Centeno deve ir para o Banco de Portugal?
Os precedentes, cá e na Europa, os prós e os contras
Apossibilidade de Mário Centeno passar diretamente de ministro das Finanças para governador do Banco de Portugal (BdP) tem suscitado muitas críticas mas está longe de ser um caso isolado. Tanto em Portugal, como na Europa existem precedentes, o que pode jogar a favor das alegadas pretensões do ministro das Finanças.
É o caso de Peter Kažimír, que depois de ter cumprido dois mandatos como ministro das Finanças da Eslováquia, entre 2012 e 2019, assumiu ainda nesse ano a liderança do banco central do país. O mesmo acontece na Grécia. Yannis Stournaras foi nomeado governador em junho de 2014, o mesmo mês em que pôs fim ao seu mandato de dois anos como ministro das Finanças grego.
Estes são os únicos entre os atuais governadores da Zona Euro que saltaram para a liderança de bancos centrais logo depois de terem tutelado as Finanças. No entanto, há outros governadores que lideraram ministérios, embora com um interregno pelo meio: é o caso de Vitas Vasiliauskas, na Lituânia, e de Olli Renh, que é desde 2018 governador do banco central da Finlândia, dois anos depois de ter sido ministro das Finanças.
“Não vejo nenhum conflito de interesses”, afirmou, no final de dezembro, Mário Centeno, depois de ter sido questionado pelo Expresso sobre se haveria incompatibilidade num ex-ministro das Finanças ser governador do BdP. Na altura, o ministro deu o exemplo do governador eslovaco. Agora, o Negócios fez um levantamento junto de outros bancos centrais da Zona Euro e encontrou também o caso do grego - embora possam ter existido outros casos no passado.
BdP já teve governadores que saltaram das Finanças
Também em Portugal há precedentes. Segundo o website do BdP, Miguel Beleza foi nomeado governador do Banco de Portugal por Cavaco Silva em 1992 , depois de ter sido seu ministro das Finanças nos dois anos anteriores. Também José da Silva Lopes e Manuel Jacinto Nunes foram governadores após terem tutelado, entre 1978 e 1979, as Finanças. Já Vítor Constâncio foi ministro sete anos antes do primeiro mandato à frente do BdP.
Ao Negócios, Francisco Louçã, economista e consultor do BdP, lembra a nomeação destes governadores (sobretudo os ligados ao PSD) para recusar as críticas à nomeação de Centeno, lamentando a lógica do “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”. O ex-líder do Bloco de Esquerda diz, por isso, “não comprar” os argumento de “conflito de interesses”, considerando que fazem parte do “jogo político”. Numa entrevista ao Público e à Renascença, Louçã considerou que o ministro “tem perfil e capacidade e parece ter vontade” para ser governador.
O ataque da direita e o silêncio da esquerda
“A designação do governador é feita por resolução de Conselho de Ministros, sob proposta do ministro das Finanças e após audição da comissão competente” no Parlamento, lê-se na lei orgânica do banco central. Ou seja, Centeno seria nomeado por um go
“Compromete gravemente a ideia de que é possível ter supervisores e reguladores independentes. JOÃO ALMEIDA Deputado do CDS
verno de que fez parte para, depois, lidar com um conjunto de dossiês que teve na mão enquanto ministro, como a revisão da supervisão financeira.
Embora não tenha avançado na anterior legislatura, Centeno pretendia, com esse diploma, uniformizar os estatutos do BdP face a outros supervisores (ver texto ao lado) e clarificar que a IGF tinha poder de fiscalização de procedimentos sobre o banco central.
Estes têm sido os argumentos usados para defender que existe um conflito de interesses na nomeação de Mário Centeno como governador do BdP.
Para o deputado do CDS João Almeida, a possível nomeação “compromete gravemente a ideia de que é possível ter supervisores e reguladores independentes em Portugal”.
Já o líder do PSD, Rui Rio, disse que “não vetaria à partida” o nome. Mas há vozes discordantes. O eurodeputado Paulo Rangel de
fendeu ao Negócios que Centeno seria “uma má solução”, recusando a passagem das Finanças para o banco central.
Também o PAN se mostra desfavorável à nomeação de Centeno. Ao Negócios, André Silva admite as capacidades “técnicas e curriculares” do ministro, mas afirma ter “as maiores dúvidas” de que que, “do ponto de vista ético” Centeno seja “o mais adequado”. O PAN vai apresentar um projeto de lei para reforçar o poder o Parlamento na escolha do governador do banco central e prever um “período de nojo” necessário entre o cargo político e o cargo de governador. Contactados pelo Negócios, nem o Bloco de Esquerda nem o PCP quiseram comentar o tema.
Mário Centeno termina o mandato à frente do Eurogrupo em julho deste ano, o mesmo mês em que chega ao fim o mandato do atual governador do BdP, Carlos Costa.