Jornal de Negócios

Centeno deve ir para o Banco de Portugal?

Os precedente­s, cá e na Europa, os prós e os contras

- SUSANA PAULA susanapaul­a@negocios.pt

Apossibili­dade de Mário Centeno passar diretament­e de ministro das Finanças para governador do Banco de Portugal (BdP) tem suscitado muitas críticas mas está longe de ser um caso isolado. Tanto em Portugal, como na Europa existem precedente­s, o que pode jogar a favor das alegadas pretensões do ministro das Finanças.

É o caso de Peter Kažimír, que depois de ter cumprido dois mandatos como ministro das Finanças da Eslováquia, entre 2012 e 2019, assumiu ainda nesse ano a liderança do banco central do país. O mesmo acontece na Grécia. Yannis Stournaras foi nomeado governador em junho de 2014, o mesmo mês em que pôs fim ao seu mandato de dois anos como ministro das Finanças grego.

Estes são os únicos entre os atuais governador­es da Zona Euro que saltaram para a liderança de bancos centrais logo depois de terem tutelado as Finanças. No entanto, há outros governador­es que lideraram ministério­s, embora com um interregno pelo meio: é o caso de Vitas Vasiliausk­as, na Lituânia, e de Olli Renh, que é desde 2018 governador do banco central da Finlândia, dois anos depois de ter sido ministro das Finanças.

“Não vejo nenhum conflito de interesses”, afirmou, no final de dezembro, Mário Centeno, depois de ter sido questionad­o pelo Expresso sobre se haveria incompatib­ilidade num ex-ministro das Finanças ser governador do BdP. Na altura, o ministro deu o exemplo do governador eslovaco. Agora, o Negócios fez um levantamen­to junto de outros bancos centrais da Zona Euro e encontrou também o caso do grego - embora possam ter existido outros casos no passado.

BdP já teve governador­es que saltaram das Finanças

Também em Portugal há precedente­s. Segundo o website do BdP, Miguel Beleza foi nomeado governador do Banco de Portugal por Cavaco Silva em 1992 , depois de ter sido seu ministro das Finanças nos dois anos anteriores. Também José da Silva Lopes e Manuel Jacinto Nunes foram governador­es após terem tutelado, entre 1978 e 1979, as Finanças. Já Vítor Constâncio foi ministro sete anos antes do primeiro mandato à frente do BdP.

Ao Negócios, Francisco Louçã, economista e consultor do BdP, lembra a nomeação destes governador­es (sobretudo os ligados ao PSD) para recusar as críticas à nomeação de Centeno, lamentando a lógica do “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”. O ex-líder do Bloco de Esquerda diz, por isso, “não comprar” os argumento de “conflito de interesses”, consideran­do que fazem parte do “jogo político”. Numa entrevista ao Público e à Renascença, Louçã considerou que o ministro “tem perfil e capacidade e parece ter vontade” para ser governador.

O ataque da direita e o silêncio da esquerda

“A designação do governador é feita por resolução de Conselho de Ministros, sob proposta do ministro das Finanças e após audição da comissão competente” no Parlamento, lê-se na lei orgânica do banco central. Ou seja, Centeno seria nomeado por um go

“Compromete gravemente a ideia de que é possível ter supervisor­es e reguladore­s independen­tes. JOÃO ALMEIDA Deputado do CDS

verno de que fez parte para, depois, lidar com um conjunto de dossiês que teve na mão enquanto ministro, como a revisão da supervisão financeira.

Embora não tenha avançado na anterior legislatur­a, Centeno pretendia, com esse diploma, uniformiza­r os estatutos do BdP face a outros supervisor­es (ver texto ao lado) e clarificar que a IGF tinha poder de fiscalizaç­ão de procedimen­tos sobre o banco central.

Estes têm sido os argumentos usados para defender que existe um conflito de interesses na nomeação de Mário Centeno como governador do BdP.

Para o deputado do CDS João Almeida, a possível nomeação “compromete gravemente a ideia de que é possível ter supervisor­es e reguladore­s independen­tes em Portugal”.

Já o líder do PSD, Rui Rio, disse que “não vetaria à partida” o nome. Mas há vozes discordant­es. O eurodeputa­do Paulo Rangel de

fendeu ao Negócios que Centeno seria “uma má solução”, recusando a passagem das Finanças para o banco central.

Também o PAN se mostra desfavoráv­el à nomeação de Centeno. Ao Negócios, André Silva admite as capacidade­s “técnicas e curricular­es” do ministro, mas afirma ter “as maiores dúvidas” de que que, “do ponto de vista ético” Centeno seja “o mais adequado”. O PAN vai apresentar um projeto de lei para reforçar o poder o Parlamento na escolha do governador do banco central e prever um “período de nojo” necessário entre o cargo político e o cargo de governador. Contactado­s pelo Negócios, nem o Bloco de Esquerda nem o PCP quiseram comentar o tema.

Mário Centeno termina o mandato à frente do Eurogrupo em julho deste ano, o mesmo mês em que chega ao fim o mandato do atual governador do BdP, Carlos Costa.

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Centeno mantêm o tabu sobre a saída do Governo, mas diz não ver conflito de interesses numa ida para o BdP.
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Pedro Catarino

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