Ser deputado sem estar no Parlamento
A elevada taxa de abstenção em todos os atos eleitorais prova o distanciamento que existe em Portugal entre os cidadãos e a política. Para contrariar esta tendência, três engenheiros informáticos decidiram criar a aplicação meuparlamento.pt, que convida os utilizadores a vestir a “pele” de deputado e a votar as propostas que são apresentadas pelos partidos políticos na Assembleia da República. A app foi um dos 40 projetos vencedores dos World Summit Awards, na categoria “Governo e Envolvimento dos Cidadãos”.
Imagine que está a almoçar num restaurante e o seu smartphone, pousado em cima da mesa, começa a vibrar. Acaba de receber um alerta através de uma aplicação móvel sobre as propostas dos partidos políticos que vão ser votadas durante a tarde na Assembleia da República. A app convida-o ainda a pronunciar-se sobre as mesmas, como se fosse um deputado. No final do dia, recebe o resultado final da votação real no Parlamento e fica a saber que deputados votaram da mesma forma. Para já, é apenas uma ideia mas, a partir do final do mês, será uma realidade. A aplicação meuparlamento.pt terá esta missão de nos pôr, em tempo real, a par do que se passa na “casa da democracia”.
O software está disponível de forma gratuita na App Store e na Google Play há pouco mais de seis meses e foi criado por três engenheiros informáticos. Nuno Moniz é investigador no Inesc Tec (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência) na área de inteligência artificial e professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto; Arian Pasquali também é investigador nesta área no Inesc Tec, mas está atualmente a trabalhar em Londres, e Tomás Amaro é engenheiro de software na Hostelworld. O meuparlamento.pt é uma resposta “à falta de informação que existe acerca daquilo que é decidido sobre as nossas vidas”, diz Nuno Moniz. “Obviamente a imprensa tem um papel fundamental, mas não consegue cobrir tudo o que se passa”, acrescenta. Os investigadores ficaram surpreendidos quando descobriram que ainda não existia nada semelhante no mercado.
“Era estranho, tendo em conta todo o poder tecnológico que está disponível hoje em dia.” Para o académico, o facto de os portugueses estarem de costas voltadas para a política, como fica bem evidente nas elevadas taxas de abstenção em todos os atos eleitorais, é algo que precisa de ser contrariado. “Porque é que as pessoas estão desinteressadas? Talvez seja porque a informação não lhes chega de uma maneira interessante”, afirma.
A ideia de criar uma app para nos tornar cidadãos mais conscientes e informados sobre a atividade parlamentar surgiu numa altura em que o tema das “fake news” e da subida ao poder de figuras populistas, como Jair Bolsonaro, dominavam as conversas entre eles.
E se todos vestissem a pele de deputados? Esse foi o ponto de partida dos três criadores para este projeto tecnológico, que aca
ba de ganhar um prémio numa competição internacional – os World Summit Awards – que procura soluções digitais para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Venceu na categoria “Governo e Envolvimento dos Cidadãos”. Os três engenheiros portugueses vão receber o galardão no início de março em Viena. Antes, em julho de 2019, a aplicação móvel já tinha sido distinguida com o prémio Arquivo.pt 2019, promovido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), no valor de 10 mil euros.
O TINDER DA POLÍTICA
Neste momento, o meuparlamento.pt é uma espécie de jogo que explora a memória. Reúne a informação sobre todas as propostas legislativas que foram apresentadas na Assembleia da República desde 2011. O utilizador é convidado a votar em dez dessas propostas e, no final, fica a saber quais os partidos que votaram de maneira semelhante à sua. Nuno Moniz diz, entre risos, que a app acaba por ser uma espécie de “Tinder da política”. A aplicação móvel apresenta também informação detalhada sobre cada uma das propostas legislativas para que o utilizador saiba em detalhe o contexto em que foram votadas. Agora, com a passagem para tempo real, será ainda mais envolvente para o cidadão, porque obriga-o a tomar uma posição sobre o que está a ser discutido naquele momento pelos deputados da nação.
Na última vez que os criadores contabilizaram o número de utilizadores rondavam os nove mil. Mas não conseguem definir um perfil nem perceber a sua localização. A participação cívica precisa de inovação e os três investigadores já têm novos objetivos. Cá dentro, querem que a aplicação seja usada também ao nível do poder local – autarquias e juntas de freguesias. E já sonham em “exportar” o modelo para instituições internacionais.
“Um dos pontos fundamentais para nós é garantir que toda a informação da aplicação é segura, anónima e que a sua utilização é fiável”, afirma. Isso significa que “não há qualquer registo de informação” porque “os utilizadores não estão registados”. Nuno Moniz sublinha que o único objetivo é aproximar as pessoas do processo legislativo. “Queremos que as pessoas estejam completamente à vontade para votar como quiserem e que não haja qualquer desconfiança sobre o que é que acontece aos dados, porque simplesmente nós não os guardamos.”