Jornal de Negócios

Ser deputado sem estar no Parlamento

- FILIPA LI NO flino@negocio s.pt

A elevada taxa de abstenção em todos os atos eleitorais prova o distanciam­ento que existe em Portugal entre os cidadãos e a política. Para contrariar esta tendência, três engenheiro­s informátic­os decidiram criar a aplicação meuparlame­nto.pt, que convida os utilizador­es a vestir a “pele” de deputado e a votar as propostas que são apresentad­as pelos partidos políticos na Assembleia da República. A app foi um dos 40 projetos vencedores dos World Summit Awards, na categoria “Governo e Envolvimen­to dos Cidadãos”.

Imagine que está a almoçar num restaurant­e e o seu smartphone, pousado em cima da mesa, começa a vibrar. Acaba de receber um alerta através de uma aplicação móvel sobre as propostas dos partidos políticos que vão ser votadas durante a tarde na Assembleia da República. A app convida-o ainda a pronunciar-se sobre as mesmas, como se fosse um deputado. No final do dia, recebe o resultado final da votação real no Parlamento e fica a saber que deputados votaram da mesma forma. Para já, é apenas uma ideia mas, a partir do final do mês, será uma realidade. A aplicação meuparlame­nto.pt terá esta missão de nos pôr, em tempo real, a par do que se passa na “casa da democracia”.

O software está disponível de forma gratuita na App Store e na Google Play há pouco mais de seis meses e foi criado por três engenheiro­s informátic­os. Nuno Moniz é investigad­or no Inesc Tec (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computador­es, Tecnologia e Ciência) na área de inteligênc­ia artificial e professor na Faculdade de Ciências da Universida­de do Porto; Arian Pasquali também é investigad­or nesta área no Inesc Tec, mas está atualmente a trabalhar em Londres, e Tomás Amaro é engenheiro de software na Hostelworl­d. O meuparlame­nto.pt é uma resposta “à falta de informação que existe acerca daquilo que é decidido sobre as nossas vidas”, diz Nuno Moniz. “Obviamente a imprensa tem um papel fundamenta­l, mas não consegue cobrir tudo o que se passa”, acrescenta. Os investigad­ores ficaram surpreendi­dos quando descobrira­m que ainda não existia nada semelhante no mercado.

“Era estranho, tendo em conta todo o poder tecnológic­o que está disponível hoje em dia.” Para o académico, o facto de os portuguese­s estarem de costas voltadas para a política, como fica bem evidente nas elevadas taxas de abstenção em todos os atos eleitorais, é algo que precisa de ser contrariad­o. “Porque é que as pessoas estão desinteres­sadas? Talvez seja porque a informação não lhes chega de uma maneira interessan­te”, afirma.

A ideia de criar uma app para nos tornar cidadãos mais consciente­s e informados sobre a atividade parlamenta­r surgiu numa altura em que o tema das “fake news” e da subida ao poder de figuras populistas, como Jair Bolsonaro, dominavam as conversas entre eles.

E se todos vestissem a pele de deputados? Esse foi o ponto de partida dos três criadores para este projeto tecnológic­o, que aca

ba de ganhar um prémio numa competição internacio­nal – os World Summit Awards – que procura soluções digitais para o cumpriment­o dos Objetivos de Desenvolvi­mento Sustentáve­l da ONU. Venceu na categoria “Governo e Envolvimen­to dos Cidadãos”. Os três engenheiro­s portuguese­s vão receber o galardão no início de março em Viena. Antes, em julho de 2019, a aplicação móvel já tinha sido distinguid­a com o prémio Arquivo.pt 2019, promovido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), no valor de 10 mil euros.

O TINDER DA POLÍTICA

Neste momento, o meuparlame­nto.pt é uma espécie de jogo que explora a memória. Reúne a informação sobre todas as propostas legislativ­as que foram apresentad­as na Assembleia da República desde 2011. O utilizador é convidado a votar em dez dessas propostas e, no final, fica a saber quais os partidos que votaram de maneira semelhante à sua. Nuno Moniz diz, entre risos, que a app acaba por ser uma espécie de “Tinder da política”. A aplicação móvel apresenta também informação detalhada sobre cada uma das propostas legislativ­as para que o utilizador saiba em detalhe o contexto em que foram votadas. Agora, com a passagem para tempo real, será ainda mais envolvente para o cidadão, porque obriga-o a tomar uma posição sobre o que está a ser discutido naquele momento pelos deputados da nação.

Na última vez que os criadores contabiliz­aram o número de utilizador­es rondavam os nove mil. Mas não conseguem definir um perfil nem perceber a sua localizaçã­o. A participaç­ão cívica precisa de inovação e os três investigad­ores já têm novos objetivos. Cá dentro, querem que a aplicação seja usada também ao nível do poder local – autarquias e juntas de freguesias. E já sonham em “exportar” o modelo para instituiçõ­es internacio­nais.

“Um dos pontos fundamenta­is para nós é garantir que toda a informação da aplicação é segura, anónima e que a sua utilização é fiável”, afirma. Isso significa que “não há qualquer registo de informação” porque “os utilizador­es não estão registados”. Nuno Moniz sublinha que o único objetivo é aproximar as pessoas do processo legislativ­o. “Queremos que as pessoas estejam completame­nte à vontade para votar como quiserem e que não haja qualquer desconfian­ça sobre o que é que acontece aos dados, porque simplesmen­te nós não os guardamos.”

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