O plantio do predador global
A ocupação do Alentejo pelo olival intensivo é, antes de mais, uma questão de soberania.
Ainvestigação do jornalista Paulo Barriga sobre a ocupação do Alentejo pela cultura intensiva de olival, publicada em janeiro em três edições da revista Sábado, levanta algumas questões fundamentais sobre o lugar contemporâneo de Portugal no mundo.
Numa síntese muito precária, a fabulosa investigação de Barriga revela-nos um processo político e económico singular. Tendo construído a barragem do Alqueva e não encontrando um número financeiramente viável de utilizadores para a água, o Estado português promoveu a terra alentejana em feiras agrícolas internacionais. A oportunidade foi aproveitada por alguns dos grandes grupos espanhóis de azeite, financiados por fundos globais, que compraram a terra alentejana e iniciaram um processo intensivo de plantio e colheita de azeitona.
O processo, que se desenrola de há alguns anos, está a consumir a terra, a provocar dano ecológico e a destruir culturas tradicionais. Apesar da larga extensão de terra plantada e dos largos milhões de euros de receita, traz pouco ganho direto e indireto ao Estado português e à economia portuguesa.
O nosso ângulo de observação deste processo poderia ser, e seria de enorme interesse, o da capacidade financeira e industrial dos grandes fundos globais, sem rosto e com profundas ramificações empresariais que tornam complexa a identificação da propriedade, que ocupam o território e o sistema produtivo com o único objetivo de extrair lucro num curto espaço de tempo. Afinal, todos os dias descobrimos processos com esta tipologia, um pouco por todo o mundo, e num vasto portefólio de setores, do imobiliário à moda. Mas um ângulo de observação mais importante é o de perceber qual a soberania do Estado, neste caso o português, num processo como este.
O que a investigação de Barriga mostra, primeiro, é que o Estado apoiou a vinda dos fundos e dos grupos empresariais para resolver um problema macroeconómico e macroindustrial que o próprio Estado gerou. E, neste contexto, foi o mesmo Estado que não fixou regras eficazes que limitassem a ocupação agrícola, industrial e financeira do território. Ou seja, estamos a escrever sobre uma ocupação empresarial externa e sem vontade de ligação à terra e à população onde se fixou, determinada pela obtenção e extração para fora da nossa fronteira do capital obtido. Não faz sentido algum que a operação possa ser executada sem um exercício soberano de controlo e sem contrapartida para a população e para o Estado.
O processo do olival intensivo alentejano levanta ainda duas outras questões. A primeira é a de não entendermos a alienação dos empresários portugueses. Temos então apoio estatal, disponibilidade de terra e um setor produtivo, o do azeite, que é rentável no mundo inteiro. E, mesmo com estas condições, os grupos portugueses, com pouca exceção, mantiveram-se fora da oportunidade. Será mais um caso de estudo para avaliarmos a solidez e a vontade de risco do empresariado nacional.
Finalmente, a questão mais importante, que a investigação de Barriga aponta com especial cuidado. O que está a acontecer no Alentejo é a destruição da identidade de uma terra, de uma cultura tradicional e de uma população. Como é que um processo destes pode ser tão rápido e tão mortífero, no sentido de destruir provavelmente para sempre uma cultura milenar é um enigma para o qual devíamos obrigatoriamente procurar respostas.