“O problema de tirar carros do centro histórico da cidade não está no ‘porquê’, mas no ‘como’.”
Tirar carros do centro das cidades , sobretudo do centro histórico, é uma tendência global: Madrid, Londres, Paris, Oslo, Estocolmo, Frankfurt, Berlim, Nova Iorque ou a mais pequena Pontevedra são exemplos. Querer travá-la em absoluto é como querer parar o vento com as mãos. Não faz sentido até porque esta tendência faz sentido. Diminui a poluição, corta o barulho e abre mais espaço nas ruas para os peões. O problema de tirar carros da cidade, como quer fazer a Câmara de Lisboa na Baixa e no Chiado, não está no “porquê”, mas sim no “como”: a forma e os detalhes.
A forma é a de uma gestão camarária que tem agido nesta matéria com uma atitude de facto consumado e que comunica com as pessoas do alto de uma visão meio deslumbrada sobre o futuro das “cidades verdes”. Ter razão nos objectivos “macro” não chega para dispensar o envolvimento dos munícipes no desenho “micro” das políticas públicas. Não falo no período de consulta pública que irá agora arrancar, mas num envolvimento, prévio e real, de quem vive e trabalha nas zonas visadas, que dê tempo às pessoas para interiorizarem os problemas – e que informe mais quem desenha a medida. Isto parece não ter acontecido no plano para a Baixa/Chiado. Esteve cerca de dois anos a ser trabalhado, mas a sua apresentação foi uma surpresa para os moradores e comerciantes, a quem foram anunciadas medidas, radicais no alcance, que arrancam já no Verão. Este modelo de retirada dos carros, mais ambicioso do que o da maioria das cidades europeias, foi comunicado como se fosse inevitável. Mas será o mais equilibrado? Quais eram as alternativas e porque foram eliminadas? Não se poderia começar por limitar a entrada de carros que venham de fora da cidade?
O vício no processo reflecte-se na proposta. Um dos problemas é a falta de informação sobre os problemas concretos que o plano vai trazer à vida de quem vive nas zonas visadas e à volta delas. As dúvidas são múltiplas. Um horário de exclusão que começa às 6h30 da manhã é de quem não está a pensar nas famílias que moram nas zonas contíguas à Baixa, que têm filhos para levar à escola de carro e precisam de atravessar a área “proibida” que, para eles, é apenas a cidade onde vivem. Como vai ser? E um limite de 10 visitantes com carro a cada mês por morador tem em conta os idosos que recebem visitas de familiares que vêm de carro ou que os queiram levar a tratamentos médicos? Esse limite é consistente com a estrutura etária daquela zona? E como funcionam as entregas para quem quiser fazer compras online?
Outro problema da ambição deste tipo de propostas está na contradição com outras políticas públicas, como a que instalou o terminal de cruzeiros de Lisboa na frente ribeirinha. Os navios de cruzeiro são grandes poluentes do ar: o regulador alemão inspeccionou 77 navios em 2018 e só um não usava o combustível mais “sujo” de todos. Não é razoável ser-se tão disruptor com os moradores quando se é tão permissivo com um meio de transporte escolhido pelos turistas para desembocarem na Baixa, a menos que se queira transformar de vez essa parte da cidade num museu.
Fernando Medina tem muitos aspectos para esclarecer e melhorar na proposta – esperemos que a consulta pública seja bem aproveitada por todos. Mas tem ainda mais a mudar na forma como se relaciona com os seus munícipes (podia dar outros exemplos além da Baixa). Para não ser só um chavão do marketing do momento, a “cidade verde” tem de ser feita com as pessoas e não contra elas.
O problema de tirar carros do centro histórico da cidade não está no “porquê”, mas no “como”.
Ar tigo em conformidade com o antigo Acordo Or tográfico