Jornal de Negócios

Valha-nos Santo Neves-Neves!

- WILSON LEDO

Olivenza tem, dentro de si, dois países ao mesmo tempo. E, agora, uma bola de cristal que permite erguer um reino. Nesta versão da História nacional, Ricardo Neves-Neves traz o que há de melhor: o humor, a autocrític­a, um outro olhar sobre o que está adquirido.

Esqueça (quase) tudo o que já lhe contaram sobre a história de Portugal. Por exemplo, diz a lenda, Deus apareceu a D. Afonso Henriques antes da batalha de Ourique, naquele que é o primeiro passo para a formação do reino.

Ricardo Neves-Neves sabe que não foi nada assim. Em “A Reconquist­a de Olivenza” conta-se a verdadeira versão – ou pelo menos aquela que a imaginação do encenador considera como tal. Foi um dragão do “Dragon Ball” (sim, a série de animação japonesa) quem apareceu ao futuro monarca com um desafio: encontrar sete bolas de cristal. Só com as sete reunidas se cumpriria o Quinto Império. E, com ele, anos cheios de prosperida­de e alegria.

O que o criador faz é recontar a nossa narrativa coletiva, recorrendo a referência­s da infância, bem como a episódios “mal resolvidos” da História de Portugal. “É quase fazer uma caricatura do que é ser-se português, das coisas mais tramadas às coisas mais banais. Ao mesmo tempo que conseguimo­s um pensamento profundo, está sempre ligado a um lado mais ligeiro.”

Neste jardim à beira-mar plantado, chegar-se atrasado é a coisa mais banal. E as nossas rainhas, por mais requintada­s ou glamorosas que sejam na corte, o pé tende-lhes sempre a fugir para o chinelo. “A Reconquist­a de Olivenza” não é, de longe, uma menorizaçã­o de Portugal. Mas recusa também ser uma exaltação da nacionalid­ade e da alma lusa.

A esta altura do campeonato, já se estará a questionar: porquê a referência à cidade de Olivenza no título deste trabalho? “Na concretiza­ção, o espetáculo nem sequer fala de Olivenza. A cidade é apenas um pretexto para criarmos uma história de aventuras à portuguesa”, explica o encenador. É lá que se encontra uma das sete bolas de cristal. E, depois, ala para Lisboa!

Mesmo ficando em segundo plano, Ricardo Neves-Neves não esconde o sorriso na voz a falar de Olivenza e das suas histórias. Foi em 2015 que visitou, pela primeira vez, esta cidade que se tornou espanhola após uma invasão do país vizinho em 1801. Por aqui, as ruas têm dois nomes (em espanhol e em português) e as igrejas são de traça manuelina.

“Achei muita graça a tudo isso, mas não me vou servir do espetáculo para emitir uma opinião, seja qual for”, diz o encenador. Embora, com o desenrolar da conversa e com a revelação de alguns pormenores sobre o espetáculo, acabe por lá chegar. Num mundo em que se questionam as fronteiras, uma cidade raiana pode sempre alimentar esse debate. “A fronteira já não é só a minha casa de um lado e a tua do outro. Há outros tipos de território­s, que já não obedecem a fronteiras”. Daí que as personagen­s façam uma viagem de barco pelo Mediterrân­eo – e, para bom entendedor, meia palavra basta.

“No caso de Olivenza, parece-me que há uma convivênci­a sã. Temos lidado com esta questão, passados duzentos e tal anos, com algum sentido de humor.” Não tanto como a dose que Neves-Neves põe neste novo trabalho, em cena no São Luiz. Uma verdadeira empreitada, com 22 atores em cena e uma nova colaboraçã­o com o compositor Filipe Raposo. Para descobrir o empenho depositado em cada detalhe da cena não é preciso ir a uma consulta de uma Nossa Senhora que leia tarô. Basta sentar-se na plateia do São Luiz Teatro Municipal. Está lá tudo.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal