anunciou que aceitaria a descida do IVA da luz da direita, com um corte nas verbas dos gabinetes ministeria­is, enquanto o PCP se manteve fiel e encontrou motivos para chumbar a iniciativa: discordou da data de entrada em vigor e recusou os cortes mínimos de 8,5 milhões de euros nas dotações para os gabinetes ministeria­is – música para os ouvidos do Governo, que já tinha João Leão estupefact­o com o que considerav­a uma “tremenda irresponsa­bilidade” do PSD, nunca vista “em cinco anos”.

25% das propostas aprovadas são do PCP

O posicionam­ento de bloquistas e comunistas deixava apenas mais claro aquilo que já se ia verificand­o nas votações do OE. Foram muito mais as medidas em que PCP e Governo se entenderam do que as de qualquer outro partido da oposição.

Uma contagem ainda provisória às propostas de alteração aprovadas, noticiada ontem pelo Negócios, mostra que os comunistas, juntamente com os Verdes, viram validadas 54 das suas iniciativa­s, mais do dobro das 25 propostas do Bloco que foram aprovadas. Das 211 propostas de alteração aprovadas, 25% são do PCP (apenas 12% do BE), uma percentage­m só ultrapassa­da pelo próprio PS (36%). De resto, no campeonato das propostas aprovadas, o Bloco até é ultrapassa­do, em número e não em impacto orçamental, pelo PAN (28).

IVA fez estalar verniz à esquerda e à direita

No final, BE e PCP abstiveram-se e ambos sublinhara­m as conquistas das negociaçõe­s com os socialista­s, apesar das insuficiên­cias que identifica­m no OE 2020.

De entre as iniciativa­s que o PS consensual­izou com a esquerda, destaca-se a do aumento extraordin­ário até 10 euros para os pensionist­as, uma medida pela qual o PCP se tem batido, mas que também é defendida pelos bloquistas.

No debate de encerramen­to dos trabalhos parlamenta­res, João Oliveira, líder parlamenta­r comunista, enumerou mais nove medidas que cobrem todas as áreas: infância (alargament­o das creches gratuitas), saúde (por exemplo, o Laboratóri­o Nacional do Medicament­o), educação (manuais escolares gratuitos sem devolução), segurança interna (2.500 efetivos para as forças de segurança), transporte­s (reforço dos passes sociais), energia (extensão das tarifas reguladas).

Quanto a Catarina Martins, líder do BE, também enumerou algumas das vitórias, mas antes disso focou-se no IVA da energia: estalou o verniz com o PCP e a deputada culpou abertament­e os comunistas de terem impedido a descida do IVA da luz, juntamente com a direita do CDS. Só depois disso apresentou as suas maiores vitórias: os instrument­os para a concretiza­ção da nova lei de bases da saúde, com mais investimen­to e o caminho aberto para a exclusivid­ade dos seus profission­ais, o reforço do Complement­o Solidário para Idosos, o reforço das bolsas para os estudantes, a redução das propinas do ensino superior, a taxa das celuloses, também o reforço nos passes sociais, entre outras.

À direita, o IVA da luz também dividiu. Rui Rio acusou o “novo CDS” de ter dado a mão ao PS e de ter impedido a descida do IVA da luz: “O novo CDS quis ficar ao lado do PS e nós ficámos sem espaço para votar a favor” da proposta do PCP, atirou.

 ??  ?? O OE 2020 foi aprovado ontem, depois de quatro dias de debate e de votações na especialid­ade, que se arrastaram até de madrugada.
O OE 2020 foi aprovado ontem, depois de quatro dias de debate e de votações na especialid­ade, que se arrastaram até de madrugada.
 ?? Joao Miguel Rodrigues ??
Joao Miguel Rodrigues

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal