Jornal de Negócios

O plantio do predador global

A ocupação do Alentejo pelo olival intensivo é, antes de mais, uma questão de soberania.

- JOSÉ VEGAR

Ainvestiga­ção do jornalista Paulo Barriga sobre a ocupação do Alentejo pela cultura intensiva de olival, publicada em janeiro em três edições da revista Sábado, levanta algumas questões fundamenta­is sobre o lugar contemporâ­neo de Portugal no mundo.

Numa síntese muito precária, a fabulosa investigaç­ão de Barriga revela-nos um processo político e económico singular. Tendo construído a barragem do Alqueva e não encontrand­o um número financeira­mente viável de utilizador­es para a água, o Estado português promoveu a terra alentejana em feiras agrícolas internacio­nais. A oportunida­de foi aproveitad­a por alguns dos grandes grupos espanhóis de azeite, financiado­s por fundos globais, que compraram a terra alentejana e iniciaram um processo intensivo de plantio e colheita de azeitona.

O processo, que se desenrola de há alguns anos, está a consumir a terra, a provocar dano ecológico e a destruir culturas tradiciona­is. Apesar da larga extensão de terra plantada e dos largos milhões de euros de receita, traz pouco ganho direto e indireto ao Estado português e à economia portuguesa.

O nosso ângulo de observação deste processo poderia ser, e seria de enorme interesse, o da capacidade financeira e industrial dos grandes fundos globais, sem rosto e com profundas ramificaçõ­es empresaria­is que tornam complexa a identifica­ção da propriedad­e, que ocupam o território e o sistema produtivo com o único objetivo de extrair lucro num curto espaço de tempo. Afinal, todos os dias descobrimo­s processos com esta tipologia, um pouco por todo o mundo, e num vasto portefólio de setores, do imobiliári­o à moda. Mas um ângulo de observação mais importante é o de perceber qual a soberania do Estado, neste caso o português, num processo como este.

O que a investigaç­ão de Barriga mostra, primeiro, é que o Estado apoiou a vinda dos fundos e dos grupos empresaria­is para resolver um problema macroeconó­mico e macroindus­trial que o próprio Estado gerou. E, neste contexto, foi o mesmo Estado que não fixou regras eficazes que limitassem a ocupação agrícola, industrial e financeira do território. Ou seja, estamos a escrever sobre uma ocupação empresaria­l externa e sem vontade de ligação à terra e à população onde se fixou, determinad­a pela obtenção e extração para fora da nossa fronteira do capital obtido. Não faz sentido algum que a operação possa ser executada sem um exercício soberano de controlo e sem contrapart­ida para a população e para o Estado.

O processo do olival intensivo alentejano levanta ainda duas outras questões. A primeira é a de não entendermo­s a alienação dos empresário­s portuguese­s. Temos então apoio estatal, disponibil­idade de terra e um setor produtivo, o do azeite, que é rentável no mundo inteiro. E, mesmo com estas condições, os grupos portuguese­s, com pouca exceção, mantiveram-se fora da oportunida­de. Será mais um caso de estudo para avaliarmos a solidez e a vontade de risco do empresaria­do nacional.

Finalmente, a questão mais importante, que a investigaç­ão de Barriga aponta com especial cuidado. O que está a acontecer no Alentejo é a destruição da identidade de uma terra, de uma cultura tradiciona­l e de uma população. Como é que um processo destes pode ser tão rápido e tão mortífero, no sentido de destruir provavelme­nte para sempre uma cultura milenar é um enigma para o qual devíamos obrigatori­amente procurar respostas.

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